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Medidas para a indústria lembram Mantega: ‘quem gritava mais levava’, diz Alexandre Schwartsman

Para ex-diretor do Banco Central, arcabouço fiscal não resolve problema das contas públicas e governo se vale de medidas antigas para o setor industrial

Foto do author Luiz Guilherme  Gerbelli
Atualização:
Foto: Gabriela Biló/Estadão
Entrevista comAlexandre SchwartsmanEconomista. Foi diretor do Banco Central

Ex-diretor do Banco Central, Alexandre Schwartsman está pessimista com o futuro da economia brasileira. Ele não vê o arcabouço fiscal como capaz de resolver o problema das contas públicas do País e enxerga um retrocesso na condução da política econômica com a tentativa, por exemplo, de alterar o marco do saneamento e os ataques do governo ao BC.

“Isso aqui não vai terminar bem. É uma reprise do segundo governo Lula e do governo Dilma com condições internacionais, geralmente, piores do que as enfrentadas naquele período”, diz.

Em relação aos anúncios do governo para o setor industrial, Schwartsman também vê problemas. Ele afirma que todas as medidas pensadas foram usadas no passado, como de subsídio e proteção, mas que fracassaram. “Lembra muito o Mantega (Guido Mantega, ministro da Fazenda nos governos Lula e Dilma). Quem gritava mais levava.”

Medidas do governo lembram o segundo mandato de Lula e o mandato Dilma Foto: Gabriela Bilo/Estadão

A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estadão.

Como o sr. analisa os primeiros sinais deste começo de governo?

De maneira geral, são ruins. Não diria que é inesperado. Eu acho que a gente tem algumas dimensões importantes, começando pela mais óbvia, que é a questão fiscal. Apesar de o mercado ter reagido positivamente à aprovação do arcabouço, eu acho ruim. O arranjo que ele produz é pior do que o tínhamos com o teto de gastos. Eu entendo que o mercado sempre compara a alternativa, que era não ter nada. É mais ou menos como envelhecer. Envelhecer é ruim, mas a alternativa é muito pior. Eu acho que acabam encarando dessa forma.

O sr. não está otimista com o arcabouço, então?

Não consigo ficar otimista. Primeiro, porque, mesmo melhorado pelo Congresso, dificilmente ele (arcabouço) entrega a trajetória de gasto público previsto, aquele intervalo entre 0,6% e 2,5%, porque a gente não está mexendo na estrutura de gasto obrigatório. E, na verdade, ela piorou.

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Por que houve essa piora?

Com a revogação do teto de gastos, uma série de vinculações voltou, particularmente, as relativas à saúde e à educação. Agora, a gente tem um piso de investimento, e, correndo em paralelo ao arcabouço, existem políticas declaradas de elevação salário mínimo e do salário do funcionalismo em termos reais. Aliás, não sou só eu. Eu olho para o trabalho do Marcos Mendes e do Marcos Lisboa. O que ele revela é que, primeiro, (o arcabouço) não entrega essa trajetória de gastos. Dois, na improvável hipótese de entregar a trajetória de gastos, ainda assim para alcançar a trajetória de resultados primários implicada, você precisaria de um crescimento enorme das receitas. Nos próximos três anos, a gente precisaria arrecadar de R$ 250 bilhões a R$ 350 bilhões a mais. Não se sabe de onde vai vir isso. Diz o ministro (Fernando Haddad, ministro da Fazenda) que eles vão mexer em renúncia fiscal.

Nos chamados jabutis...

Só que esses jabutis são ferozes. Eles mordem de volta. Já falaram que não vão mexer no Simples, que, sozinho, é um quarto da renúncia fiscal. Não vai mexer na Zona Franca (de Manaus). Não parece que eles vão conseguir essa grana toda.

E sobre a proposta do governo para o setor industrial, qual é avaliação do sr.?

A gente vê uma disposição de reindustrializar o País, mas usando as medidas que foram adotadas no passado. E não tem motivo para imaginar que dessa vez vai ser diferente. Então, a gente está vendo o BNDES mostrando as garras. Já tem ali todo mundo babando em cima do que poderiam ser os prováveis novos subsídios. Não tem nenhuma medida que a gente tenha tentado no passado e que não tenha fracassado, de subsídio, proteção e, agora, essa história dos automóveis. Lembra muito o Mantega (Guido Mantega, ministro da Fazenda nos governos Lula e Dilma). Quem gritava mais levava.

Como assim?

É tudo meio atirando. O presidente falou que o carro precisa ficar mais barato. Bacana, vamos reduzir o preço do automóvel. Você vê que a coisa é toda mal pensada. E fora o ataque ao marco do saneamento, à privatização da Eletrobras, a recusa em se engajar em comércio internacional e os ataques ao Banco Central. Isso aqui não vai terminar bem. É uma reprise do segundo governo Lula e do governo Dilma com condições internacionais, geralmente, piores do que as enfrentadas naquele período.

Na avaliação do sr., então, quando os problemas do arcabouço ficarão evidentes?

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Isso é difícil de dizer. Se você der tempo ao tempo, vão começar a perceber que, por exemplo, no plano fiscal, as contas não fecham. Você começa a ver que a trajetória de superávit fica pior do que projetada, e, talvez, caía a ficha. Mas, pela minha experiência, eu acho que o mais provável é que, num (período de) desenvolvimento ruim lá fora, tem aquele momento que a maré baixa, e você descobre quem está nadando pelado como já dizia o Warren Buffet (investidor e empresário bilionário norte-americano). A gente está nadando pelado e, na hora que a maré baixar, isso vai ficar claro. Mas eu acho que, mesmo que a maré por si só não baixe, em algum tempo, a gente vai sair pelado da água e todo mundo vai perceber.

Vai haver uma piora de percepção de risco com a economia brasileira, então?

Vai haver uma piora, com juro longo mais alto, dólar mais caro. De maneira geral, é o caminho que a gente deve seguir.

O relatório do grupo de trabalho da reforma tributária foi apresentado. Qual é a avaliação do sr.?

Não é a ideal. O ideal é que fosse um IVA só, mas, nesse caso, um IVA dual é muito melhor do que o que temos hoje. A proposta traz um avanço considerável em várias dimensões, como na redistribuição de carga entre setores. Tem uma série de coisas que eu acho positivas e que, pelo que entendi do projeto, vão seguir, mesmo que se possa fazer ressalvas para questões de tratamento diferenciado para setores. Se for aprovado, é muito bom.

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Essa reforma não pode mudar o cenário da economia brasileira?

Vamos colocar em perspectiva. Quando esse negócio entra em vigor? Vai precisar de mais um ano para regulamentar essa reforma toda. Não estou dizendo que não vão conseguir. Estou só dizendo que vai precisar de mais tempo e sabe-se também que você não vai desligar a chave dos atuais impostos e ligar a chave do imposto novo numa tacada só. Não vai ser um processo tão rápido. As vantagens vão aparecer num horizonte de mais de cinco anos. Ele (o projeto) é muito bom, tem de fazer, nada contra, mas não vai gerar milagre.

Em um cenário em que a inflação voltou a surpreender, como avalia a atuação do BC?

Com toda a melhor que teve, quando a gente olha ali para os núcleos de inflação, que é o que realmente interessa, eles estão rodando na casa de 5% a 5,5%, um pouquinho melhor do que no começo do ano, mas é basicamente igual ao final do ano passado. O que a gente está vendo é uma desinflação lenta. E a perspectiva de inflação para o ano que vem é ficar acima da meta. Olhando para isso, como é que o Banco Central vai cortar juro? Eu acho que ele vai cortar juro, mas conforme o horizonte do BC comece a mudar - e a gente sabe que isso vai acontecer. Na altura do terceiro trimestre deste ano, ele vai olhar para o primeiro trimestre, segundo trimestre de 2025, e aí já começa a ver algum sinal. Eu estou com o consenso do mercado, de que o Banco Central começa um processo de distensão monetária em setembro, mesmo sem perspectiva de atingir a meta de inflação no ano que vem.

Eventual mudança da meta de inflação será um tiro no pé, diz Schwartsman Foto: Gabriela Bilo/Estadão Conteúdo

E se houver uma mudança na meta de inflação?

Eu acho que é um baita tiro no pé, porque, na hora que você sobe as metas, o que vai acontecer é que as expectativas de inflação vão subir. E se as expectativas de inflação sobem, elas contaminam a inflação corrente. Ninguém é bobo. As pessoas vão pensar que, se o governo vai tolerar uma inflação mais alta, elas vão se proteger e reajustar os preços. Isso contamina a inflação corrente. É um tiro no pé.

O sr. cita os inúmeros interesses na formulação de políticas econômicas. É possível melhorar esse aspecto do País?

Eu gostaria de responder positivamente, mas eu não consigo. E não é por acaso. Faz mais de 40 anos que esse País não consegue crescer de uma maneira rápida e sustentável. A gente superou a inflação alta, problemas recorrentes do balanço de pagamentos, alguma coisa do lado macro melhorou. Apesar disso, a gente não consegue engatar uma sequência de vários anos de crescimento forte, a menos, enfim, que pegue alguma sorte de ter um superciclo de commodities como foi a primeira década deste século. Isso diz alguma coisa sobre a persistência dos nossos problemas.

Tem havido um erro para baixo nas projeções de crescimento nos próximos anos. Qual é a sua previsão para o futuro da economia?

Este ano vai ter um PIB mais alto. Agora, coloca em perspectiva: o País tem crescido nos últimos 15 anos a um ritmo de 2% ao ano. A gente cresceu 3% nos últimos dois anos, e já estamos vendo um mercado de trabalho mais apertado do que seria, por exemplo, congruente com a inflação voltando rapidamente para a meta. Me parece que a nossa capacidade de crescimento é baixa. Com uma exceção honrosa do segmento agropecuário, a produtividade na indústria vem colhendo, a produtividade do segmento de serviços não chega a tanto, mas ela também não vem crescendo. Se a gente olha para um prazo mais longo, cinco, 10 anos, eu não vejo como o País vai crescer muito, não com o nível de investimento e crescimento de produtividade e com a qualificação da mão de obra que a gente tem hoje. Então, se o País crescer 1,5% a 2,5% ao longo dos próximos 10 anos pode lamber os beiços, porque é isso que a gente consegue entregar.

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