Falta de água faz Canal do Panamá limitar travessias. Qual será o efeito para o comércio global?

Número de embarcações será limitado a 18 por dia, uma redução de 50% em relação ao ano anterior

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Por Bloomberg
Atualização:

O Canal do Panamá não tem água suficiente. A escassez de chuvas, atribuída às mudanças climáticas, está levando a uma redução constante dos níveis de água do imprescindível canal. O problema é tão grave que está sendo imposto um limite para quantos navios podem passar por ele, uma medida que deve impactar o comércio de energia, bens de consumo e alimentos, pois as transportadoras serão obrigadas a navegar milhares de quilômetros a mais para fazer as entregas.

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As restrições começaram este mês e continuarão pelo menos até fevereiro, segundo a autoridade gestora do canal. Até lá, o número de embarcações será limitado a 18 por dia, uma redução de 50% em relação ao ano anterior. Aquelas que não puderem atravessá-lo provavelmente mudarão a rota para o Canal de Suez – adicionando pelo menos uma semana à travessia entre os Estados Unidos e a China – ou contornarão o sul da América do Sul. Esses deslocamentos queimarão mais combustível e provocarão um aumento do custo do frete.

“É realmente um desastre acontecendo em câmera lenta”, disse Peter Sand, analista-chefe da Xeneta, plataforma com sede em Oslo que analisa os mercados de frete marítimo e aéreo. “A expectativa é que isso se prolongue por pelo menos mais um ano.”

A crise segue o mesmo padrão do que aconteceu com os rios da Europa durante as ondas de calor recordes em 2022. Os rios Reno e Danúbio, por exemplo, estavam evaporando com tamanha velocidade que o comércio avaliado em cerca de US$ 80 bilhões por ano foi prejudicado. Isso afetou o refino do petróleo, a geração de energia e o cultivo de milho.

Seca severa reduziu a água em lagos que ajudam a manter o Canal do Panamá cheio Foto: Arnulfo Franco/Associated Press

O último mês de outubro foi o mais seco já registrado no Panamá desde o início do acompanhamento em 1950. O nível do lago Gatún, um corpo de água doce pelo qual as embarcações navegam em seu trajeto pelo canal, caiu para um nível sem precedentes.

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O comércio através do istmo gerou US$ 4,3 bilhões em receita no ano passado, de acordo com a autoridade do canal. Os principais utilizadores incluem navios-tanque que transportam produtos petrolíferos – principalmente propano liquefeito – das refinarias dos EUA para a Ásia; navios porta-contêineres levando produtos fabricados na China para a costa leste dos EUA; e graneleiros que carregam milhões de toneladas de grãos e outros produtos agrícolas.

As restrições severas de tráfego parecem ser particularmente desafiadoras para os fornecedores de propano. Os estoques americanos de propano e propileno atingiram o maior nível sazonal já registrado, enquanto a demanda da Ásia por insumos petroquímicos continua a aumentar.

A expectativa é que os EUA exportem até 12% mais propano neste inverno em comparação com o último, de acordo com uma previsão do governo. Grande parte dessas exportações precisam passar pelo canal e os atrasos podem sair caro tanto para as transportadoras como para os consumidores.

Leilão fura-fila

Para uma transportadora, evitar a espera custou US$ 2,85 milhões – o valor pago em um leilão para furar a fila na próxima semana, disse Oystein Kalleklev, CEO das empresas de frete marítimo Flex LNG e Advance Gas.

Mais da metade das cargas de propano dos EUA foram para a Ásia em 2022, segundo os dados da Administração de Informações de Energia dos EUA (EIA, na sigla em inglês).

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Na última semana, os preços na Ásia dispararam para os maiores níveis desde janeiro, ficando acima de US$ 750 por tonelada devido às preocupações crescentes com atrasos, de acordo com profissionais especializados nesse mercado. Esse salto ocorreu mesmo em meio a sinais de demanda mais fraca na região, em especial do setor petroquímico da China.

Para as transportadoras de contêineres, a seca é o mais recente de uma série de acontecimentos que abalaram as operações nos últimos anos – sejam aqueles relacionados com o caos provocado pela pandemia que assolou os exportadores da China, ou com a obstrução do Canal de Suez por um navio gigante que encalhou entre as margens.

A redução em fevereiro do número de embarcações atravessando o canal atingirá os importadores quando eles estão tentando reabastecer os estoques após o período de festas de fim de ano. Embora os preços à vista dos contêineres transportados da Ásia para o Golfo dos EUA e para a costa leste do país atravessando o Panamá tenham diminuído nos últimos meses, eles vêm “aumentando” e talvez continuem subindo conforme a fila de espera se prolonga até fevereiro, disse Sand.

O engarrafamento no canal tem o efeito de reduzir volume e definir um piso para os preços do frete marítimo de mercadorias para os navios que navegam por ele.

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O frete pelo Pacífico provavelmente será redirecionado para os portos da costa oeste dos EUA e depois transferido para trens ou caminhões para chegar à costa leste, em vez de esperar para transitar pelo Panamá, disse Glenn Koepke, gerente-geral do escritório de Chicago da FourKites, plataforma que conecta cadeias de suprimentos.

Isso deve aumentar a pressão sobre os preços e “ajudar a dar uma sacolejada necessária nas empresas de transporte marítimo e nos transitários passando por dificuldades com a rentabilidade”, disse ele.

As restrições significam que vai demorar cerca de 10% a mais para um contêiner ser transportado de um porto chinês para um destino na costa leste dos EUA, de acordo com a Project44, empresa de Chicago que monitora os dados das cadeias de suprimentos.

“Esperamos que os prazos de entrega pelo canal permaneçam altos e, caso as condições de seca continuem, novas restrições devem surgir”, disse a Project44 em uma nota de pesquisa.

Cerca de 38,4 milhões de toneladas longas de grãos – a grande maioria deslocando-se do leste para o oeste – passaram pelo canal em 2022, segundo os dados da Autoridade do Canal do Panamá.

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Se o tempo de espera for muito longo, alguns comerciantes de produtos agrícolas cogitarão transportar os grãos pelo Canal de Suez, disse Jan Rindbo, CEOda D/S Norden A/S, que opera uma frota de petroleiros e graneleiros.

Também é possível que as cargas de fertilizantes da Europa para a costa oeste da América do Sul sejam substituídas por suprimentos vindos da Ásia, disse ele.

“Há grandes desafios devido à seca enfrentada pelo canal atualmente” disse Rindbo. “Não é algo que vai desaparecer tão cedo.”

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