Por trás do lançamento do novo PAC (Programa de Aceleração de Crescimento), realizado com pompa pelo governo na sexta-feira, 11, está a ideia defendida pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seus aliados de que cabe ao Estado liderar os investimentos no País, para alavancar o crescimento econômico.
Foi assim no segundo mandato de Lula, de 2007 a 2010, com o lançamento do PAC 1, idealizado e capitaneado pela ex-presidente Dilma Rousseff, então ministra-chefe da Casa Civil, quando o governo realizou pesados investimentos públicos, para amenizar os efeitos do tsunami gerado pela crise no mercado americano de hipotecas. Continuou assim depois que a crise passou, nos governos Dilma, de 2011 até o impeachment, em agosto de 2016, com a implementação do PAC 2, uma repaginação do programa original, para tentar segurar – sem sucesso – o crescimento registrado no fim da gestão de Lula por meio dos anabolizantes governamentais.
Agora, com o anúncio do novo PAC, tudo indica que deve ser assim também no governo Lula 3, reforçando a visão “intervencionista” assumida lá atrás pelo presidente, com base na crença de que só com o aumento dos investimentos públicos é possível turbinar a economia e acelerar o desenvolvimento do País.
Mas, quando se observa o que aconteceu nos últimos anos, a visão de que o Brasil continuará a produzir “pibinho” atrás de “pibinho”, se o Estado não puxar a carruagem, não “bate” com a realidade. Segundo dados do IBGE, a taxa de investimento no País subiu de forma considerável em 2021 e em 2022, mesmo com os investimentos públicos chegando aos níveis mais baixos da história, ao mesmo tempo em que a economia mostrou um vigor que surpreendeu muitos analistas de mercado.
De acordo com o IBGE, a taxa de investimento no País fechou os dois anos roçando os 19% do PIB (Produto Interno Bruto), o patamar mais alto desde 2014, graças aos investimentos promovidos pelo setor privado, que mais do que compensaram a retração nos aportes governamentais (veja os gráficos abaixo). No mesmo período, o crescimento acumulado pelo PIB (Produto Interno Bruto) chegou a 8% (5% em 2021, conforme os números mais recentes do IBGE, e 2,9% em 2022).
Na avaliação dos economistas ouvidos pelo Estadão, essa combinação de uma taxa de um crescimento vigoroso com investimentos em alta, num cenário de redução nos aportes do setor público, deve-se essencialmente à criação de um ambiente mais favorável aos negócios a partir de 2017, com a realização da reforma trabalhista e a aprovação dos novos marcos regulatórios de saneamento, navegação de cabotagem, ferrovias e gás natural, que vão na direção oposta do protagonismo estatal preconizado pelo atual governo.
“O Estado querer liderar os investimentos no País é uma estratégia que já se mostrou um fracasso. A economia não ganhou produtividade com os investimentos feitos pelo PAC no passado”, afirma Rafaela Vitoria, economista-chefe do Banco Inter. “Hoje, é possível aumentar o investimento no Brasil sem a liderança do Estado. O setor privado, principalmente as grandes empresas, pode se financiar por meio do mercado de capitais, que cresceu muito, com a emissão de debêntures de até 15 anos de prazo e a realização de operações de securitizações de recebíveis, no País e no exterior. Então, eu diria que o novo PAC hoje é desnecessário para a promoção de investimento.”
“Para o investimento privado crescer, o que você tem de fazer é gerar os incentivos corretos, que são dados pela regulação bem feita”, diz José Márcio de Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos e colunista do Estadão. “O caso do saneamento é paradigmático. O governo, com aval do Congresso, criou uma regulação que mostrou para os empresários que essa é uma área na qual eles devem ter lucro se investirem – e os empresários se apresentaram e investiram. Desde a adoção do novo marco do saneamento, em 2020, que tornou mais atraente a realização de investimentos na área, já houve a aprovação de R$ 98 bilhões em novos projetos.”
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Além da força demonstrada pelo setor privado, que coloca em xeque a ideia de que o Estado precisa liderar o processo, é preciso levar em conta também, de acordo com Rafaela, que o Orçamento federal está no vermelho e que o governo terá de se endividar mais, a um custo alto, hoje de 5,5% ao ano mais a variação do IPCA (índice da inflação oficial), para bancar os investimentos que pretende realizar.
“Investimento também é gasto. Ainda que parte dos investimentos fique fora do resultado primário, como é a intenção do governo, isso vai gerar dívida do mesmo jeito, porque há um déficit no Orçamento”, afirma. “A gente já viu esse filme antes, de querer fazer maquiagem contábil para melhorar o resultado primário, mas no fim isso acaba batendo na dívida pública.”
É certo que, a princípio, a tendência é haver uma sensação de melhora no quadro econômico com a injeção de bilhões do governo na economia, inclusive das estatais, como aconteceu com os PACs 1 e 2. Só que, depois, as contas públicas se deterioram e a dívida cresce, minando a confiança dos investidores e produzindo um efeito oposto ao desejado, como ocorreu no fim do governo Dilma.
“No curto prazo, o efeito é positivo, porque você está fazendo obra, vai gastar material, contratar pessoas. Agora, no médio e no longo prazos, o governo começa a gerar déficit, sem perspectivas de ajuste fiscal, o juro sobe e o setor privado para de investir”, diz Rafaela. “Estamos repetindo os erros de dez anos atrás. No começo todo mundo acha bom, porque está ganhando dinheiro, mas depois todo mundo foge e quem acaba pagando a conta é a sociedade”, reforça Camargo.
Também é preciso considerar que, muitas vezes, as decisões de investimento do governo têm um viés político-eleitoral, deixando para trás a preocupação com o retorno do capital investido, que pauta o setor privado. Isso para não falar do problema da corrupção, que manchou diversos negócios do governo no passado recente. “O investimento público é complicado, a gente sabe como funciona”, afirma Camargo. “Depende muito de interesses políticos, não está necessariamente ligado ao aumento de produtividade e não dá para saber exatamente como são tomadas as decisões de investimento do governo.”
Rafaela menciona o exemplo de uma refinaria de petróleo que começou a ser construída no Maranhão, mas depois a obra parou, deixando um prejuízo de cerca de R$ 2 bilhões para trás. A refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, cuja retomada das obras, paralisadas desde 2015, está prevista no novo PAC, enfrentou problema semelhante. Há dezenas de casos parecidos de obras não concluídas e abandonadas que recheavam os PACs 1 e 2. “Não é viável economicamente ter uma refinaria numa região em que o consumo é baixo”, afirma. “O setor público não tem essa capacidade de gestão nem uma visão de alocação eficiente de capital.”
Historicamente, o governo sempre desempenhou um papel relevante na realização dos investimentos. Até duas ou três décadas atrás, o setor privado não tinha acesso a capital para financiar investimentos de longo prazo e a ação governamental era mais importante para viabilizar as obras. Hoje, há capital em abundância no mercado global, aguardando bons projetos para investir. Também é possível reduzir os riscos dos investidores em grandes projetos com a garantia de receitas futuras, prazos bem amarrados e uma regulação bem feita. “O que fazia sentido antes hoje não faz mais”, diz Rafaela.
Isso não significa, em sua opinião, que o governo não deve realizar investimentos. Afinal, conforme os cálculos dos economistas, o Brasil precisa ter uma taxa de investimento de 25% do PIB ao ano para crescer de forma sustentável e melhorar a sua infraestrutura e a qualidade de vida da população. Mas, para ela, esse investimento deve ser relativamente marginal e se concentrar no que não desperta interesse na iniciativa privada. “O setor público não precisa deixar totalmente de lado os investimentos. Existem obras públicas que são relevantes, para as quais ele pode dar a sua contribuição.”
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