O comércio global atravessa um momento desafiador. A globalização, cultivada durante décadas, mas que já vinha sofrendo reveses, enfrentou um enorme baque com a pandemia da covid-19. A extrema dependência de produtos fabricados no exterior, especialmente da China, desarranjou a economia de vários países, e as práticas protecionistas e nacionalistas acabaram ganhando mais força.
Esse novo arranjo mundial ganhou ainda mais força na semana passada, com a eleição de Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos, de acordo com Yi Shin Tang, professor de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (USP). “A política dele é muito clara: privilegiar a América, muito protecionismo e alianças só com parceiros tradicionais”, diz o especialista. “O mundo todo vai sentir essa onda protecionista dos EUA.”
Como o Brasil e, em particular, a indústria brasileira, pode se posicionar nesse cenário? Para discutir essas questões, o Estadão promove nesta terça-feira, 12, no salão nobre da Fiesp, em São Paulo, o Fórum Estadão Think — Do Brasil para o mundo: Desafios para a nossa inserção global. O evento tem o apoio institucional de Fiesp, Ciesp, Firjan e CNI. As inscrições podem ser feitas aqui. O evento, com início às 9h, terá transmissão ao vivo no portal do Estadão.
Para Yi Shin Tang, que será um dos debatedores do seminário, o fato de o Brasil sempre ter optado por uma diplomacia mais neutra pode acabar se tornando um entrave nesse novo mundo. “O Brasil sempre teve uma premissa de negociação acima de tudo. E de não alinhamento automático às diversas potências e hegemonias que existem pelo mundo”, diz. “Só que esse é um modelo que vem se esgotando, que tem encontrado limitações importantes. Essas potências têm exigido também certa exclusividade.” Esse novo panorama global, em sua avaliação, pode trazer uma maior “periferização” para o País.
Para o especialista, o Brasil perde, com essa política mais neutra, a oportunidade de aprofundamento das relações com os países mais hegemônicos. “E, muitas vezes, ele pode ser um país que pode, em vez de agradar a todo mundo, conseguir o contrário. O Brasil, por exemplo, tem elevado tarifas de importação de diversos produtos chineses, não só a taxa das blusinhas. Acontece isso na indústria do aço, na de químicos. E isso é uma medida que, por princípio, desagrada ao Estado chinês.”
Para Lia Valls Pereira, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisadora da FVG/Ibre, o ambiente do comércio exterior se tornou muito “geopolitizado”, e o Brasil está numa situação de muita tensão. “A nossa política externa é de tentar ser um global trader. Temos de comercializar com Estados Unidos, com a União Europeia, com a China, com quem quer que seja, para poder garantir as exportações. Há esse jogo também no mundo atual”, diz.
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E, além das questões geopolíticas, o Brasil precisa resolver alguns problemas internos, segundo ela. No caso da indústria, um desses problemas é a questão da produtividade, estagnada há muito tempo. “Sabemos que há problema de inovação, apesar de haver ilhas de inovação, e temos de considerar que passamos por recessão mais profunda em 2014, 2015. Não é só uma questão de ter mais competitividade, há também capital humano, treinamento, tudo isso. Essa agenda no Brasil está sempre presente, mas os desafios são grandes, e no comércio exterior não se muda uma estrutura da noite para o dia”, diz.
Segundo Lia Valls, que também será uma das debatedoras do seminário, esse é um trabalho persistente de investimento, de inovação e que inclui toda a questão ambiental. “O Brasil aproveitou os nichos em que tinha mais vantagem, principalmente em alimentos, e onde tinha mais competitividade, como commodities, agrícolas e metálicas”, diz. “O grau de inovação tecnológica é muito rápido em manufatura.”
Na avaliação de Jorge Arbache, professor da Universidade de Brasília (UnB) e outro dos debatedores, há hoje muita incerteza associada à questão geopolítica, mas também às mudanças climáticas, o que não é bom para o Brasil. “Por outro lado, é necessário dizer que, quando se pensa em mudança climática, o Brasil tem um grande potencial, pois conta com uma matriz energética verde e renovável, além de ter muita água, uma biodiversidade sem igual, e ser um grande produtor de alimentos”, diz. “Logo, o cenário de mudança climática, se por um lado traz nervosismo em nível global, abre oportunidades para o Brasil.”
‘É difícil ignorar o Brasil’
Para Arbache, a fragmentação dos mercados globais está trazendo cada vez mais protecionismo e discriminação. “Estamos claramente em um processo de desglobalização. E países como o Brasil, que tem condições de ser um grande provedor de bens industriais verdes, se veem confrontados por este contexto geopolítico que desafia as regras e os prejudica”, diz. “Um exemplo é a taxa de juro elevada em países desenvolvidos, que pressiona o câmbio. Além disso, a inflação e políticas de subsídios têm gerado pressão sobre as dívidas públicas.”
Por outro lado, segundo ele, em tempos de mudanças climáticas, será muito difícil ignorar o Brasil no mercado internacional. “Poucos países têm condições de fazer ofertas dos bens necessários para este período de transição econômica. Um exemplo são os biocombustíveis. Brasil e EUA são os dois maiores produtores. A diferença é que os EUA consomem todo o biocombustível internamente e ainda falta. Já o Brasil produz em quantidade que excede o que precisa. Então, você não tem outra opção para produzir SAF (combustível sustentável de aviação), por exemplo, e o Brasil tem um gigantesco potencial.”
Ele lembra que o País tem a energia necessária para produzir hidrogênio verde e, então, o aço verde. “Que outro país tem uma condição vantajosa como a nossa, combinando disponibilidade de minério de ferro de alta pureza?”, diz. “Se você pensa em biodiversidade e em produtos intensivos em água, qual país tem de longe as maiores reservas de água doce? O Brasil. Então, é difícil ignorar o Brasil no mercado internacional.”
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