The Economist: Países em desenvolvimento estão exportando serviços. O mundo ficará mais rico?

Frango frito americano agora pode ser servido a partir das Filipinas

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Por The Economist
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Em abril, uma lanchonete nova-iorquina especializada em frango frito viralizou. Mas não foi a comida do Sansan Chicken, no East Village, que capturou a imaginação do mundo: foi seu serviço. Restaurantes têm encontrado assistentes para operar seus caixas nas Filipinas, via videochamada.

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O serviço é fornecido pela Happy Cashier, que conecta empresas americanas com trabalhadores filipinos. Chi Zhang abriu o negócio após seu restaurante falir durante a pandemia de covid-19. Ele afirma que os trabalhadores estrangeiros também atendem telefonemas e monitoram imagens de câmeras de segurança — cobrando uma fração do que os locais.

Os operadores de caixa remotos são uma parte visível de uma tendência muito maior: a ascensão das exportações de serviços fornecidos pelo mundo em desenvolvimento. Exportações de mercadorias são comuns. Fábricas expelem produtos que são enviados para clientes em todo o mundo.

Mas a melhora na conectividade internacional facilitou vários tipos de terceirização e comércio digital. Como resultado, as exportações de serviços saltaram 60% na década recente, alcançando US$ 7,9 trilhões (R$ 41,8 trilhões), 7,5% do PIB global em 2023. O mercado para produtos físicos é ainda maior, na casa dos US$ 24 trilhões (R$ 133,92 trilhões), mas tem crescido num ritmo muito menor, permanecendo constante enquanto fatia do PIB.

Bares e restaurantes são considerados parte do setor de serviços Foto: Rafael Arbex / Estadão

O que isso significa para países com esperança de enriquecer? Em 2005, o primeiro premiê de Cingapura, Lee Kuan Yew, observou que, “desde a Revolução Industrial, nenhum país se tornou uma grande economia sem virar uma potência industrial”. Mas desde 2005 o mundo mudou.

A manufatura é hoje mais intensiva em capital, facilitando para a China manter seu papel de fábrica do mundo. Nos anos recentes, países ocidentais adotaram políticas industriais e protecionismos na tentativa de impulsionar sua manufatura doméstica. Formuladores de políticas em mercados emergentes debateram a respeito da melhor maneira de responder.

No presente, serviços são exportados majoritariamente por países ricos, cujos profissionais de colarinho branco frequentemente trabalham no exterior. Apesar de a China ultrapassar os Estados Unidos como exportadora de mercadorias em 2009, o Tio Sam ainda exporta duas vezes e meia mais serviços que sua rival. O Reino Unido, que caiu para o 14.º lugar nos rankings globais de exportações de produtos, continua o segundo maior exportador mundial de serviços.

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Mas economias em desenvolvimento estão começando a ganhar fama nos tipos mais avançados de serviços que podem ser vendidos no exterior. Muitos países exportam serviços audiovisuais, computacionais e de telecomunicações. Na Bulgária, na Estônia, na Letônia, na Moldávia, na Romênia e na Ucrânia, essas exportações geram mais de 3% do PIB.

A Índia é o país asiático que desempenha melhor nessa categoria; suas exportações se situam quase em 3% do PIB. Numa economia do tamanho da indiana, isso significa uma indústria considerável. As cinco maiores empresas do país têm uma capitalização conjunta de mercado de aproximadamente US$ 350 bilhões (R$ 1,9 trilhão).

A Índia também tem 1,6 mil centros de capacidade global — centros de tecnologia e pesquisa para empresas multinacionais — que empregam 3 milhões de pessoas. Contando tudo, as exportações de serviços da Índia representam cerca de 5% das exportações mundiais, em comparação a 3% uma décadas atrás.

A categoria menos tecnológica dos “serviços empresariais e relativos ao comércio”, que cobre áreas como contabilidade e recursos humanos, é outro setor em crescimento. A Estônia e as Filipinas estão no topo do ranking aqui, com essas exportações equivalendo a 5% de seus PIBs. Assim como a Índia, as Filipinas oferecem baixos custos laborais e uma grande população que fala inglês.

Em muitos países também é possível trabalhar autonomamente online. É difícil mensurar esse tipo de prestação de serviço, mas dois terços dos freelancers em plataformas de língua inglesa, como Upwork e Fiverr, vivem em economias emergentes.

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A fórmula capilar

E então temos o turismo. Nem todos os países contam com atrações como os templos do Japão ou as praias do México, mas muitos estão encontrando novas maneiras de seduzir visitantes em áreas como serviços médicos. Atendimentos odontológicos e cirurgias de colocação de prótese em articulações do quadril estão entre os tratamentos em oferta.

Costa Rica, Croácia e Moldávia exportam serviços de saúde a uma taxa de 0,2% a 0,5% de seus PIBs. Armênia e Jordânia chegam a 1% cada uma. Poucas horas no aeroporto de Istambul ilustram uma indústria pujante, conforme homens voltam para a Turquia com as cabeças embrulhadas em plásticos, que protegem novos cabelos fincando suas raízes.

No curto prazo, parece provável que a exportação de serviços siga crescendo. Em 1992, o fundador da fabricante taiwanesa de computadores Acer, Stan Shih, cunhou o termo “curva sorridente” para descrever como o valor agregado no processo de manufatura estava crescendo mais rapidamente na primeira e na terceira parte do processo de produção (projeto e distribuição, respectivamente) do que no segundo estágio (manufatura).

Conforme a manufatura ficou mais competitiva, o sorriso se aprofundou. Pense na Apple, que projeta e distribui iPhones e coleta a renda de sua marca mas não produz nenhum aparelho sozinha. Sua capitalização de mercado é superior a US$ 3 trilhões (R$ 16,74 trilhões), enquanto a Foxconn, que fabrica 70% dos iPhones, vale apenas US$ 91 bilhões (R$ 507 bilhões).

Ainda mais alentador é o fato de que a ascensão do trabalho remoto deixou as empresas mais à vontade com operações terceirizadas. Afinal, um funcionário remoto não é tão diferente de um terceirizado.

Mas as exportações de serviços elevam padrões de vida da mesma maneira que a manufatura? Como nota Dani Rodrik, da Universidade Harvard, a indústria tem historicamente vantagens em três áreas: é mais intensiva em tecnologia, produz itens negociáveis internacionalmente e cria muitos empregos. Apesar dos serviços a estarem alcançando nas duas primeiras áreas, a manufatura ainda oferece muito emprego.

Comecemos pelo crescimento tecnológico. Uma fábrica em um país pobre junta homem e máquina, colocando um trabalhador sem capacitação na fronteira tecnológica. Então, conforme a tecnologia melhora, o funcionário se torna ainda mais produtivo. Serviços comercializáveis não conseguem absorver trabalhadores sem capacitação dessa maneira.

Como observou o Banco Mundial, porém, desde os anos 90 o crescimento da produtividade laboral em economias emergentes fora do Leste Asiático elevou-se aproximadamente ao mesmo ritmo da manufatura no setor de serviços — e a produtividade nos serviços cresceu mais rapidamente em economias emergentes do que nas ricas.

Além disso, a inteligência artificial logo poderá dar outra mão para os trabalhadores do setor de serviços. Dois experimentos constataram que ferramentas de IA ajudam trabalhadores com menos conhecimento a alcançar colegas mais capacitados em redação de textos de marketing e prestação de serviços ao consumidor.

Os serviços também estão alcançando a manufatura quando se trata de negociabilidade, ainda que lentamente. Antes da internet, a capacidade de enviar produtos para o exterior era a principal maneira pela qual as mercadorias diferiam dos serviços. O comércio permite aos exportadores alcançar bolsões muito maiores de demanda e economias em uma escala que de outra maneira estaria além de sua possibilidade.

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Em razão do comércio de mercadorias estar estagnado desde 2010 enquanto fatia do PIB global, ficou muito mais difícil para novatos competir. O comércio de serviços está bombando e, portanto, mais receptivo. Mas, mesmo na taxa de crescimento da década recente, o setor levará 15 anos para alcançar metade do valor comercial em itens manufaturados.

Criação de emprego é um tema ainda mais espinhoso. Marc Lautier, da Universidade de Rennes, calculou que, apesar da automação, o número de empregos na manufatura em 160 países dos quais ele tem os dados permaneceu estável desde 1991, representando cerca de 14% do número total de trabalhadores empregados.

O problema é que ficou mais difícil para os governos atrair esses empregos. A manufatura não deixa as potências do Leste Asiático no mesmo ritmo que chegou à região no fim do século 20, em parte porque fábricas modernas exigem mais capital e conhecimento para serem construídas. Nossa análise de dados de mercados laborais dos 51 mercados mais emergentes constata que somente cinco — China, Sri Lanka, Taiwan, Turquia e Vietnã — têm mais de 18% de suas populações empregadas na manufatura, em comparação a 16% em 1990.

O crescimento na oferta de serviços oferece pouco consolo, porque serviços não tendem a produzir densidade laboral. O Banco Mundial nota que, desde 1990, o trabalho no setor de serviços aumentou de 40% para 50% do emprego global. Mas somente 5% a 10% dos empregos em prestação de serviços nos mercados emergentes são em indústrias comerciais e de tecnologia, em comparação com 15% a 20% em países ricos. Essa indústria na Índia poderá arrecadar US$ 250 bilhões (R$ 1,395 trilhão) em exportações anuais, o equivalente a cerca de 8% do PIB nacional, em par com as exportações de produtos manufaturados. Mas emprega menos de 10 milhões de pessoas em uma população economicamente ativa de aproximadamente 1 bilhão.

No médio prazo, a IA poderá causar problemas. Os modelos são melhores em tarefas bem definidas que não necessitam contexto presencial — o que deixa vulnerável os serviços de negócios. Um relatório da consultoria Capital Economics argumenta que a IA poderia ocasionar um “declínio gradual” na exportação de serviços da Índia, cortando o crescimento no setor em 0,3 a 0,4 ponto porcentual anualmente ao longo da próxima década. A disseminação da tecnologia da informação facilitou a terceirização de serviços. Uma nova mudança tecnológica poderia, com o tempo, operar seu desfazimento.

Apesar dos lados negativos de uma abordagem para o desenvolvimento orientada pelo setor de serviços, especialmente quando se trata de criar empregos decentes em grandes números, as economias em desenvolvimento têm menos chances hoje do que no passado.

Governos que pretendem impulsionar o crescimento terão, portanto, de colocar foco em outras coisas. Ainda que no passado tenham tido razão para garantir que os trabalhadores pudessem mudar das fazendas para as fábricas, eles farão melhor se prestarem atenção ao capital humano entre os futuros trabalhadores de escritórios.

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Richard Baldwin, da IMD Business School, afirma que cidades grandes e funcionais também darão mais importância, porque serviços com frequência dependem de aglomeração populacional. Acertar nos serviços, especialmente naqueles que possam ser vendidos no exterior, é hoje uma condição crucial para o crescimento./TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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