BRASÍLIA - Participantes da Fundação de Previdência Complementar do Servidor Público da União (Funpresp-Exe) ― o fundo de pensão dos servidores federais do Executivo e do Legislativo, que conta com R$ 10,7 bilhões de patrimônio ― lançaram um abaixo-assinado para solicitar a criação de um perfil de investimento exclusivo em títulos públicos.
Ou seja, uma modalidade ainda mais conservadora do que as aplicações realizadas atualmente pelos fundos de pensão, cujos portfólios já são majoritariamente focados em papéis de renda fixa, sobretudo os emitidos pelo governo. A petição afirma que o objetivo é “proteger o patrimônio” dos participantes e “assegurar uma aposentadoria segura”. Ao Estadão, o diretor-presidente da Funpresp-Exe, Cícero Dias, disse que a governança da fundação é sólida e que o fundo nunca foi alvo de interferência (leia mais abaixo o posicionamento).
O documento conta com 1,5 mil assinaturas, número relativamente pequeno perto dos 113,9 mil participantes ativos do fundo. Ainda assim, o tema vem movimentando grupos e fóruns dos poupadores, em conversas que frequentemente remetem a temores de ingerência política, além de riscos de mercado.
“Nosso desejo é criar um quinto perfil de investimento (a fundação já conta com quatro tipos), que vai alocar o dinheiro exclusivamente em títulos públicos federais. Já temos o perfil quatro, que investe mais de 90% nesses papéis, mas tem um pouco de crédito privado, como empresas e debêntures. E nós tivemos uma experiência negativa recente, por exemplo, com Americanas e Light”, afirma o analista do Ministério do Planejamento e Orçamento Jorge Moisés, responsável pela criação do abaixo-assinado.
“Ou seja, ajudaria a evitar tanto o risco de mercado como o do governo, uma vez que a gente teve problemas no passado com os fundos de pensão”, diz o servidor.
De 2011 a 2015, durante a administração da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), os maiores fundos de pensão das estatais acumularam perdas de R$ 113,4 bilhões. O número consta do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou, à época, esquemas de corrupção nas instituições da Caixa Econômica Federal (Funcef), dos Correios (Postalis), da Petrobras (Petros) e do Banco do Brasil (Previ).
Desse grupo, a Previ foi a única que não teve de onerar seus contribuintes com valores extras e nem os assistidos com cortes. O fundo alega, inclusive, que distribuiu benefícios extraordinários até 2013. Ainda assim, segundo relatório da CPI, a rentabilidade das aplicações da Previ, entre 2011 e 2015, ficou abaixo da meta mínima em R$ 68,9 bilhões.
No caso dos Correios, até hoje a empresa e seus participantes tentam equacionar o rombo. Como mostrou o Estadão em agosto, a estatal se comprometeu a transferir R$ 7,6 bilhões ao Postalis para cobrir metade do déficit do plano. A outra metade será arcada por funcionários, aposentados e pensionistas do fundo.
Ideia surgiu no governo passado
Moisés frisa, porém, que a iniciativa não tem relação com os governos A, B ou C ou com a atual gestão da Funpresp-Exe, que inclusive conta com participantes na sua composição. A ideia de um perfil exclusivo em títulos públicos, segundo ele, começou a ser debatida há quatro anos, portanto ainda na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Ele diz, contudo, que o debate sobre eventuais flexibilizações em investimentos de fundos de pensão serviu como “catalisador” do tema. Como mostrou o Estadão, dentre as iniciativas em discussão atualmente está a ampliação das alocações em imóveis, que vem sendo discutida pela Caixa Econômica Federal e integrantes do governo.
Também há diálogos entre a Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), o Conselho Monetário Nacional (CMN) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para investimentos em debêntures de infraestrutura, como forma de diversificação do portfólio.
Em outra frente, noticiou o Estadão/Broadcast, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) enviou ao Ministério da Fazenda uma proposta para regular os investimentos em Fundos de Investimentos em Participações. Os chamados FIPs compram participações em empresas e acabaram ficando marcados por episódios de perdas expressivas, também na gestão Dilma Rousseff.
Um prejuízo de R$ 5,5 bi aos fundos
Na ocasião, os fundos aportaram dinheiro no FIP Sondas, criado para investir na Sete Brasil, estatal incumbida de fabricar equipamentos para a exploração de petróleo do pré-sal. De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), os investimentos na Sete causaram prejuízos de R$ 5,5 bilhões aos fundos.
“Na Funpresp, nós corremos 100% do risco. O projeto é estruturado de forma a dar ao servidor 100% dos ganhos, mas o governo não tem de fazer nenhuma cobertura de saldo (em caso de perdas, salvo comprovadas ilegalidades)”, afirma João Carlos Ferreira, auditor da Receita Federal e especialista em previdência que também assinou o abaixo-assinado. “Portanto, o dono de 100% do risco tem de ser dono de 100% da decisão de qual risco deseja correr. Hoje, não temos essa segurança.”
Também servidor da Receita, Marcos Hübner Flores reforça que o documento não tem relação com um ou outro governo: “Minha preocupação vem desde a juventude, quando ainda existia o Montepio da Família Militar (instituição semelhante aos atuais fundos de pensão que foi à falência na década de 80)”. “A cada quatro anos muda o governo, o que é salutar e natural da democracia, mas isso traz riscos, já que pode levar a alterações (nos investimentos) que não interessam aos servidores”, afirma.
Pleito não é consenso; especialista recomenda foco em governança
O pleito, como sugere o número de adesões ao abaixo-assinado, está longe de ser um consenso dentro da Funpresp-Exe. Participantes ouvidos na condição de anonimato afirmam que não veem a criação do novo perfil como uma blindagem efetiva contra eventuais interferências políticas. E alegam que o reforço da governança seria o melhor caminho a ser seguido, até porque abarcaria todos os perfis simultaneamente.
Um dos poupadores ouvidos pelo Estadão diz que, ao se criar um perfil supostamente blindado contra ingerência política, estaria se admitindo a possibilidade de interferência nos outros planos, o que geraria um risco moral (moral hazard, no termo em inglês). E isso, naturalmente, incentivaria a migração, mesmo que não exista tal ingerência.
Uma transferência expressiva de participantes ao novo perfil, alega o interlocutor, poderia acarretar perdas à fundação, mesmo que a migração fosse fracionada ao longo do ano (as alterações só são autorizadas na data de aniversário do poupador). Isso porque poderia gerar a necessidade de venda de ativos em momentos eventualmente ruins de mercado, forçando a realização da perda.
Felipe Marin, sócio do escritório Velloza Advogados e com atuação no mercado de capitais, também avalia que o caminho mais adequado para se garantir segurança e rentabilidade a participantes de fundos de pensão, de forma geral, se dá por meio da melhora contínua da governança.
“Ou seja, criar instâncias dentro das fundações para aprovação dos investimentos e outras para acompanhar de perto o desempenho dos ativos, com métricas ajustadas ao risco, diligência ativa e constante. Um sistema de freios e contrapesos capaz de trazer o equilíbrio necessário para evitar tomadas de decisões unilaterais sem supervisão ou controle adequado”, diz Marin.
Entrega do abaixo-assinado
Ao Estadão, o diretor-presidente da Funpresp-Exe, Cícero Dias, afirmou que está “ciente, informalmente”, do abaixo-assinado, mas que ainda não tomou conhecimento do teor do documento. Segundo ele, já houve contato por parte dos participantes para que seja realizada uma entrega formal, ainda sem data marcada.
Mesmo assim, diz ver o movimento com bons olhos. “É importante que todos os participantes acompanhem, observem e façam os seus pleitos, que são legítimos. Se todo mundo acompanhasse de perto o seu fundo de previdência, ninguém se frustraria lá na frente”, afirmou.
Segundo Dias, a preocupação com eventuais ingerências políticas sempre foi um ponto de atenção dos participantes, independentemente do governo de plantão. Mas ele frisou que o fundo nunca teve nenhum caso de interferência.
“Fazemos pesquisas regularmente entre os participantes e, de fato, um dos riscos mais apontados é de ingerência política. Mas o próprio modelo de perfil de investimento já mitiga esse risco (o plano mais conservador da Funpresp, para quem está mais próximo de se aposentar, já aloca 95% do capital em títulos públicos). Além disso, temos uma estrutura de governança muito robusta”, pontuou.
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Dias elenca a existência de uma série de comitês (de risco, governança, seguridade, investimento e de auditoria independente) e diz que a entidade é gerida por servidores que muitas vezes atuam em órgãos de fiscalização ou que têm amplo conhecimento do mercado de capitais.
“A gente tem, na gestão da entidade, professores de universidades, servidores da AGU (Advocacia Geral da União), do TCU (Tribunal de Contas da União), da Receita, Tesouro, Banco Central, Secretaria de Orçamento, Câmara, Senado, da Polícia Federal. Isso também dá uma proteção”, afirma Dias. “Não tenho a mínima dúvida de que a Funpresp é a entidade mais fiscalizada do País.”
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