BRASÍLIA – O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, enfrenta pelo menos sete desafios na área fiscal para conseguir alcançar a meta de déficit zero nas contas públicas no ano que vem. O alvo é considerado desafiador pelo próprio governo e visto com ceticismo pelo mercado financeiro.
Para viabilizar a meta de 2024, o primeiro ano sob o novo arcabouço, o chefe da equipe econômica precisa colocar de pé um pacote arrecadatório bilionário enquanto lida com pressões pelo lado do gasto – inclusive dentro do Palácio do Planalto.
Toda essa movimentação está no radar do Banco Central, que leva em consideração a trajetória de receitas e despesas na hora de calibrar os juros. Nesta quarta-feira, o Comitê de Política Monetária (Copom) deve reduzir a taxa Selic em 0,5 ponto porcentual, para 12,75% ao ano, mas pode voltar a fazer alertas sobre a incerteza fiscal no balanço de riscos.
A preocupação da equipe econômica é que isso atrapalhe o tão aguardado ciclo de queda dos juros, visto como fundamental para impulsionar o crescimento econômico, a geração de emprego e, consequentemente, a arrecadação.
Confira abaixo os sete principais desafios fiscais do ministro da Fazenda:
1. Levantar R$ 168 bilhões extras
Pelo lado da receita, Haddad precisa garantir R$ 168 bilhões em arrecadação extra e, para isso, depende da boa vontade do Congresso Nacional. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já sinalizou que vai negociar caso a caso, mesmo depois da reforma ministerial que acomodou partidos do Centrão.
O governo conseguiu vitórias importantes, mas ainda insuficientes. Dentre elas, a aprovação da lei do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), que retoma o voto de qualidade (voto de “minerva”) a favor da Receita Federal. A medida, diz a Fazenda, pode ter impacto de R$ 54,7 bilhões em 2024 – cifra considerada inflada pelo mercado financeiro.
E há ainda batalhas duras pela frente, como a votação de textos que mexem com o andar de cima da sociedade brasileira – tributando os investidores de fundos offshore, fora do País, e exclusivos, chamados de fundos dos “super-ricos”.
2. Frear a desaceleração da arrecadação
Além do pacote arrecadatório bilionário, o governo enfrenta uma desaceleração das receitas federais. O movimento é puxado pelas empresas, que têm recolhido menos impostos – colocando os técnicos da Receita Federal em alerta.
Em julho, o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica caiu 16,44% (descontada a inflação) em relação ao mesmo período do ano passado. Já no acumulado do ano, até julho, a queda é de 5,69%.
A diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Vilma Pinto, aponta que tem havido uma desaceleração significativa em diversos itens de receita, mas que a queda tem sido mais forte no IRPJ e na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Para ela, é difícil saber, no momento, até que ponto esse é um movimento de antecipação em resposta aos rumores sobre mudanças na tributação da renda ou efeito conjuntural.
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3. Socorro a Estados e municípios
Já pelo lado do gasto, a equipe econômica pode ter de gastar bilhões de reais para socorrer Estados e municípios, que, mais uma vez, estão numa situação fiscal delicada e pressionam por mais transferências. Desde a década de 1980, governadores e prefeitos vivem uma montanha-russa nas contas públicas, com longo histórico de socorros. E, agora, não é diferente.
As receitas com o ICMS estão desacelerando. E a queda do IRPJ impacta as transferências aos fundos de participação dos governos regionais. Isso tudo em um cenário de aumento de gastos, principalmente de pessoal – ou seja, as sementes de uma nova crise federativa.
Com os parlamentares pressionados pelos prefeitos em ano pré-eleitoral, a Câmara aprovou na semana passada um aporte extra ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Os governadores cobraram o mesmo tratamento e também garantiram um reforço para o caixa. A proposta agora depende de uma nova análise pelo Senado Federal.
4. ‘Pautas-bomba’ no Congresso
No Congresso Nacional, outras pautas consideradas como “bombas” também preocupam a equipe de Fernando Haddad. É o caso da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) aprovada às pressas no Senado, na semana passada, que permite a migração de servidores dos chamados “ex-territórios” para o quadro de funcionários do governo federal.
A proposta permitirá a incorporação de cerca de 50 mil funcionários públicos de Rondônia, Roraima e Amapá à folha salarial da União, na chamada transposição dos servidores dos ex-territórios, uma vez que esses Estados antes eram considerados territórios federais – com impacto extra para os cofres da União avaliado em R$ 6,3 bilhões.
A PEC é de autoria do líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), e recebeu críticas públicas de integrantes da Esplanada. É o caso da ministra da Gestão e Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, que considerou o texto “muito ruim”, pelo fato de ampliar distorções. A proposta agora depende de análise da Câmara.
Os deputados também aprovaram, no fim de agosto, um projeto que estende a desoneração da folha de salários para 17 setores da economia até 2027. O texto passará por uma nova votação no Senado.
5. Pisos constitucionais da saúde e educação
O governo lida ainda com a volta dos pisos constitucionais da saúde e educação, que vão consumir R$ 58,8 bilhões do espaço para ampliação das despesas no Orçamento de 2024.
Isso porque, com o fim do teto de gastos, após a aprovação do novo arcabouço, voltaram a valer as aplicações mínimas nos dois setores, que são corrigidas acompanhando a evolução da receita do governo: 15% da Receita Corrente Líquida (RCL) para a saúde e 18% da Receita Líquida de Impostos (RLI) para a educação.
Ou seja: a forma de correção dos pisos é mais acelerada do que as novas regras que passam a vigorar com o arcabouço fiscal, que vincula o aumento de gastos a 70% da variação da arrecadação de um ano para outro.
Esse descompasso já começou a ser sentido pelo governo e deve se acentuar ao longo dos anos, pressionando os demais gastos. Segundo o secretário-executivo do Ministério do Planejamento, Gustavo Guimarães, a volta dos patamares mínimos pode significar até R$ 18 bilhões a mais em despesas neste ano.
A equipe econômica vê risco de “shutdown” (termo em inglês usado na linguagem orçamentária como paralisação da máquina pública) em 2023 e negocia uma saída com o Tribunal de Contas da União (TCU) e com o Congresso.
6. Revisão de gastos é dúvida
O Ministério do Planejamento instituiu um grupo de trabalho para a revisão de gastos federais, mas nenhuma medida concreta ainda foi anunciada. Especialistas em contas públicas têm reforçado que o governo não pode depositar todas as fichas no aumento de arrecadação, e que a reavaliação de despesas é fundamental.
Em entrevista ao Estadão, o secretário Gustavo Guimarães afirmou que o foco inicial do grupo, com efeito mais no curto prazo, será o combate a fraudes, como, por exemplo, nos benefícios da Previdência. A promessa é de que as primeiras ações sejam anunciadas até o fim deste mês.
Integrantes da equipe econômica estimam que seria possível cortar até R$ 10 bilhões, mas o mercado aguarda anúncios concretos e cálculos mais detalhados.
Além disso, a ministra Esther Dweck afirmou ao Estadão que a reforma administrativa do governo Lula, que vem sendo cobrada por Lira e pelo mercado como parte da revisão de gastos, não terá objetivo fiscal ou viés de redução do Estado, mas sim de “transformação” da máquina pública, com reestruturação de carreiras e maior eficiência dos serviços.
7. Despesas subestimadas no Orçamento
E para fechar esse cenário complicado, os economistas alertam que despesas obrigatórias estão subestimadas no Orçamento do próximo ano, como, por exemplo, a Previdência Social.
Os especialistas calculam que gastos projetados para o pagamento dos benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) estão subestimados em até R$ 20 bilhões – valor que pode aumentar com a redução da fila, que vem sendo cobrada diretamente por Lula.
O ex-secretário do Tesouro Nacional e economista da gestora ASA Investments, Jeferson Bittencourt, antevê ruídos políticos na hora que o governo tiver de contingenciar (bloquear) despesas para acomodar esses gastos subestimados.
“O problema é político. Como consideramos que o governo vai respeitar o limite de gasto do arcabouço, o fato de algumas despesas estarem subestimadas pode ser constrangedor”, diz ele. No projeto de Orçamento, enviado ao Congresso no dia 31 de agosto, o montante previsto com os benefícios do INSS foi de R$ 913 bilhões.
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