Setor de rodovias projeta dobrar concessões em seis anos

Expectativa é que cerca de 27 mil km de estradas sejam concedidas à iniciativa privada, o que significaria investimentos de R$ 140 bilhões

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Diante de uma janela apertada e das incertezas que rondam o cenário político, o setor de rodovias deve ter parcos projetos indo a leilão ainda este ano - com o risco de novos adiamentos. Ainda assim, agentes do mercado apostam que a agenda de infraestrutura deve se manter independentemente dos governos que tomarem posse em 2023, tanto no âmbito federal quanto nos Estados, com o volume de rodovias concedidas à iniciativa privada dobrando de tamanho nos próximos anos.

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De acordo com dados da Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), atualmente o Brasil tem pouco mais de 26 mil quilômetros de rodovias concedidas. Nos próximos seis anos, a expectativa é que outros 27 mil quilômetros sejam transferidos para gestão privada, o que deve representar quase R$ 140 bilhões de investimentos. O destaque fica para o programa federal, que deve ter cerca de 18 mil quilômetros leiloados. No âmbito estadual, Minas Gerais deve liderar as concessões de rodovias, com mais de 2,2 mil quilômetros, seguido de Mato Grosso e Goiás.

Segundo o presidente da ABCR, Marco Aurélio Barcelos, apesar da janela restrita para leilões este ano, diversos projetos no âmbito federal estão sendo modelados ou já estão em consulta pública. “A mensagem principal é que o programa de concessões de infraestrutura teve um importante espaço nos últimos anos. O próximo governo terá muito trabalho para transformar esses projetos em realidade. A perspectiva do setor é positiva, a política de concessões não vai arrefecer”, avalia.

O dirigente lembra que o primeiro ciclo de concessões de rodovias, em meados da década de 1990, já foi concluído. “Estamos praticamente migrando para uma quinta etapa desse processo de concessões, temos história para contar, muita coisa mudou ao longo do tempo”, diz o dirigente, citando que nas primeiras fases os contratos eram muito focados na implantação de obras. “Muitas delas se mostraram irreais. Atualmente, os contratos estão muito mais orientados para o serviço ao usuário”, acrescenta.

Novos contratos trazem inovações para reduzir os riscos da concessão, como ocorreu no leilão da rodovia Dutra Foto: Felipe Rau/Estadão

Ele destaca que inovações importantes em relação à matriz de risco foram introduzidas nos contratos, como por exemplo a exigência de obras de duplicação condicionadas a níveis de demanda. “Isso vincula os investimentos às reais condições de funcionamento da rodovia.” O dirigente acrescenta que hoje já são usados mecanismos de compartilhamento de riscos relacionados a câmbio e aumentos extraordinários dos insumos. “Antigamente, isso era um tabu, não era nem discutido.”

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Para o executivo sênior de project finance do Santander, Edson Nobuo Ogawa, não faltam projetos para serem leiloados no setor rodoviário. “Há muito a ser feito, tivemos leilões importantes tanto no âmbito estadual quanto federal. Agora, temos de trabalhar no cronograma de rodovias mais complexas, que podem demandar algum recurso do governo”, avalia.

Ele acrescenta que o modelo de concessão “filé com osso” - que une rodovias maduras com outras que não seriam financeiramente viáveis sozinhas - também tem sido adotado com êxito. “No setor rodoviário, o pipeline existente é muito importante.”

Novas entrantes

O sócio do Castro Barros Advogados, Paulo Dantas, afirma que ainda há poucos competidores disputando projetos de grande porte no setor. “Há espaço de sobra para concessões de rodovias, o problema é que temos poucos players em grandes projetos e eles serão mais seletivos em suas escolhas, nem todos os leilões farão sentido.”

Segundo o especialista, apesar dos avanços notórios no setor, o déficit de investimentos em rodovias ainda é muito grande. Ele observa que além dos projetos que preveem infraestrutura totalmente nova (chamados greenfield), há também uma demanda por aqueles que abrangem apenas manutenção e serviços (brownfield) - o que já exigiria cifras significativas do poder público, que muitas vezes deixa de fazer esses aportes. “Para o tamanho do Brasil, os players no setor ainda são limitados.”

Barcelos diz que a operação Lava Jato trouxe um impacto sobre o número de empresas que atuam em infraestrutura. “Algumas companhias deixaram de existir ou tiveram que se redimensionar, não podemos ignorar esse efeito.” Por outro lado, ele afirma que há empresas consolidadas e com condições de fazer frente à agenda de concessões, além de novos entrantes. “Nosso mercado não está restrito a duas ou três empresas. A tendência é que tenhamos o ingresso de novos atores, é natural que isso não aconteça do dia para a noite, mas o programa de concessões veio para ficar.”

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Para o sócio do Machado Meyer Advogados, Lucas Sant’Anna, o amadurecimento das concessões de rodovias acabou trazendo um ambiente de retornos menores dos projetos. Adicionalmente, ele aponta que inúmeros pleitos de reequilíbrio de contrato ainda não foram resolvidos. “Com muitos contratos acabando, restam dúvidas sobre como ficam os valores devidos às concessionárias”, pontua.

Na visão de Dantas, os reequilíbrios são de extrema importância. “Os contratos de concessões de rodovias são de longo prazo, é natural haver algum reequilíbrio. A questão principal é saber se os riscos foram bem alocados. Também precisamos avançar nas formas consensuais de solução de conflitos.”

Agenda

Ogawa, do Santander, observa que o setor de infraestrutura no Brasil ainda é muito deficitário e, por isso, continuará sendo prioridade. “Estamos otimistas em relação à infraestrutura, temos convicção de que o setor será prioritário independentemente do governo.”

O presidente da ABCR não vê mudança drástica de agenda - com ou sem alteração no governo federal. “Há uma tendência de manutenção da política de concessões, independentemente do governo. O que pode acontecer diante do aumento abrupto dos custos de insumos é que alguns projetos inevitavelmente vão ter de voltar para a prancheta, houve uma mudança grande no ambiente de custos no último ano”, aponta. “Os novos projetos precisam levar em consideração o processo inflacionário agudo dos últimos tempos, se não, há o risco real de alguns leilões não atraírem competidor”, avalia Barcelos.

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