O setor produtivo, por meio de associações empresariais, reagiu à medida provisória editada pelo governo federal na terça-feira, 4, que estabelece limites para o uso de créditos tributários pelas empresas. As entidades apontam impactos inflacionários para o consumidor final, perda da competitividade das exportações brasileiras e inibição de investimentos devido à insegurança criada. Elas alegam ainda que a MP é inconstitucional.
A medida limita os créditos do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). O governo quer, com isso, compensar a desoneração da folha salarial de empresas de 17 setores e dos municípios.
Nesta segunda-feira, 10, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que tem conversado sobre o assunto com líderes empresariais. Ele também afirmou que a conversa irá seguir ao longo desta semana, sobretudo com confederações, para esclarecer a iniciativa. Ele terá reunião nesta terça, 11, às 14h, com Ricardo Alban, Presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), e João Martins da Silva Junior, Presidente da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). O ministro não descartou a possibilidade de construir alternativas no debate junto ao Congresso.
A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e o Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) afirmaram, em nota conjunta, que “não há mais espaço para que as medidas de compensação fiscal do governo recaiam sobre o setor produtivo”. “Medidas como essas vão na contramão de iniciativas recentes e positivas, como o Mover e a Depreciação Acelerada, e prejudicam a neoindustrialização, a retomada dos investimentos e a geração de empregos”, disseram.
A CNI chegou a calcular um impacto bilionário ao setor. Segundo a entidade, o impacto negativo na indústria seria de R$ 29,2 bilhões nos sete meses de vigência da MP em 2024 e de R$ 60,8 bilhões em 2025. “Já a manutenção da desoneração da folha de pagamentos, que provocou a edição da MP 1.277, produz impacto positivo para a indústria de R$ 9,3 bilhões neste ano”, alega a CNI.
“Chegamos ao nosso limite. Nós somos um vetor fundamental para o desenvolvimento do País e vamos às últimas consequências jurídicas e políticas para defender a indústria no Brasil”, afirmou Ricardo Alban, presidente da CNI, em nota divulgada na semana passada. Nesta segunda, 10, a CNI divulgou nova manifestação na qual reduziu o tom crítico e disse ter expectativa de que o tema seja negociado com o governo e o Congresso.
Para o presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), Ricardo Santin, a medida provisória foi um “movimento absolutamente equivocado”. Ele reclama que as empresas foram pegas de surpresa e que a medida mexe nos orçamentos, no planejamento das companhias.
Estudos preliminares feitos pelo setor de proteína animal indicam que o impacto nas finanças das companhias será superior a R$ 2 bilhões por ano. Isso equivale aos impostos retidos que vão deixar de ser usados para compensar o pagamento de outros impostos.
O impacto mais imediato será nos preços das carnes ao consumidor final, que devem ser majorados. Mas Santin não se arrisca em projetar de quanto será o aumento. “Vai ter de aumentar preços, não sabemos ainda quanto porque cada um tem a sua estrutura de custos.
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Santin destaca que a decisão do governo fere, sobretudo, o cumprimento de uma disposição prevista na Constituição, que prevê a não cumulatividade do PIS/Cofins. “A medida desequilibra qualquer operação”, afirma o presidente da ABPA.
As entidades que representam o setor sucroenergético brasileiro Bioenergia Brasil e a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica) informaram que tomarão todas as medidas adequadas para a reversão da medida. Segundo as associações, a MP fere a Constituição Federal, uma vez que não “se observa urgência necessária para edição de uma MP ao passo em que também viola o princípio da não-cumulatividade, considerado o maior pilar da reforma tributária, avanço legal inegável para a economia e o desenvolvimento do País”.
Para a Unica, a medida traria uma característica de “violação aos princípios do não-confisco”, uma vez que, ao compelir empresas a carregarem créditos não utilizáveis no balanço, significa “negar direito de uso, uma verdadeira expropriação velada”, e da igualdade, já que a medida de reequilíbrio fiscal para compensar perda de arrecadação com desoneração de 17 setores prejudica toda a atividade produtiva.
A MP também estaria contrariando o princípio da anterioridade, em violação aos artigos 178 e 104 do Código de Tributário Nacional, sendo que sua vigência gera limitação de uso de créditos e antecipação de caixa, efeito idêntico à criação ou aumento de tributos.
Exportações
Apesar do risco inflacionário iminente nos preços no mercado doméstico, uma vez que a medida já está em vigor, um ponto de destaque é a perda da competitividade das exportações. No segmento de carnes, por exemplo, as exportações de suínos, bovinos e aves trouxeram para o País R$ 1,250 trilhão de receita cambial nos últimos 20 anos. E a proteína animal é um dos pilares da balança comercial brasileira.
Já no segmento de máquinas e equipamentos, o impacto maior da medida recai sobre as exportações, afirma o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), José Velloso. “O nosso setor exporta muito, cerca de US$ 14 bilhões por ano e essa medida diminui a competitividade.”
Nos cálculos da entidade, o custo anual dessa decisão para as empresas será de R$ 2 bilhões. A cifra corresponde ao custo financeiro que os fabricantes de máquinas terão de arcar ao pegar dinheiro no mercado para bancar o pagamento de tributos. Antes da medida provisória, eles podiam usar os créditos retidos para pagar outros impostos federais.
“Quando uma regra estável e antiga como essa é mudada da noite para o dia e por meio de medida provisória, ela causa insegurança jurídica”, observa Velloso. E a compra de máquinas está ligada ao investimento. “O dinheiro que vai para o investimento é o mais medroso que existe e, quando há insegurança jurídica, os empresários não investem”, alerta.
Mandado de segurança ou negociação?
A ABPA está fazendo estudos para entrar na Justiça para suspender a medida por meio de um mandado de segurança, conta Santin. “Não tem como negociar”, diz o executivo, lembrando que a compensação de impostos é um direito assegurado na Constituição.
Já o presidente da Abimaq defende uma saída negociada. “O confronto não vale a pena”, diz Velloso, ressaltando que o caminho é a negociação e o diálogo. Ele conta que a entidade está trabalhando em conjunto com outras, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI), para tentar negociar com o Congresso Nacional para que a medida provisória não seja aprovada. “Também vamos tentar negociar com o governo para ver se ele retira a medida.”
O diretor jurídico da Fiesp, Flávio Unes, afirma que a entidade paulista pretende se aliar à CNI no questionamento da medida junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) e, em paralelo, avançar na negociação legislativa para definir uma situação transitória até que seja feita a análise jurídica.
“A casa se alinha à ideia de questionar essa MP no STF, via CNI, pois só a confederação pode fazê-lo. A posição da Fiesp é de apoio a essa insurgência junto ao STF, além do trabalho junto ao parlamento para que haja um tratamento transitório”, afirmou Unes.
Nesta segunda, a CNI divulgou nova manifestação, na qual informa haver tratativas em andamento desde sexta que deixam o setor “na expectativa de encontrar uma solução racional e pró-atividade econômica”.
Rrepresentantes do setor produtivo vão se reunir em Brasília nesta terça-feira, 11, para debater o assunto. Os empresários pretendem também dialogar, na mesma data, com a Câmara e com o Senado sobre a MP.
“Enfim, creio que estamos obtendo o consenso de que atingimos o limite na carga tributária. Precisamos construir, em conjunto, outros caminhos para o equilíbrio fiscal e, consequentemente, o melhor para o crescimento econômico. E nesses caminhos temos muitas opções, como o controle dos gastos públicos em geral, combate a toda economia ‘marginal’, justiça tributária, segurança jurídica, racionalidade das despesas obrigatórias do orçamento público, compreensão do setor financeiro de que as atividades econômicas devem ser o ‘norte’ básico da intermediação financeira, entre outros”, diz a nova nota da CNI.
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