A grave crise econômica e as incertezas cada vez maiores quanto ao futuro forçarão uma reestruturação das forças políticas que garanta maior governabilidade, na opinião do ex-diretor do Banco Central e atual sócio do banco Brasil Plural, Mário Mesquita. “Provavelmente, de alguma forma ou de outra, haverá menos incerteza política em um ano do que existe hoje. Eu não acho que a economia e a sociedade vão aguentar sem consequências políticas que a situação atual se prolongue por 12 meses”, declarou em entrevista exclusiva ao Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado. A entrevista foi concedida na terça-feira, um dia antes de o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB) aceitar o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff.
Para Mesquita, é cada vez mais urgente que o governo viabilize uma coalizão no Congresso que aprove “um Orçamento para 2016 com medidas que apontem na direção de superávit primário (economia para pagar juros) de 0,7% do PIB”, pois só assim seria possível adiar uma provável perda do grau de investimento pela agência de classificação de risco Fitch e uma situação catastrófica da economia. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Qual é sua avaliação sobre a falta de consenso na última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central, que decidiu pela manutenção da taxa de juros por seis votos a dois)?
O comunicado surpreendeu o mercado por mostrar um Copom mais próximo de retomar as altas de juros do que as pessoas esperavam. No período entre as últimas reuniões do Copom, eu cheguei a considerar que eles endureceriam a linguagem, sem retirar aquele trecho do comunicado que indicava a manutenção da Selic por tempo prolongado. Não só eles retiraram isso, como dois diretores votaram por elevar a taxa de juros já na reunião da semana passada. A minha interpretação é que houve consenso dentro do comitê de que o trecho sobre a manutenção da taxa de juros estável não era mais adequado.
A política monetária (política de juros) tem de ser mais severa por causa da questão fiscal?
Há muita incerteza. Se não forem aprovadas medidas legislativas importantes, dependendo também do pagamento das ‘pedaladas’ (manobras para melhorar as contas públicas), pode haver um déficit primário de 1% do PIB neste ano e em 2016. Eu não acho que a gente tenha tido uma piora da situação suficiente para impedir o Banco Central de tentar fazer o seu dever. Ou seja, rechaçando a ideia de dominância fiscal (quando a alta de juros para combater a inflação perde efeito por causa da crise nas contas públicas). Mas, se ao longo do tempo a situação fiscal piora, a gente pode caminhar para lá. Acho que a gente pode acabar tendo essa combinação de economia em recessão e juros subindo em função de certa forma dessa disfuncionalidade da implementação do ajuste fiscal, no que se refere a interface Executivo/ Congresso.
Houve avanços em 2015 na gestão da política econômica?
Eu não acho que 2015 foi um ano totalmente perdido do ponto de vista do ajuste. Os preços relativos, por exemplo, acho que hoje eles estão muito mais em linha com os fundamentos do que há um ano. Refiro-me à gasolina, à eletricidade e ao câmbio. Eu acho que a qualidade do debate sobre política fiscal melhorou também. Há uma consciência maior da necessidade de lidar com problemas estruturais, em especial o gasto da Previdência. Onde a coisa não evoluiu a contento foi na relação Executivo/Congresso. No Congresso, não surgiu ainda uma coalizão que tenha tamanho suficiente para aprovar as medidas que são dolorosas, mas necessárias.
O senhor considera que haverá ou não o impeachment da presidente?
Está muito incerto. Provavelmente, de alguma forma ou de outra, terá menos incerteza política em um ano do que há hoje. Eu não acho que a economia e a sociedade vão aguentar sem consequências políticas que a situação se prolongue por 12 meses.
Poderemos ter logo a perda de grau de investimento pela Fitch?
Acho que se a gente não tiver uma melhora na governança, do ponto de vista de conseguir aprovar medidas de ajuste fiscal, a tendência é essa. Se a gente consegue aprovar rapidamente um Orçamento para 2016 com medidas que apontem na direção de superávit primário de 0,7% do PIB tem uma chance de talvez adiar uma medida da Fitch.
Um eventual impeachment ou renúncia da presidente melhora ou piora esse quadro?
Acho que temos que ter uma melhora de governança. Um governo que entende as necessidades e prioridades da política econômica – o ministro da Fazenda claramente entende isso – e que consegue transformar esse entendimento em legislação. Qualquer que seja o presidente, ele ou ela tem que ser capaz de ter uma governança maior.
O governo fez uma reforma ministerial recentemente e até pouco tempo parecia estar em vias de recuperar sua efetividade no Congresso. Isso agora, com o recrudescimento da incerteza política associado à nova fase da Lava Jato, andou algumas casas para trás.
Eu não quero deixar a impressão de que a Operação Lava Jato é um retrocesso. Ao contrário. É um avanço e vai acabar propiciando melhora da relação do Estado com o setor privado.
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