Startups verdes enfrentam dificuldade de financiamento público e incentivo a pesquisas

Mercado potencial atrai empreendedores, apesar dos desafios; caminhos passam por aceleradoras, doações e capital próprio

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Por 33° Curso Estadão de Jornalismo
Atualização:

Imagine ter uma ideia de negócio hoje. Limpo, sustentável e de baixo impacto, seu produto ou serviço é inovador e você está no Brasil, o País com a maior biodiversidade do mundo. Além disso, há pessoas interessadas em investir nele. Tudo para dar certo, não é? Embora o cenário sugira uma resposta positiva, a realidade do empreendedor que aposta no mercado da bioeconomia no Brasil hoje é complexa. Os obstáculos são muitos e, para contorná-los, cada um se vira como pode para fazer a conta fechar.

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“É na tentativa e erro para conseguir avançar”, define Lucas Chiabi, fundador da Ciclo Orgânico, primeira empresa de coleta e compostagem de resíduos orgânicos residenciais do País. Pioneiro em oferecer o serviço, o carioca fez várias contratações malsucedidas antes de encontrar profissionais que se adaptassem às demandas específicas do trabalho, que envolve fazer coletas de bicicleta e a compostagem em si. Também não existiam softwares que planejassem a logística das coletas. Foi preciso buscar uma solução em outro continente, na Índia, e adaptá-la para as ruas do Rio de Janeiro.

Foi num programa global da Shell para jovens empreendedores de negócios sustentáveis que Chiabi aprendeu sobre modelos de negócio e planejamento antes de abrir seu negócio. Criada em 2015, a startup carioca contribuiu para transformar mais de 4 mil toneladas de resíduos orgânicos em cerca de 2.600 toneladas de adubo. Sem a compostagem, esses resíduos teriam como destino aterros sanitários e lixões, grandes emissores de gás metano, um dos gases mais potentes de efeito estufa. Uma tonelada de metano influencia 28 vezes mais no aumento de temperatura do que uma de CO₂.

'Tem de ter muita resiliência porque a gente bate de cara na parede muitas e muitas vezes', diz o empreendedor Lucas Chiabi, da Ciclo Orgânico Foto: Felipe Almeida

A novata Mabe Bio, startup que produz materiais à base de plantas nativas brasileiras com baixo impacto ambiental, bateu em diversas portas antes de vencer o desafio internacional Climate Lauchpad, uma competição de negócios inovadores do mundo inteiro com soluções para enfrentar a mudança climática. Tudo começou em 2019, quando a sócia Marina Belintani pesquisava utilidades rentáveis para ervas daninhas durante seu mestrado, em Londres, e descobriu numa matéria-prima brasileira o potencial para desenvolver um biocouro inédito no mercado.

De volta ao Brasil, Marina foi contemplada pelo programa Centelha, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), com R$ 60 mil para dar o pontapé inicial no negócio. No entanto, o incentivo foi insuficiente.

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“Esse valor é muito baixo quando se fala de custos de empresa de P&D e temos poucas linhas de fomento do governo para empreendedorismo e novos negócios”, afirma Rachel Maranhão, sócia de Marina. “Além disso, é muito difícil reverter a cultura de exploração da indústria brasileira no meio ambiente.”

Dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) mostram que o Brasil investiu 1,14% do PIB em pesquisa e desenvolvimento em 2020, o que corresponde a pouco mais de R$ 105 milhões em valores correntes. Em países como Japão, Alemanha e EUA, essa porcentagem foi de mais de 3%. Para 2023, o orçamento de P&D do ministério é de R$ 12,4 bilhões.

Primeiras brasileiras a vencer a final global da Climate Launchpad, em 2022, as sócias garantiram mais 10 mil euros e mentorias. Mas foi o aporte de R$ 750 mil de um fundo global de venture capital da incubadora Antler que permitiu avançar. O mesmo ocorreu com Chiabi, da Ciclo Orgânico, que só conseguiu tirar o programa do papel com recursos da iniciativa privada. Reconhecido como o Negócio mais Inovador no programa da Shell para jovens empreendedores, usou o prêmio de R$ 8 mil para dar início à pequena empresa. Hoje, a startup tem 30 funcionários.

Novas formas de financiamento para startups

Na ausência de um plano robusto para estruturar o mercado crescente e acolher as pioneiras que há anos sobrevivem como podem, novas formas de aceleração e investimentos ajudam a dar fôlego aos empreendedores. Neste ano, a Ciclo Orgânico abriu cotas em Crowdfunding Equity, modalidade em que investidores podem participar do financiamento coletivo de uma startup em troca de participação societária.

O resultado foi um aporte de R$ 1 milhão e 259 novos sócios em menos de 24 horas. “Divulgamos apenas para nossa base de clientes. Eles se animaram e compraram tudo, não deu nem tempo de abrir a plataforma para o público externo”, comemora Chiabi. Após oito anos empreendendo em um mercado novo, ele demonstra ter fôlego para avançar. “Não tem receita de bolo. Nós vamos reinventando e abrindo esse mercado. Cada processo, cada mudança, é tudo uma novidade.”

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Ainda em fase de pesquisa e desenvolvimento, a Mabe Bio vai precisar de mais capital para escalar a produção e prepara uma nova rodada de investimentos. Neste momento, Marina e Rachel trabalham para estruturar uma cadeia de valor que faça sentido em todas as etapas, da coleta da matéria-prima aos projetos de reflorestamento, fomentando a economia local e gerando renda para os trabalhadores. “Estamos considerando princípios como transparência e responsabilidade na gestão da cadeia produtiva, respeito às normas e legislações ambientais e trabalhistas, proibição do trabalho infantil e trabalho forçado, comprometimento com a equidade de gênero e a promoção de preços justos da cadeia”, afirma Rachel.

Das 536 startups mapeadas no 3º Mapa de Negócios de Impacto, elaborado pela Climate Ventures e Pipe.Labo, 78% estão entre os estágios de desenvolvimento da ideia e organização do negócio. Apenas 21% já são sustentáveis financeiramente. As doações são o recurso financeiro que mais aparece, presente em sete a cada dez empreendimentos mapeados.

'Sonho que as marcas estejam nessa discussão, e que em breve a gente possa ter uma regulamentação nacional e benefícios', diz Patricia Lima, da Simple Organic. Foto: João Paulo Santos/Divulgação

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Do próprio bolso

Há seis anos, quando lançou a Simple Organic, startup de Florianópolis (SC) que produz cosméticos naturais e sustentáveis, a publicitária Patrícia Lima colocou dinheiro do próprio bolso. Com recursos limitados, ela priorizou a contratação de um farmacêutico para criar as fórmulas e orientar as certificações necessárias para formalizar a empresa como sustentável. Em 2020, o empreendimento foi notado pela gigante Hypera Pharma, uma das maiores farmacêuticas brasileiras, que comprou parte da startup. A injeção de capital permitiu escalar a produção, oferecer preços competitivos e democratizar a oferta de produtos em farmácias.

Com a injeção de capital foi possível escalar a neutralização de carbono em toda a cadeia produtiva e cuidar da reciclagem das embalagens. Hoje, ao devolver os frascos vazios, a Simple Organic se responsabiliza pelo envio às cooperativas de reciclagem e o cliente ganha 10% de desconto ao comprar novamente o mesmo produto. “Temos bisnaga de alumínio, uma das matérias primas mais recicladas no País e com um alto valor de reciclagem para as cooperativas”, conta Patrícia. No ano passado, os produtos da Simple Organic estrearam no mercado americano.

Hoje, Patrícia tem o mesmo anseio que Marina, Rachel e Chiabi: “Sonho que as marcas estejam nessa discussão, e que em breve a gente possa ter uma regulamentação nacional e ter benefícios também”, diz a publicitária. Com base no 3º Mapa de Negócios de Impacto, o momento atual favorece investimentos em negócios sustentáveis.

As metas assumidas pelo Brasil no Acordo de Paris preveem uma redução de 37% nas emissões de gases de efeito estufa até 2025, chegando a 47% até 2030. Além disso, o País comprometeu-se a zerar a emissão de gás carbônico na atmosfera até 2050. (Reportagem de Ana Carolina Montoro, Iasmin Monteiro e Karina Ferreira)


 
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