O grande volume de lançamentos de studios e apartamentos compactos, que se multiplicaram pela cidade de São Paulo nos últimos anos, tem provocado uma dúvida: pode se repetir agora o “boom” que houve no passado com flats e salas comerciais, que acabaram frustrando as expectativas de investidores?
Já começam a aparecer na capital paulista os primeiros sinais de descompasso entre a oferta e a demanda por esses imóveis. E, para impulsionar as vendas, há construtoras que correram para fechar parcerias com empresas especializadas em locação desses studios.
Desta forma, sinalizam uma rentabilidade atraente aos investidores, a maior fatia de compradores desse tipo de imóvel, para tentar concorrer com os juros básicos, hoje em 13,75% ao ano. Também há incorporadoras que avaliam a possibilidade de retirar os studios de projetos futuros para evitar o risco de uma megaoferta.
Segundo um levantamento feito, a pedido do Estadão pelo ZAP+, entre o primeiro trimestre de 2019, antes da pandemia, e o terceiro trimestre deste ano, a procura para a compra de apartamento do tipo studio (até 30 metros quadrados) e imóveis com um dormitório (até 50 metros quadrados), caiu 52%, enquanto a oferta aumentou 55% no mesmo período.
As bases de dados para chegar a esses resultados foram anúncios e buscas por esses imóveis registradas nos três portais da empresa – ZAP Imóveis, Viva Real e OLX Brasil.
De acordo com a economista da DataZAP+ e responsável pelo estudo, Larissa Gonçalves, a liquidez no mercado de compra e venda de imóveis compactos caiu 83% entre janeiro de 2019 e setembro deste ano e está no nível mais baixo do período em análise. “Ou seja, está muito mais difícil vender esses imóveis”, afirma a economista.
O indicador de liquidez do mercado de compra e venda foi calculado levando em conta a relação entre as demandas e as ofertas por compactos registradas nos portais. Foram desconsiderados anúncios repetidos.
O levantamento aponta também que hoje existe dificuldade para alugar esses imóveis, mas no passado os obstáculos foram maiores. No auge da pandemia e do home office, quando os paulistanos procuravam mais espaço para morar e até migraram para cidades do interior, o mercado de locação de compactos ficou quase parado. Entre o terceiro trimestre de 2021 e primeiro deste ano, a liquidez para locação de imóveis compactos caiu 84% em relação a janeiro de 2019.
A partir de abril deste ano, iniciou-se uma recuperação. A relação entre demanda e a oferta por locação de compactos fechou o mês passado com recuo de 70% ante janeiro de 2019. “No momento, já existe uma tendência um pouco mais positiva para o mercado de locação.”
A economista acredita que a locação reagiu porque os donos de compactos começaram a entender que o mercado está saturado. Por isso, podem ter buscado alternativas, como aluguel de temporada ou até mesmo usar para moradia própria.
Rogério Santos, um dos fundadores da UBlink, portal de locação, compra e venda de imóveis, registrou crescimento de 34% na procura por locação de compactos nos últimos seis meses na sua plataforma. Ele atribui esse aquecimento à mudanças sociais que ocorreram na pandemia, como casais que se separaram e procuraram studios, pessoas que se mudaram para o interior, mas precisam de uma base na capital por conta do trabalho híbrido ou empresas que alugaram imóveis para funcionários, por exemplo. “Houve uma aceleração para locação e desaceleração para compra de compactos.”
Legislação turbinou lançamentos
Não é de hoje que a oferta de imóveis compactos na cidade de São Paulo vem ganhando força. Além de o studio ser uma tendência de sucesso de moradia nas grandes metrópoles mundiais, como Nova York (EUA), Seul (Coreia do Sul), por exemplo, a construção desse tipo de imóvel teve um impulso extra por conta das regras do Plano Diretor e da Lei de Zoneamento da capital paulista. As normas restringiram a uma vaga de garagem por unidade em empreendimentos próximos a estações de trem, metrôs e corredores de ônibus.
Com isso, as incorporadoras passaram a incluir estúdios sem garagem nos projetos para conseguir oferecer uma vaga a mais para os apartamentos maiores. Outro benefício dado aos empreendedores por ter studios no projeto é o fato de este tipo de imóvel não ser considerado pela legislação como área construída, o que permite melhor aproveitamento do terreno.
O resultado de tantos estímulos foi um forte aumento do número de lançamentos de studios na cidade de São Paulo. Em 2016, os estúdios respondiam 12% do total de lançamentos na cidade. Neste ano, representam mais de um terço (34%) dos novos produtos, aponta levantamento da DataZAP+, com base nos dados da ferramenta Geoimóvel, que monitora os lançamentos.
Nas contas de Ely Wertheim, presidente executivo do Secovi-SP, o Sindicato da Habitação, a fatia de studios nos lançamentos deve ficar entre 25% a 30% dos lançamentos. Desde de janeiro de 2018 a setembro deste ano foram lançadas 60.796 unidades de estúdios com até 30 metros quadrados na capital paulista e vendidas 46.423 unidades, segundo o Secovi-SP.
Entre 2018 e 2022, de janeiro setembro de cada ano, os lançamentos de studios somaram 35.757 unidades ao final do período, enquanto as vendas totalizaram 32.821 unidades. “Percebemos que o que foi lançado foi vendido”, diz Wertheim. Mas ele admite que, dependendo localização, nem todo empreendimento vai ter o mesmo desempenho.
O executivo atribui o aumento da oferta de estúdios ao “equívoco” do Plano Diretor. “Chegamos a essa mega oferta de apartamentos compactos na cidade de São Paulo porque o Plano Diretor induziu as construtoras a fazer studios para aproveitar melhor a área sem custo adicional”, afirma o vice-presidente de Operações da construtora Mitre, Rodrigo Cagali.
Ele explica que foco da sua empresa sempre foi apartamentos de dois a três dormitórios. Mas, por conta dos benefícios oferecidos pelo Plano Diretor, foram incluídos os compactos nos projetos. Dos R$ 4 bilhões de Valor Geral de Vendas (VGV) lançados em 2020, 2021 e 2022 pela companhia, 20% são imóveis compactos. “É bastante coisa, mas estamos bem vendidos e não temos dor de cabeça.”
Cagali atribui o seu bom desempenho nesse segmento à localização adequada dos empreendimentos e ao fato de a empresa ter se antecipado em relação aos concorrentes por ter fechado há um ano e meio uma parceria com a Atlântica Hotéis, segundo maior operador hoteleiro do País.
O executivo se diz preocupado com o risco de uma grande oferta. Ele avalia que há muitas unidades compactas lançadas no mercado por outras empresas em regiões que não têm vocação para esse tipo de imóvel. Uma forma de escapar desse risco, já considerada pela empresa, seria deixar de ter unidades compactas nos próximos projetos. A mudança é avaliada para empreendimentos que serão lançados no ano que vem e no próximo.
‘Mercado satisfatório’
Já Tellio Totaro Jr., superintendente de Incorporação da EZetc, acredita que num horizonte próximo há mercado satisfatório para futuros lançamentos de empreendimentos com imóveis compactos. “Temos dois empreendimentos que contemplam studios para este final de ano e outros para 2023″, conta. A empresa vê potencial para esse tipo de produto em bairros como Moema e Vila Mariana, embora admita que no mercado há concorrentes desenvolvendo projetos em bairros que não são tão interessantes para estúdios.
“Continuamos com bom volume de vendas e não temos sentido queda na demanda”, diz Totaro Jr. Nos últimos três anos, a empresa lançou 1.600 unidades de studios, das quais 60% foram vendidas e 10% entregues.
Risco futuro
“Hoje não sinto uma superoferta de compactos porque muitos empreendimentos não foram entregues ainda”, afirma o diretor de vendas da Cyrela, Orlando Pereira. Mas, na sua opinião, existe o risco de ter uma superoferta desses imóveis nos próximos dois anos.
No momento, ele diz que a sua empresa está na “contramão do mercado”. Neste ano, por exemplo, a companhia vendeu 1.700 studios de um total de quase 2 mil lançados em bairros como Brooklin, Moema, Perdizes e Jardins. Eles serão entregues nos próximos dois a três anos. No dia 13 de outubro, por exemplo, a companhia lançou 51 unidades de estúdios num empreendimento na rua Oscar Freire, nos Jardins, e a totalidade foi vendida em 10 dias. Pereira ressalta que a localização do empreendimento e a proximidade do metrô alavancaram as vendas.
De toda forma, a Cyrela e outras construtoras estão se mexendo para escapar do risco de uma superoferta de compactos. “Nos novos projetos estamos evitando ter studios quando podemos e também tentando dar um uso para esses imóveis.”
Pereira explica que fechou uma parceria com a startup Charlie, um espécie de airbnb profissionalizado para locação temporária e anual de imóveis. Allan Sztokfisz, CEO e fundador da startup, que iniciou as operações em 2020, conta que já tem parcerias para locação de imóveis compactos com 30 grandes incorporadoras.
A startup administra a locação de compactos para os investidores que adquiriram esses imóveis, mas não querem fazer a gestão. “Do fim do ano passado para cá muitas incorporadoras que estavam avaliando parcerias fecharam contratos conosco”, diz Sztokfisz.
Na sua avaliação, a preocupação em relação às vendas dos compactos por conta do risco de uma grande oferta acelerou o fechamento dessas parcerias. “Mas ainda percebo um certo aquecimento pela compra de studios e, na locação, a nossa ocupação média tem sido de 90%”, pondera.
Além de investidores individuais, outra clientela da startup é fundos imobiliários que entregam a gestão da locação de seus imóveis. A rentabilidade líquida oferecida na locação varia entre 8% e 11% ao ano, aquém da Selic, que hoje é de 13,75% ao ano.
Apesar de não existir um consenso no mercado se há ou não uma megaoferta de imóveis compactos, Rogério Santos, da UBlink, observa que o mercado imobiliário é cíclico porque acompanha as transformações da sociedade.
No momento, ele acredita que o ciclo dos imóveis compactos esteja chegando ao fim. Mas, na sua avaliação, nada comparável à frustração dos investidores que houve no passado com os flats e as salas comerciais. O próximo ciclo será de imóveis de alto padrão e com metragem mais generosa, prevê o especialista.
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