As empresas precisam entender a diferença entre saúde mental debilitada e doenças mentais crônicas para que possam criar empregos que não prejudiquem a saúde mental e permitam que as pessoas com doenças mentais tenham sucesso, de acordo com um artigo publicado no Academy of Management Annals.
“Vemos que muitos dos problemas de saúde mental no local de trabalho são frequentemente causados pelo ambiente de trabalho. Isso pode se sobrepor a coisas como estresse e esgotamento, e pode ser consequência de empregos com carga de trabalho intensa ou mal estruturados. Mas não se trata da mesma coisa que doença mental. No caso das doenças mentais, de modo geral, as pessoas com patologias crônicas podem ou não ter uma saúde mental debilitada. É bem parecido com a saúde física e a doença física. Posso ter artrite numa articulação específica, mas, fora isso, minha saúde geral ser excelente, e isso talvez não influenciar em nada na minha capacidade de realizar o meu trabalho. Por outro lado, eu poderia ter uma saúde geral debilitada e isso não se manifestar por meio de uma doença específica”, explicou Emily H. Rosado-Solomon, do Babson College.
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Emily e os colegas Jaclyn Koopmann, da Universidade de Auburn; Wyatt Lee, da Universidade de Auburn; e Matthew A. Cronin, da Universidade George Mason; revisaram 556 artigos acadêmicos das áreas de gestão, epidemiologia, psiquiatria e saúde pública, ocupacional e mental para o artigo deles: “Mental Health and Mental Illness in Organizations: A Review, Comparison, and Extension” (”Saúde Mental e Doença Mental nas Organizações: uma Revisão, Comparação e Extensão, em tradução livre).
“O que descobrimos é que as conversas sobre a criação de ambientes de trabalho mentalmente saudáveis e as consequências para a saúde mental de não ter locais de trabalho mentalmente saudáveis são problemáticas”, disse Emily.
Os riscos são altos tanto para as empresas como para os funcionários delas.
“As organizações perdem 200 milhões de dias de trabalho e até US$ 16,8 bilhões por ano com problemas de saúde mental devido aos gastos com despesas médicas, presenteísmo (estar física, mas não psicologicamente presente no trabalho), faltas, redução da produtividade e outros obstáculos ao trabalho bem-sucedido”, escreveram os autores.
“Antes da pandemia, um em cada seis funcionários tinha uma doença mental, enquanto até 60% dos funcionários eram afetados por problemas de saúde mental. Agora, 75% dos funcionários relatam pelo menos um sintoma de uma doença mental, e até 41% a mais estão conversando sobre sua saúde mental no trabalho em comparação com 2019. Além disso, segundo a Organização Mundial da Saúde, durante a pandemia, as taxas de incidência de depressão e ansiedade aumentaram aproximadamente 25%.
“Compreender a saúde mental é um imperativo para as empresas”, disse Emily. “Todos nas empresas podem ser afetados por problemas de saúde mental ou doenças mentais de alguma forma. As estatísticas mostram que cerca de 20% das pessoas, provavelmente mais depois da pandemia, terão uma doença mental diagnosticada durante a vida. Isso significa que qualquer empresa com mais de cinco pessoas tem alguém que é afetado pessoalmente por isso. Caso não seja, estatisticamente, os outros quatro em cada cinco provavelmente vão passar por um período de saúde mental debilitada, ou têm um familiar ou amigo com uma doença mental. Como esta é uma preocupação tão onipresente, é muito importante que as organizações aprendam como ajudar as pessoas com saúde mental debilitada a prosperar e a garantir que não estejam agravando problemas existentes por meio da estrutura de seus empregos e das suas práticas de trabalho.”
“Apoiar os funcionários com doenças mentais é de fato uma aptidão empresarial crucial. Vemos líderes, atletas e celebridades falando de suas doenças mentais. Essas pessoas, do ponto de vista do capital humano, estão em seu auge. Há inúmeros exemplos de pessoas com doenças mentais e um desempenho profissional elevado. É vantajoso para as organizações, do ponto de vista empresarial, ser capaz de empregar e manter essas pessoas”, disse ela. “Há evidências de que as pessoas com doenças como transtorno bipolar e transtorno do déficit de atenção com hiperatividade podem mesmo ter um desempenho melhor em certos empregos do que os colegas neurotípicos. Se agruparmos tudo isso como uma saúde mental debilitada, vamos fazer desaparecer o espaço para falar de como podemos ajudar as pessoas com doenças mentais a prosperar.”
“Acho importante que os gestores tenham em mente que os problemas de saúde mental não se manifestam da mesma forma para todos. Por exemplo, no caso dos homens, em certos setores, não é comum para eles conversar sobre seus sentimentos. Então, se eles estão se sentido deprimidos ou angustiados, são muito mais propensos a esconder isso. Só porque os funcionários não estão dizendo que têm uma doença mental ou estão sofrendo de esgotamento não significa que não estejam”, disse ela.
A perspectiva da higiene mental
Abordar os problemas antes que eles surjam é fundamental, disse Emily.
“Coisas como flexibilidade em relação ao local de trabalho. Talvez seja possível que certos empregos ofereçam trabalhar remotamente alguns dias ou ter um horário ligeiramente flexível. abemos que a falta de autonomia, de flexibilidade, a sobrecarga de trabalho e ter responsabilidades mal definidas são fatores de risco para uma saúde mental debilitada”, disse ela.
“Gostaríamos de ver gestores e pesquisadores refletindo sobre onde faz sentido focar na raiz do problema nos locais de trabalho. Antes dos problemas de saúde se manifestarem.”
“Defendemos que as organizações e os formuladores de políticas precisam de pesquisas que levem a insights de como as empresas podem ser proativas, de modo semelhante à estratégia eficaz que as organizações adotam atualmente com a proteção da saúde física”, escreveram os autores.
“A perspectiva da higiene mental é análoga às práticas amplamente aceitas para a higiene física; por exemplo, considere que os dentistas não focam apenas em realizar procedimentos de canal eficazes para aqueles que desenvolvem cáries, mas também enfatizam a importância de escovar os dentes e usar fio dental para reduzir o risco de desenvolver cáries profundas.”
Os autores identificaram como as organizações dos Estados Unidos começaram a apoiar a saúde física dos funcionários no início do século 20. Antes disso, “o fardo da segurança e da saúde física era carregado pelo trabalhador que aceitava os riscos de segurança de seu emprego”.
Em 1970, foi criada a Administração de Segurança e Saúde Ocupacional (OSHA, na sigla em inglês) e, depois, em 1990, a Lei dos Americanos com Deficiência (ADA, na sigla em inglês), que “exige que a maioria dos empregadores ofereça instalações adequadas para pessoas com deficiência, incluindo deficiências psiquiátricas (um termo que inclui muitos tipos comuns de doenças mentais, como transtornos de ansiedade e transtornos de personalidade), e protege esses indivíduos da discriminação no emprego”.
“A pesquisa partiu em grande parte do pressuposto de que os funcionários individualmente são responsáveis pelos próprios problemas de saúde mental, excluindo a averiguação da responsabilidade da organização, e da capacidade dela, de garantir a saúde mental de seus funcionários. Este artigo constrói uma plataforma para mudar o foco da pesquisa de reativa para proativa e motivar pesquisas futuras que promovam locais de trabalho mentalmente seguros e saudáveis, nos quais todos os funcionários possam prosperar e contribuir para o sucesso da empresa”, escreveram os autores. /TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA
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