‘Rotina de ir para o escritório e estar com as mesmas pessoas se quebrou’, diz especialista

Especialista em cultura organizacional, Carolyn Taylor afirma que a pandemia trouxe questionamentos sobre propósito e legado no trabalho

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Foto do author Ludimila Honorato

A executiva Carolyn Taylor trabalha com mudança de cultura nas organizações há 30 anos. Ao longo desse tempo, atuou com empresas brasileiras, americanas e europeias, tendo participado de cerca de 200 jornadas de transformação. Para ela, pessoas em posição de liderança são responsáveis não só pelo próprio comportamento, mas também pelo das equipes, com valores adequados e bem definidos.

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“O principal requisito é a clareza sobre como é o bom comportamento e modelar esse comportamento como líder”, diz ela. Carolyn afirma que colaboração, cuidado, coragem e empoderamento são os valores mais importantes na gestão da cultura em um ambiente de trabalho híbrido.

Presidente da Walking The Talk, consultoria focada na transformação cultural das organizações, recentemente adquirida pela ZRG Partners, a executiva conta que a maior parte do trabalho que faz é mostrar aos líderes quais são as etapas nesse processo, como se modela e incentiva a cultura em outras pessoas.

No começo do mês, Carolyn esteve no Brasil para o lançamento da segunda edição de seu livro Walking The Talk: A Cultura através do Exemplo, e concedeu entrevista ao Estadão. Na conversa, ela fala sobre como construir relações saudáveis no ambiente de trabalho, estimular bons comportamentos e como fazer isso nos modelos remoto e híbrido de trabalho.

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Carolyn Taylor é presidente executiva da Walking the Talk, consultoria especializada em transformação de cultura nas organizações Foto: Calão Tafner Jorge

Quais são suas impressões sobre o movimento quiet quitting e o que ele tem a ver com cultura organizacional?

A pandemia foi um grande gatilho para isso. Ela nos forçou a fazer coisas que não imaginávamos ser possível. Descobrimos que podíamos trabalhar de casa, fazer uma chamada no Zoom e ter vendas. Uma das crenças que tínhamos era que temos de trabalhar muito, muito duro, e entramos em um ritmo de vida em que não questionamos por que estamos cansados, apenas seguimos. Agora, como resultado disso, as pessoas estão começando a realmente considerar o que querem fora do trabalho e, para mim, a razão pela qual a cultura se torna incrivelmente importante é porque a rotina de eu simplesmente ir para o mesmo escritório todos os dias, estar com as mesmas pessoas se quebrou. Agora, me pergunto: por que estou fazendo isto? Qual é o meu propósito? Qual é o legado que quero deixar? Uma das coisas que os empregadores precisam fazer é trabalhar mais para ajudar (o funcionário) a cumprir seu propósito. Falar mais com as pessoas sobre qual é o propósito delas é um elemento.

Qual o impacto das relações de trabalho nesse contexto?

É preciso ter um senso de obrigação com nossos colegas. Uma das razões pelas quais trabalho duro é para ajudar meus colegas e meus clientes, mas se não me sinto próximo deles, o que faço? Por que devo trabalhar duro? Como líderes, temos mais trabalho a fazer para construir confiança nas equipes, com os clientes, de modo que eu sinta que quero dar um passo extra, porque senão sentirei que os decepcionei. A maioria de nós quer fazer a coisa certa para as pessoas de quem gostamos e, por isso, preciso me preocupar com meus colegas de trabalho e clientes.

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A Walking the Talk fala dos valores de colaboração, cuidado, coragem e empoderamento. Como as empresas e os líderes podem guiar os funcionários nesse caminho?

Antes de tudo, as empresas precisam declarar explicitamente o que é importante, o que pensam dos valores. As boas empresas não apenas definem que essas coisas são importantes, como esperam que seus líderes encorajem esses comportamentos nos outros e mostrem esses valores eles mesmos. O papel da liderança não é apenas entregar os resultados financeiros, é tudo que envolve moldar uma cultura e um ambiente em que se espera que as pessoas cuidem umas das outras e colaborem umas com as outras. Muitos líderes subestimam a capacidade que têm de moldar o comportamento de outras pessoas, mas como líderes, podemos moldar certos comportamentos para que se tornem o comportamento normal em nossa equipe.

Isso tem sido um desafio para as lideranças?

Para muitos líderes, reconhecer que são responsáveis não só pelo seu próprio comportamento, mas também pelo comportamento de outras pessoas é uma novidade. Mas eles fazerem isso sabendo o que é bom é realmente importante. Você precisa conhecer o comportamento que está buscando e também o que não está buscando, porque quando algo acontecer, você incentiva o bom comportamento ou não tolera os comportamentos que não quer.

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Costumamos falar sobre liderar pelo exemplo. Como fazer isso no trabalho remoto ou híbrido, em que não nos vemos com frequência?

Você precisa estar mais atento aos comportamentos que procura no Zoom ou nas equipes que vê pessoalmente. Você precisa ter mais conversas proativas com seu time para entender como eles estão pensando, o que estão fazendo, o que estão entregando. Os padrões que você define para os líderes que você contrata, do ponto de vista do comportamento, é algo que, no passado, talvez fosse menos prioritário para o recrutamento e agora isso está mudando. O que estamos fazendo juntos é começar a pensar em como você avalia o comportamento das pessoas, como você entrevista as pessoas sobre comportamento, como você mostra às pessoas, mesmo na fase de recrutamento, que o comportamento importa.

A Walking the Talk também chama atenção para o fuso horário das pessoas, para respeitar a forma de trabalhar e as entregas. Quais outros pontos as empresas devem considerar na contratação?

Se você se juntar a uma empresa global, até certo ponto você está participando de horas nada sociáveis. Acho que, às vezes, quando as pessoas estão escolhendo seu empregador, não necessariamente pensam nessas coisas. Por outro lado, há uma tendência de privilegiar sempre o horário da sede. O que as organizações podem fazer é, às vezes, colocar as pessoas da sede para trabalhar até tarde para que as pessoas na Europa ou no oeste da Califórnia, por exemplo, participem. Pode ser só algumas reuniões. Outra coisa que se pode considerar são as primeiras reuniões. Você realmente precisa ter uma reunião às 7h30? Isso é uma questão de disciplina. Definitivamente, tem algumas coisas que você pode fazer para facilitar a vida dos pais e das mulheres que são mães, por exemplo.

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Como a diversidade é parte desse futuro do trabalho, sendo que o conceito do anywhere office pode ‘esconder’ a diversidade, já que as pessoas não estão necessariamente no escritório?

Às vezes, as pessoas que estão em casa podem se esconder, mas eu acho que os líderes também esconderam a disciplina para avaliar as pessoas em sua competência. Eles tendem mais a avaliar as pessoas para saber se elas gostam deles, se são amigos. Mas, se você é um gerente, está procurando pessoas que entreguem o que você quer, a pessoa pode trabalhar de qualquer lugar. O trabalho híbrido está forçando os líderes a serem mais disciplinados sobre o que eles pedem às pessoas e depois responsabilizá-las para entregar. Na parte de diversidade e inclusão, acho que os comportamentos entre homens e mulheres são, de certa forma, inconscientes para muitos homens. Por exemplo, fazer mansplaining (quando um homem explica algo a uma mulher subestimando a inteligência dela) é uma microagressão invisível. Se você realmente vai criar uma cultura inclusiva para as mulheres, há um grande trabalho para os homens estarem conscientes do que estão fazendo. Não acho que eles estejam deliberadamente tentando excluí-las, eles simplesmente desconhecem as maneiras.

O papel da liderança é tudo que envolve moldar uma cultura e um ambiente em que se espera que as pessoas cuidem umas das outras e colaborem umas com as outras”

Carolyn Taylor, presidente executiva da Walking the Talk

A importância da cultura organizacional é bem compreendida atualmente?

A cultura é uma disciplina de gestão e isso só se tornou extremamente reconhecido nos últimos dez anos. Estou trabalhando no Brasil desde 2006 e tivemos alguns CEOs pioneiros com quem trabalhamos, mas foram poucos. Nos últimos dez anos isso mudou, em parte por causa de alguns grandes dramas com reputação, falta de ética, problemas de segurança. Agora, quase todos os conselhos, diretores e executivos reconhecem que devem fazer algo pela cultura. A dificuldade é que a maioria não necessariamente experimentou como gerenciar e transformar uma cultura, porque é um processo que leva vários anos e, por definição, só vem se tornando um tema de interesse há dez anos.

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Quais são os desafios na gestão de uma transformação cultural?

Parte da dificuldade é poder definir claramente o que é cultura, o que você está tentando gerenciar, quais são as alavancas que você tem à sua disposição e como você realmente as executa. Uma empresa gasta muito tempo definindo a cultura que deseja, o que é muito importante, mas tende a ser menos clara sobre o que fazer, como executar. Diretores, gerentes e líderes estão moldando a cultura todos os dias, apenas estão inconscientes disso.

Há alguma resistência por parte dos líderes ou funcionários?

Uma resistência vem das pessoas que ficam nervosas por não conseguirem mudar. Se não sei o que fazer, direi que é uma coisa estúpida de se fazer de qualquer maneira, mas na verdade o que estou dizendo é que estou preocupada. Talvez 10% ou 20% das pessoas não sejam capazes de mudar, mas muitas pessoas podem mudar se você lhes der muito incentivo e passos tangíveis que elas possam seguir. O papel do líder é 90% encorajar, 10% não tolerar certos comportamentos e muito sobre esclarecer, tornando concreto o que realmente se quer executar.

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Por que é difícil para os líderes entenderem o que é essa cultura?

Acho que a dificuldade, às vezes, é criar o vínculo entre a cultura e o desempenho do negócio. Se você tem muito claro o que estão tentando fazer estrategicamente, então a questão é: como eu preciso que as pessoas se comportem para alcançar o que estamos tentando alcançar? Porque a cultura é, em última análise, os padrões de comportamento na organização. Se você é capaz de fazer esse link com o negócio, geralmente as pessoas acham muito mais fácil definir quais são os comportamentos que elas realmente precisam.

Tudo isso que estamos falando tem a ver com responsabilidade - dos líderes, dos funcionários, das empresas. Mas, em inglês, existe o termo accountability, que é diferente do sentido de responsabilidade que temos em português. Pode explicar esse termo e como ele se relaciona com os valores de uma empresa?

Eu escrevi um livro chamado Accountability at Work, que foi traduzido para o português, e quando eu estava pesquisando sobre isso, percebi que accountability envolve duas pessoas. Se você olhar para o significado da palavra em inglês, é sobre ser solicitado a prestar contas do que se fez. Eu me comprometo com você de que vou entregar isso e você tem o papel de me responsabilizar, o que significa me acompanhar. O que o livro mostra é que, se você não recebe o que quer de mim, talvez você não esteja sendo clara sobre o que pede para responsabilizar as pessoas. Mas talvez eu também não seja boa porque digo ‘sim’ facilmente. O que eu encontro nas empresas brasileiras, americanas e europeias é que a maioria das pessoas não é boa em responsabilizar as outras.

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Qual a melhor maneira de lidar com possíveis conflitos nessas relações?

A primeira coisa é: quanto mais você esclarece o compromisso no início, mais fácil será a abordagem se alguém não entregar. Se você teve uma conversa clara e houver uma falha na entrega, você pode dizer: lembra que você se comprometeu a fazer isso? Geralmente, a pessoa diz que sente muito. Acho que muito do conflito acaba se houver um compromisso mais explícito no começo. Além disso, é ser um ouvinte e saber por que talvez não foi entregue. Ao ouvir a outra pessoa, às vezes ela vai culpar outras, vai encontrar justificativa, mas uma boa frase é: o que você poderia fazer para me ajudar a entregar isso? E então, tentar fazer com que as pessoas assumam a responsabilidade, não culpem as circunstâncias externas.

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