Publicidade

Quanto ganha, quais os direitos e como é a vida na Alemanha? Brasileiros que trabalham lá contam

País é elogiado por cultura de trabalho, sensação de segurança e estabilidade financeira para profissionais mais qualificados

PUBLICIDADE

Foto do author Jayanne Rodrigues
Atualização:

No início deste mês, a Alemanha lançou um novo sistema de vistos com o objetivo de atrair profissionais qualificados de países fora da União Europeia (UE). A tentativa de mitigar a escassez de mão-de-obra que o país enfrenta facilita a entrada de estrangeiros que atendem aos pré-requisitos. Especialistas em TI e enfermeiros são os profissionais mais demandados. No entanto, mesmo antes dessa mudança, muitos brasileiros já consideravam a nação um destino atraente para viver e trabalhar (veja aqui como conseguir um trabalho na Alemanha).

É o caso do engenheiro mecânico Igor Teles, 28. Em 2015, o cearense participou de um intercâmbio de um ano no país por meio do programa Ciência Sem Fronteiras. Após a experiência, retornou ao Brasil, finalizou a graduação e começou a trabalhar na área de formação. Insatisfeito com o desenrolar da carreira, decidiu cursar mestrado na Alemanha, onde reside desde 2018, em Munique.

PUBLICIDADE

Ele é um dos 160 mil brasileiros que vivem na Alemanha, segundo dados mais recentes do Ministério das Relações Exteriores.

“O que me motivou a voltar para a Alemanha foi a experiência positiva que tive aqui anteriormente e as oportunidades na minha área. Além disso, o trabalho em Fortaleza (CE) não foi como esperava. Esses fatores me incentivaram a tentar e deu certo”, afirma Teles.

O cearense Igor Teles mudou-se para Alemanha em 2018.  Foto: Arquivo pessoal

Cultura de trabalho em algumas áreas é mais flexível

O brasileiro Igor Teles trabalha desde 2021 em uma empresa que presta consultoria e desenvolve planejamento técnico para prédios industriais e comerciais. O departamento em que atua é responsável pelo fornecimento de energia e descarbonização de indústrias.

O modelo de férias é um ponto positivo, revela o engenheiro. O período é de 30 dias úteis a cada ano e pode ser dividido em diversas vezes.

“Eu já dividi minhas férias em seis vezes, acabei emendando com alguns feriados”, diz. No Brasil, a Consolidação de Leis Trabalhistas (CLT) dá direito a 30 dias corridos de folga ao trabalhador.

Publicidade

Em relação à carga horária, a Alemanha está no top 3 de países com as menores jornadas de trabalho no mundo, com 34,4 horas semanais, ficando atrás apenas da Dinamarca e da Holanda. Os dados são da OCDE. Conforme a organização, somente 4% dos empregados trabalham durante períodos muito mais longos de trabalho. Igor Teles cumpre jornada de 40 horas semanais.

Na Alemanha, os direitos trabalhistas são mais avançados.

Igor Teles, engenheiro mecânico

Segundo ele, empresas maiores têm participação de sindicatos fortes nas negociações de acordos coletivos, o que ajuda nos direitos em geral e nos aumentos de salários.

Outro diferencial é a flexibilidade. “No meu caso específico, preciso viajar bastante a trabalho. Mas, no geral, os empregos aqui são bem flexíveis quanto ao home office”. Teles comenta que a empresa em que atua não cobra horários fixos. Em dias mais ensolarados, por exemplo, ele e outros colegas de trabalho costumam sair mais cedo para aproveitar o clima.

Para eles, o trabalho é extremamente necessário, mas o bem-estar também é importante

Igor Teles, engenheiro mecânico

Carreira e salário

Além das vantagens apontadas, o brasileiro considera que a sensação de segurança, a qualidade de vida, a infraestrutura das cidades e o poder de compra são aspectos favoráveis.

PUBLICIDADE

No entanto, ele faz um alerta a profissionais sem qualificações. Estes devem avaliar com cuidado uma possível mudança para a Alemanha, já que o custo de vida é alto. “Brasileiros que imigram sem tantas qualificações talvez não tenham uma vida tão confortável. Sugiro pensar melhor se vale a pena”, pondera.

Na Alemanha, o salário mínimo é calculado com base no número de horas trabalhadas. A remuneração mínima por hora é de € 12,41 (R$ 73,12). Para um emprego de 40 horas semanais, o salário bruto mensal gira em torno de € 1.985,60 (R$ 11.699).

Cerca de 7,5 milhões de empregos na Alemanha são com remuneração abaixo de € 12,50 brutos por hora, segundo o Departamento Federal de Estatística (Destatis).

Publicidade

Social media trocou Portugal pela Alemanha

Foi exatamente o quesito financeiro que chamou atenção da social media Débora França, 30. Ela mora na Alemanha desde 2020 após uma temporada de sete anos em Portugal. O pontapé da mudança partiu do marido, que é alemão. Logo quando chegou, em plena pandemia, optou por dedicar o primeiro ano a aprender o idioma local.

No segundo ano, focou em um trabalho voluntário em uma creche. Depois, conseguiu emprego em um restaurante no qual recebia € 13 por hora.

Débora França trocou Portugal por Alemanha. Foto: Arquivo pessoal

Ainda assim, estava desanimada profissionalmente. Foi quando decidiu fazer uma transição de carreira e atuar na área de social media. Desde abril, a brasileira trabalha em uma startup do setor de saúde. Ela não quis revelar o salário.

A principal vantagem da Alemanha é a remuneração salarial, você é valorizado pelo seu trabalho. Em Portugal ganhava € 3 por hora trabalhada. Aqui recebo mais que a média (€ 12,41). A maioria das empresas pagam muito mais que o salário mínimo estabelecido.

Débora França, Social Media

Assim como o engenheiro Igor Teles, a social media também avalia que a cultura de trabalho valoriza o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. “Se o seu horário de saída é 17h, você vai embora e ninguém vai questionar ou pensar que é preguiçosa”, conta.

Afastamento do emprego por causa da saúde é outra mudança cultural que a brasileira sentiu. “Não precisa apresentar um atestado médico quando está doente. Basta informar que não vai trabalhar porque não está bem. Ninguém questiona a sua condição ou invade a sua privacidade.” Confira mais sobre a rotina de Débora na Alemanha em seu canal no YouTube:

Farmacêutica precisou adaptar-se ao feedback na empresa alemã

Em busca de melhores condições de trabalho e oportunidades na carreira, a farmacêutica Dulce Coelho, de 30 anos, também decidiu mudar-se para a Alemanha em 2022.

Os primeiros anos foram voltados para dominar o idioma e reconhecimento do diploma. Somente no começo deste ano passou a mapear vagas de emprego na indústria farmacêutica alemã. Ela calcula mais de 10 candidaturas.

Publicidade

A farmacêutica Dulce Coelho. Foto: Arquivo pessoal

A profissional conta que teve que aprender do zero como montar um currículo já que o processo seletivo é um pouco diferente do Brasil. Em todas vagas a que se candidatou enviou uma carta explicando as razões para trabalhar na companhia. É um documento exigido pela maioria das empresas alemãs, de acordo com a brasileira.

É preciso pesquisar sobre a empresa e ser convincente do porquê você é a pessoa certa para a vaga. Tive que me adaptar, assim como o currículo, que deve estar no formato padrão alemão e, de preferência, incluir uma foto profissional

Dulce Coelho, farmacêutica

Há pouco mais de dois meses ingressou em uma empresa farmacêutica na área de pesquisa e desenvolvimento de suplementos alimentares. Mesmo com mestrado, Coelho ocupa cargo de estagiária na corporação.

“Na Alemanha, é muito difícil entrar na indústria farmacêutica sem experiência”, conta.

Agora, com a nova rotina, que inclui uma jornada semanal de 37 horas de trabalho, busca adaptar-se à cultura de trabalho no país estrangeiro. O feedback dos alemães é uma novidade. “Eles são muito assertivos e falam diretamente se algo não está certo, sem muitos eufemismos. É desafiador, mas vejo como uma oportunidade de desenvolvimento.”

Brasileiros reclamam de sistema de saúde e amizades

Embora a Alemanha tenha várias vantagens, os brasileiros ouvidos pela reportagem reclamam do sistema de saúde e da dificuldade em criar vínculos com alemães.

No Brasil, o engenheiro Igor Teles mantinha o hábito de realizar exames de rotina, o que precisou ser repensado após a mudança de país.

“Como a população é muito velha e há poucos médicos, eles reservam serviços de rotina para os idosos. Então, se você (jovem) for ao hospital com o intuito de fazer um exame de rotina, o médico vai rir da sua cara”, comenta.

Publicidade

Em julho de 2022, somente 10% da população estava na faixa etária de 15 a 24 anos, enquanto 20% tinham mais de 65 anos.

Desde o ano passado, a Alemanha intensificou os esforços para atrair profissionais de saúde, em especial do setor de enfermagem. O país enfrenta escassez de mão de obra na área, e a quantidade de novos formandos locais não tem sido suficiente para atender à crescente demanda.

Recentemente, a social media Débora França passou por uma cirurgia na Alemanha e diz não ter notado acolhimento durante os atendimentos. No entanto, acredita que a falta de empatia não aparenta ser um caso de xenofobia, mas sim algo cultural do sistema de saúde alemão.

Não acho que tenha sido por ser estrangeira, mas senti que o sistema de saúde alemão é sobrecarregado, e isso se reflete na forma como os profissionais tratam os pacientes. Não há acolhimento, o que é especialmente difícil quando estamos lidando com doenças

Débora França, social media

Em relação aos círculos de amizade, imigrantes brasileiros podem enfrentar outra barreira cultural. Segundo Igor Teles, os alemães são mais reservados e preferem conviver em grupos menores.

São pessoas com outro estilo. No Brasil, sempre saía com uns nove amigos. Aqui, eles gostam de sair com três pessoas, no máximo. Então, para iniciar uma amizade tem que ter muito esforço, mas depois que consegue são amigos fiéis

Igor Teles, engenheiro mecânico

Ele estima que muitos brasileiros podem encarar uma fase de solidão e mal-estar durante alguns meses por causa da falta de convívio mais íntimo na rotina.

Quanto custa morar na Alemanha?

Supondo que você more na cidade de São Paulo e receba R$ 15 mil por mês, para manter o mesmo padrão de vida em Berlim seria necessário ganhar cerca de R$ 29 mil (€ 5.023,7), conforme cálculo do site Numbeo, especializado em custo de vida.

O custo de vida na capital alemã, incluindo aluguel, é 95,8% maior do que na capital paulista. Por outro lado, o poder de compra local em Berlim é 288,3% maior que a cidade de São Paulo.

Publicidade

Confira a tabela abaixo:

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.