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Autoconhecimento profissional: Leandro Karnal tira dúvidas

Em bate-papo com leitores no Telegram, professor e historiador fala sobre zona de conforto, relações com pessoas difíceis no trabalho, liderança e outros temas; confira entrevista em áudio e texto

Por Marina Dayrell
Atualização:

No último ano de pandemia e isolamento social é bem provável que você tenha ouvido por aí sobre a importância de se autoconhecer. Para muito além de um tema constante em sessões de terapia, o autoconhecimento é visto por especialistas como uma das primeiras ferramentas para construir uma carreira profissional. 

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Estratégia, plano de carreira, branding pessoal, recolocação no mercado, pivotagem e mudança de profissão, empreendedorismo: tudo passa, primeiro, pelo autoconhecimento. Quem sou eu? O que eu quero ser? O que eu quero fazer da vida? O que eu não quero fazer? Onde quero chegar? Do que eu gosto? O que me irrita? 

“Tudo isso é um processo de autoconhecimento. Se você iniciar o autoconhecimento pessoal, ele vai afetar o profissional, não há ninguém que seja sábio em apenas um campo”, explica Leandro Karnal, historiador e professor, que participou do bate papo com integrantes do grupo Estadão Carreira e Empreendedorismo no Telegram, no último dia 1º. 

O historiador Leandro Karnal, colunista do Estadão Foto: Helvio Romero/Estadão

O professor respondeu a dez perguntas sobre autoconhecimento, zona de conforto, colegas de trabalho difíceis, liderança e muito mais. Confira o papo no player abaixo ou na transcrição do texto.

Qual a diferença entre o autoconhecimento pessoal e o profissional? Em que momento um se sobrepõe ao outro? 

Todo o autoconhecimento, que é a base da filosofia, a primeira questão socrática, “Conhece a ti mesmo”, é um progresso, mas nós temos diferentes habilidades, nós temos habilidades distintas no campo pessoal. Há pessoas, por exemplo, que são excelentes profissionais e são maus maridos ou más esposas, maus namorados, más namoradas. Isso é possível, mas todo o processo de autoconhecimento faz avançar.  Por exemplo, o que me irrita? O que me agrada? Quais são os pontos em que eu chego ao meu limite? Quais são as minhas possibilidades físicas, os meus limites físicos, meus limites psíquicos? Tudo isso é um processo de autoconhecimento. Se você iniciar o autoconhecimento pessoal, ele vai afetar o profissional, não há ninguém que seja sábio em apenas um campo.

O que fazer quando a empresa em que você trabalha se torna tóxica e começa a afetar a sua saúde? Dá para mudar sua empresa sem ter que se mudar dela? Como?

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Essa é sempre uma pergunta muito complexa. Por exemplo, eu já trabalhei em escolas quando jovem, muito difíceis, muito agressivas em situações que eu diria até humilhantes, mas eu precisava daquele dinheiro. Na minha vida, especialmente no início da carreira, que eu não podia escolher, a escola podia me agredir, podia me humilhar, os alunos podiam ser agressivos, mas eu tinha que comer, pagar aluguel, eu tinha que pegar o ônibus. Então, às vezes, o imperativo das suas necessidades se sobrepõe a isso.  Então, aí é tentar diminuir os danos. Há empresas que realmente talvez seja melhor você atrasar o aluguel e não trabalhar nelas, você não comer o que quer e não trabalhar nelas, mas nós não temos sempre escolha, nós não somos herdeiros milionários. Então, eu tenho que negociar com o real.  Quando eu estava em um lugar muito ruim, eu tentava me adaptar, melhorar alguns pontos, tentava diminuir aquele incômodo que uma empresa tóxica produz, mas por vez a gente tem que aceitar que tem um chefe. Eu tive chefe, estou pensando agora mentalmente num aqui em São Paulo, que nós, carinhosamente, apelidamos de “o louco”, não só eu, como os outros professores também. Então, o que se faz com “o louco”? Primeiro, não deixar se contaminar pela insanidade dele ou dela. Segundo, fazer exercício de desintoxicação ao sair do trabalho, meditação, relaxamento, aquilo que você tiver à mão e imediatamente imaginar que você tem que procurar outra empresa. É uma experiência, mas claro que eu estou falando de coisas que não envolvem, por exemplo, assédio sexual e violência física, aí não tenho que negociar, aí tem que sair imediatamente e denunciar imediatamente. Mas quando é aquela agressividade difusa, aquela agressividade, às vezes, muito passiva, inclusive, aquele caráter tóxico que perturba, aí o ideal é, realmente, levar um pouquinho com a barriga, se possível, e avaliar: “eu preciso mais do dinheiro ou da minha paz de espírito? Eu preciso pagar o aluguel, alimentar meu filho ou eu preciso de estabilidade psíquica?” A vida não é ideal, mas aprender a negociar com situações difíceis é como você fazer uma espécie de estágio em um campo minado, depois fica mais fácil andar em um território normal e plano. Quem sobe montanha facilmente com dificuldades, quando tem que correr na planície, vai ser muito melhor.

Você acredita que é possível encontrar felicidade no trabalho? Acredita que, em alguns casos, são as pessoas que tornam os locais de trabalho insuportáveis? 

A questão é muito interessante. Primeiro, a pergunta seria: é possível encontrar felicidade? Porque quem consegue responder a isso consegue responder no trabalho, na família e assim por diante. Se vocês consideram felicidade um estado paradisíaco, um Nirvana, algo que, uma vez atingido está conquistado, eu diria, não, não é possível encontrá-la nem no trabalho e nem na família, e nem sozinho.  Mas, se você considera felicidade um evento perfectível, ou seja, possível de ser aperfeiçoado, e um caminho de crescimento para um bem-estar, aí você segue o conselho do professor Shawn Achor, de Harvard, que diz que felicidade não é o prêmio, mas é o caminho para conseguir o prêmio, ou seja, você não será feliz quando for o chefe, o coordenador geral, o CEO de uma empresa. Você tem que ser feliz para crescer na hierarquia de uma empresa, tem que ser feliz para construir um bom casamento, você tem que ser feliz para construir um bom namoro.  Então, a questão não é exatamente como encontrar felicidade no trabalho, mas de que forma eu concebo felicidade, não exatamente como paraíso, mas como, pelo menos, uma maneira de evitar o inferno, o que já é um grande caminho. Agora, eu, sim, acho que como a gente trabalha muito e vai trabalhar bastante e, com as atuais reformas da previdência, vamos trabalhar ainda mais no futuro, eu preciso considerar que o trabalho não pode ser uma suspensão da minha vida feliz enquanto que estar fora do trabalho seja a verdadeira vida. Eu tenho que integrar a produção do que eu faço para conseguir dinheiro, para conseguir aquilo que o trabalho dá, como uma etapa da minha felicidade.  Não existe a possibilidade de eu ser feliz durante doze horas em casa e infeliz durante o restante do tempo no trabalho, isso não existe. Eu tenho que buscar uma vida mais harmônica. Felicidade não é paraíso, não se deve confundir alegria e tristeza, estados passageiros, com felicidade - uma etapa de conquista, de metas e de questões importantes para mim. Se você confunde felicidade com alegria e tristeza, você vai oscilar completamente ao longo de um dia. Felicidade é um estado permanente. Felicidade é clima. Alegria e tristeza são chuva ou vento, variam a toda hora. 

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Como lidar com colegas de trabalho difíceis? 

Eu acho que eu nunca trabalhei na minha vida sem ter algumas pessoas difíceis. Eu fico feliz quando é um colega e não um chefe, que é mais fácil lidar numa relação horizontal do que vertical. A primeira coisa que eu sempre pensei no meu crescimento profissional é se os meus colegas não estavam em algum grupo perguntando como lidar comigo também, ou seja, que você pode ser também a pessoa difícil.  Há pessoas mais fáceis e há pessoas mais difíceis. Aprender a negociar com diferentes timings, diferentes percepções de tom de voz, diferentes percepções de gentileza, educação e trato com os outros é um grande desafio de vida. Agora, quando se torna insuportável, fala-se com a pessoa e, quando se torna impossível conviver, fala-se com o RH. As pessoas difíceis, às vezes, precisam de um toque afetivo e outras precisam de uma chamada formal advertida pelo chefe. Então, tem que aprender a lidar com isso.  Há pessoas difíceis na sua família, porque há na minha família, há na família de todo mundo. Então, como é que a gente lida com aquela pessoa difícil na festa de Natal? Senta longe dela, evita contrariar, sorri e se afasta imediatamente. Quando possível, essa é uma boa solução. Se não for o chefe, é um pouquinho mais fácil.

Como as lideranças podem ajudar seus liderados a se conhecer melhor e como podem personalizar a gestão de acordo com o que motiva cada membro?

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Uma das grandes habilidades de qualquer pessoa que exerce qualquer função, desde um pai até um professor, de um chefe até um político, é saber que as pessoas são diferentes, as pessoas reagem de forma distinta e que as pessoas não podem ser tratadas em conjunto. A primeira questão de um chefe é o exemplo. Se eu quero, por exemplo, pensar que eu tenho que espalhar relações mais cordiais, relações dóceis, mais simpáticas, a primeira questão é que eu sou a demonstração disso. É provável que você não contrataria um personal trainning, por exemplo, que fosse obeso, é provável que você desconfiaria de médico pneumologista que fumasse bastante, porque eu sou a vitrine da minha própria motivação e daquilo que eu estou falando.  Então, uma liderança ensina pelo exemplo, que a gente chama de currículo oculto, e ela vai começar essa liderança, estabelecer diferenciações entre as pessoas e aprender a lidar com isso. Pessoas não são robôs, pessoas são diferentes, alguns precisam de uma energia A, outros de uma energia B na resposta. Um chefe tem que ser inteligente e sábio. Inteligente para dominar a técnica e sábio para poder lidar com pessoas.  Pouca gente tem vocação para chefia, muita gente tem vocação para o poder, porque muita gente quer mandar para os benefícios do cargo. Pouca gente sabe que um cargo é um exercício de serviço, eu estou a serviço de todos e por isso que eu tenho a capacidade de dizer o que é prioridade, mas isso não é fácil e poucas pessoas têm essa percepção, especialmente no Brasil, que chefia é serviço e não privilégio, cargo de nobreza, condado ou algo que eu ganhei dos deuses para poder aproveitar a vida. 

Como lidar ou indicar aos seus superiores no caso de perceber que sua atuação não é necessariamente no local que você tem mais aptidões ou habilidades?

É sempre complicado porque nem sempre as chefias, por exemplo, conseguem ouvir essa ideia. Se eu quero eficácia, eficiência, harmonia, as críticas construtivas são muito bem-vindas. Eu acho que deve-se falar com franqueza que eu posso ser mais útil na posição A do que na B, porque eu tenho mais habilidades na posição A do que na B. Eu posso servir mais.  É claro que não existe o emprego ideal e, às vezes, estar em um lugar deslocado, me ensina habilidades que eu posso utilizar em outra ocasião. O Steve Jobs, na sua biografia, diz que ter feito um curso de caligrafia em uma universidade menor dos Estados Unidos, na qual ele não se formou, ajudou a conceber todo o sistema de fontes para o Mac. Então, às vezes, exercer esses cargos, como os velhos empresários que só admitem que seu filho o suceda se exerceu todas as etapas da cadeia produtiva, pode ser útil, mas não pode contrariar minha natureza, nem me forçar a ser o que eu não sou.  Eu posso aprender em quaisquer cargos. Seria muito bom que eu tivesse passado por vários, mas qual é o cargo em que eu posso melhor desempenhar com mais habilidade? E, se eu explicar isso com tranquilidade para a empresa, realmente vai ajudar. Se a empresa não ouve, se ela não me quer no cargo que eu sou mais útil e mais produtivo, aí o questionamento é sobre a empresa. É uma empresa que funciona de uma maneira racional, de forma a valorizar seus trabalhadores? Essa é sempre uma questão. De novo, depende da minha liberdade diante do dinheiro naquela ocasião.  Não seja difícil, mas seja sempre consciente de que seu projeto de vida é maior, inclusive do que a empresa em si, e que você não existe só para agradar uma empresa, mas também você precisa trabalhar em conjunto. 

Como identificar que estou em uma zona de conforto ou que tenho dificuldade para sair dela? É sempre prejudicial ficar na zona de conforto?

Essa é a pergunta de um milhão de dólares, né? Zona de conforto é o seu pior inimigo. Tudo aquilo que te deixa quentinho e acomodado, não exige o melhor e vai produzir um efeito negativo no seu crescimento. Então, qual é o equilíbrio entre o que me desafia e aquilo que me deixa totalmente confortável?  A primeira pergunta a se fazer é: nos últimos seis meses você enfrentou novas habilidades e aprendizados? Nos últimos seis meses, você, naquela função e daquela forma, conseguiu aprender algo? Foi desafiada em qualquer forma, em qualquer habilidade? Se a resposta for não, você está em uma zona de conforto. Ela é o apogeu de qualquer trabalho, de qualquer casamento, mas ela também é o início do declínio, porque ela é uma solidificação, uma calcificação ou, em outras palavras, um enrijecimento das suas habilidades. Então, a zona de conforto é ruim, porque ela vai deixar de desafiar e você vai gastar um capital acumulado. O problema é que não há capital infinito e quando surgir um novo desafio, uma nova conjuntura econômica, uma nova forma de ver a empresa, você pode dançar, porque você está calcificada em um cargo. É muito importante se perguntar se onde eu estou, estou sendo desafiado? Aquilo que eu estou fazendo é  algo que de fato promove o melhor de mim, exige o máximo de mim? Senão é hora de você criar esses desafios ou assumir funções que contenham estes desafios. Tudo que te acomoda sabota o seu futuro estratégico. 

Por que na vida profissional parece ser mais fácil definir o que não queremos, mas temos dificuldade para encontrar o que queremos de fato? Como ter mais clareza para construir uma carreira?

Eu acho que existe uma fantasia que é a ideia de vocação. Vocação vem do latim vocare que é ‘chamar’. Era concebida como modelo religioso, como a vocação de Abraão. Deus aparece, ele sai da sua terra e vai. Ou a vocação de São Mateus, Jesus chega, aponta para ele no trabalho de coletor de impostos e ele passa a ser um evangelista, um discípulo. Essa é uma ideia religiosa de vocação.  Não existe um campo único, absoluto, em que você vai ter clareza total de que aquela é a sua carreira. O ponto que eu me encontro hoje não é o ponto que eu pensava aos 19 anos ao concluir a minha primeira graduação. O ponto que eu me encontro hoje não é o ponto que eu imaginava quando comecei a pós-graduação. A todo instante, a vida, especialmente no mundo líquido, naquele mundo que a gente usa as siglas VUCA (volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade) e BANI (frágil, ansioso, não-linear e incompreensível) aumentou muito a  velocidade nesse mundo. Você não vai ter uma carreira única, uma área de atuação, um conhecimento ou uma habilidade. Então, você não é um gênio da música, um gênio da dança que só pode fazer aquilo e, provavelmente, não seria feliz em nenhum outro campo. Nós somos pessoas múltiplas e, quanto mais múltiplos formos, melhor. Por isso, não existe um caminho, mas existe uma possibilidade de você saber, como eu sei, que eu serei melhor na área de humanas, na comunicação, do que na física atômica, ou seja, eu tenho grandes campos. Mas não pense que é uma coisa única, especial e que descobrindo você não terá novos desafios. Então, esteja plástico, esteja apto. Esteja sempre em crescimento, proporcione que você consiga crescer.  Antes, me perguntaram se é sempre prejudicial ficar na zona de conforto e eu não respondi adequadamente: não. Não é sempre prejudicial, apenas é prejudicial ao crescimento, mas pode ser bom se você busca apenas a estabilidade.

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Faz sentido o ensinamento daquela frase, um tanto quanto polêmica, "trabalhe com o que ama e nunca mais precisará trabalhar na vida"?

Eu acho que existe uma questão a pensar previamente, o que é trabalho para você? Quando eu digo ‘trabalhe com o que ama e nunca mais precisará trabalhar na vida’, eu estou concebendo o trabalho feito como uma espécie de hobby ou lazer como um trabalho prazeroso e um trabalho feito por necessidade como um trabalho difícil. Então, nós temos aqui um debate entre a concepção protestante e a concepção católica de trabalho.  O trabalho para o calvinista clássico, como Weber indicava, é uma maneira de construir o mundo e completar a criação. O trabalho católico é concebido como o castigo que Deus deu no Gênesis a Adão, ou seja, Adão, vai ganhar o pão com o suor do rosto e Eva tem três pragas, né? Dificuldades na gravidez, depois parir na dor e ainda ser submetida a um marido.  O trabalho, ele sempre vai ser cansativo do ponto de vista físico, porque eu vou enfrentar pessoas fora do universo afetivo da família. O trabalho sempre vai ter uma carga pesada, mesmo que eu seja um criador de arte, um coreógrafo, alguém da área de criação. Mas se eu fizer aquilo que eu gosto, o trabalho vai ser, como tudo na vida, um processo construtivo, porque família também é um desafio esgotante. Trabalho é um desafio esgotante. Do jeito que nós vivemos hoje, as férias são esgotantes, você volta das férias querendo férias, você está arrasado do tanto que você aproveitou as coisas.  Eu não gosto muito dessa afirmação, porque ela parece indicar que o trabalho naturalmente é algo pesado. E, se eu transformar em hobby, se torna algo leve. Todo esforço físico ou psíquico, afetivo ou pessoal, é árduo e ele implica aquele crescimento, o que os franceses chamam de goût de l'effort, o gosto do esforço, que vai fazer com que eu, como pianista, como marido, como escritor, o que eu quiser, seja complicado, mas o gosto vem dessa complicação.  Não há ninguém que passe os dias trabalhando perfeitamente feliz. Se alguém me disser, que prefere estar no trabalho do que estar em casa de tanto que gosta, é porque essa pessoa tem uma família complicada e prefere fugir disso pro escritório, né? Mas, sim, o trabalho tem que ser visto como parte da vida, como processo construtivo e desafio para que eu cresça. Aí sim, você não vai precisar trabalhar do ponto de vista de um trabalho árduo, burocrático ou repetitivo.

Existe diferença entre o processo de autoconhecimento para o adulto e para o adolescente? Que dicas você daria?

Essa pergunta é essencial, porque nós aprendemos sempre todos os dias, mas há um momento em que existe conhecimento sobre estruturas já definidas. Na adolescência existe a descoberta de caminhos. O adolescente tem dificuldade em se perceber dentro de um sistema, ele se acha sempre centralizado e, por isso, para ele, as coisas são todas autorreferentes. Fizeram isso porque eu sou assim. Falaram isso pra me atingir. Fizeram isso para mim. Porque exatamente ele é muito autorreferente.  O processo de crescimento que todos passamos é perder essa autorreferência, ou seja, que não está chovendo porque eu estou atrasado, que esse é um jogo de massas de ar que não tem nada a ver com o meu atraso, que a pessoa está gritando, mas não é exatamente para mim aquilo, mas é, na verdade, algo que pertence a ela, como um processo dela.  Então, o processo de conhecimento na adolescência, ele é mais instável, porque o humor ainda não enfrentou desafios muito grandes. Na média, existe uma magnificação, um aumento dos problemas na adolescência, porque eu não estou lidando com outros problemas. E depois, as novidades, né? Ah, levei um fora na adolescência, estou arrasado. Depois que a gente, na minha idade, levou dez foras, quinze foras, trinta foras, aquele mais um incomoda, mas já é uma ferida sobre uma pele calejada.  Uma das coisas boas do envelhecimento ou da maturidade, se a gente preferir um eufemismo, é que a gente vai dar perspectiva às coisas. Então, funciona como uma criança. A criança, por exemplo, dá uma batida no pé e chora com desespero. Depois que você tem um cálculo renal, essa dor entra em perspectiva, né? Uma mulher que tem um parto natural. que é um grau normal de dor muito elevado, vai considerar que aquela queimadura na cozinha não é nada.  A vida amplia horizontes. Por isso, tem que ser compreensivo, porque na adolescência esses horizontes são novos, as experiências são novas e funcionam sempre com uma intensidade muito grande, para a qual eu não tenho defesa racional. Hoje, quando alguém me diz aquilo que aos 16 anos me desconstruía, alguém me diz ‘nossa, eu odeio você’, eu penso assim, ‘ah, você tem razão. Por vez, eu também me odeio. Muita gente me odeia e a gente vai continuar existindo'. Mas, aos 16 anos, um ‘eu odeio você’ me pega profundamente. Então, não é que a gente melhore, é que a gente cria perspectiva. São processos distintos. Eu hoje só sou mais maduro do que eu era, porque eu já fui muito imaturo. Então, tem que ter muita paciência. Lidar com jovens é um exercício. de muita paciência. 

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