Engenheiro conta como bullying sofrido no estágio ainda afeta sua carreira; assédio pode dar cadeia

Quando era estagiário, engenheiro era alvo de piadas em reuniões; hoje trabalha em outro lugar, mas virou um profissional fechado e ansioso; assediador pode ter pena de prisão de até 2 anos

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Foto do author Adele Robichez
Atualização:

Maurício*, então estudante de engenharia elétrica em Salvador (BA), chorou de alegria quando soube que passou no processo seletivo de uma grande empresa de tecnologia, em 2016. Seis meses depois, a animação deu lugar à tristeza e à ansiedade por conta do tratamento que recebia dos colegas.

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Próximo de se formar, ele queria se destacar como estagiário com o intuito de ser contratado pela companhia. Nas reuniões, fazia questão de expor as suas ideias e sugestões, mas elas sempre eram acompanhadas por comentários sarcásticos e risadas de alguns colegas.

No início, ele sentia um pouco de incômodo, mas reprimia o sentimento por acreditar que as reações eram apenas uma brincadeira. Mas à medida que o tempo passava, os deboches se intensificavam e o desconforto também. “Me sentia excluído, ignorado, ridicularizado”, afirma.

Aos poucos, foi “murchando”, como ele diz. Nas reuniões, passou a ficar em silêncio. O trabalho passou a ser um fardo na sua vida, mas ele nunca contou isso para ninguém, por se sentir envergonhado. “Eu chegava no estágio, fazia o que tinha que fazer, e ia embora sem falar nada com ninguém”, relembra.

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Quando o contrato de um ano terminou, ele saiu da empresa sem se despedir das pessoas por medo de chamar a atenção para si.

Hoje ele trabalha em um ambiente bem mais acolhedor, mas se tornou uma pessoa “fechada”: não consegue fazer amizades e permanece em silêncio sempre que possível nas reuniões.

Quando é compelido a participar, suas mãos tremem, ele gagueja, o coração palpita. Mesmo que agora as pessoas o levem a sério, ele sente que ficou “paranóico”, com a impressão constante de que todos estão julgando cada palavra que ele disser.

Bullying no trabalho afeta carreira e pode ser punido com prisão. Foto: Charlie's - stock.adobe.com

Bullying tem punição prevista em lei

O psicólogo Lucas Franco Freire explica que o bullying no trabalho, também conhecido como “mobbing”, é uma estratégia usada para diminuir a autoestima e pode desencadear um estresse brutal na vítima, levando ao adoecimento.

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De acordo com ele, o bullying é uma agressão direta e explícita, geralmente perpetrada por colegas de trabalho.

“Um exemplo são apelidos, maneira muito comum de difamar alguém. Desmerecer o trabalho de outra pessoa, intimidar com chantagens verbais, brincadeiras que diminuem o indivíduo também podem ser consideradas formas de bullying”, explica o psicólogo.

Os efeitos do bullying incluem altas cargas de estresse, crises de ansiedade, ataques de pânico, fobia e diminuição drástica da autoestima, podendo levar ao burnout.

Freire relata casos em que os trabalhadores chegam a pensar na possibilidade de se envolverem em acidentes de trânsito como forma de evitar chegar ao trabalho.

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“É um comportamento de esquiva gerado pela aversão ao trabalho. Muitas pessoas se sentem dessa forma”, revela.

Legalmente, o bullying no ambiente de trabalho é equiparado ao assédio moral. “Todo comportamento que incida em violência moral ou psicológica se enquadra em assédio moral”, explica a advogada trabalhista Larissa Escuder.

As empresas têm a responsabilidade legal de manter um ambiente de trabalho saudável, e podem ser responsabilizadas por indenizar os empregados vítimas de bullying, segundo prevê o Artigo 186 do Código Civil.

A advogada ressalta que a prática do bullying é crime, e quem o comete pode ser condenado a detenção por até dois anos e multa, por atentar contra a dignidade de outra pessoa.

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Além disso, a prática do bullying pode gerar a rescisão indireta do contrato de trabalho, conforme o artigo 483 da CLT. “Ou seja, o empregado que estiver sendo vítima de assédio moral pode ajuizar ação pleiteando a rescisão indireta do contrato de trabalho, que possui os mesmos efeitos da dispensa sem justa causa”, explica Escuder.

Como empresas e vítimas podem lidar com bullying?

Para o psicólogo Lucas Freire, é importante que as empresas adotem medidas preventivas e de combate ao bullying, incluindo a disponibilização de canais de denúncia e escuta. “Quem sofre, precisa ser escutado”, afirma.

“Muitas vezes, as pessoas podem desacreditar nos canais disponibilizados pela empresa, por isso, ela precisa construir credibilidade para que a vítima se sinta confortável, sem ser julgada. Isso pode ser feito por meio de uma assessoria de assuntos externos para gerar escuta e o acolhimento com psicólogos organizacionais, por exemplo”, diz.

Além disso, os líderes devem ser treinados e orientados sobre o tema, acredita Freira. “É muito importante que o líder sirva de apoio, com escuta aberta, franca, de acolhimento, por ser geralmente mais próximo da equipe. Em alguns casos, o bullying no trabalho pode ser cultura que se estabeleceu naquele ambiente ou até mesmo promovido pela liderança”, revela.

A advogada Larissa Escuder ressalta que essa preocupação se tornou ainda maior desde a Lei 14.457/2022, que prevê a obrigatoriedade de treinamentos sobre prevenção e combate ao assédio no ambiente de trabalho, seja de cunho moral ou sexual, sendo, também, obrigatória a disponibilização de canal de denúncias.

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Para a vítima, Freire aconselha acompanhamento psicológico. Segundo ele, é possível que a pessoa supere o problema, mas alguns efeitos geralmente persistem. “Sempre gera traumas, o bullying deixa cicatrizes. Mas isso pode ser trabalhado gradualmente com terapia para a recuperação da autoestima e da percepção da vida por outros ângulos”.

Ecuder recomenda também que a vítima de bullying no ambiente de trabalho procure um advogado de confiança para receber orientações e tomar todas as cautelas necessárias para lidar com o problema, caso deseje denunciá-lo.

Nesses casos, orienta o registro de boletim de ocorrência e denúncia nos canais da empresa. “Se não houver qualquer atitude do empregador (como a dispensa do assediador, por exemplo), a vítima pode pode ajuizar ação pleiteando a rescisão indireta do contrato de trabalho, que possui os mesmos efeitos da dispensa sem justa causa, ou seja, terá direito, entre outros, ao levantamento de FGTS e, se for o caso, seguro desemprego”, diz.

*O nome do entrevistado foi trocado a pedido dele.

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