Faz 8 anos que a publicitária Simone R., 52, não sai de férias. A última vez que ela teve um período de descanso remunerado foi como gerente de eventos em uma agência de propaganda e marketing. Ela passou 17 dias na praia, totalmente desplugada do mundo. Depois disso, nunca mais.
Houve uma onda de demissões na empresa e Simone trabalhou como freelancer até entrar em uma nova agência, onde ficou por 5 anos, sem direito à folga anual. A única parada era coletiva, no recesso entre Natal e Réveillon.
Foi durante a pandemia, quando migrou para o home office e passou a conciliar o trabalho com os cuidados com a mãe idosa, que ela entendeu que a empresa não estava preocupada com seu equilíbrio mental - e que ela mesma não tinha coragem de pedir férias por conta do volume de tarefas sob sua responsabilidade.
A mãe acabou falecendo, vítima da covid-19, e mesmo assim não se tocou no assunto. “A autocobrança era tanta, que me vi mandando e-mail de trabalho assim que cheguei do funeral”, lembra. “No final do ano, eu chorava de cansaço, fazendo relatório de cliente até as 2h da manhã.”
Simone pediu demissão à beira do burnout. Ela relata um quadro de ansiedade que a levou à compulsão alimentar, angústia, insônia e até uma alergia “que vai andando pelo corpo”. A suspeita é que o estresse seja a causa.
Engenheiro largou carreira executiva para cuidar da saúde mental
O engenheiro Fernando Brancaccio, especializado em gestão de pessoas e governança estratégica, conta que teve uma crise severa de burnout em 2013, no auge de sua carreira executiva.
Ele resolveu que não queria mais trabalhar no mundo corporativo daquela forma. CEO e fundador da Fair Job, que faz a mensuração e o cruzamento de dados com foco em saúde mental e segurança psicológica nas empresas, ele fala que há um desequilíbrio de percepção e ação entre as lideranças e os colaboradores a respeito do descanso, indício de que a relação de confiança “não está ok”.
Trocando em miúdos, os colaboradores muitas vezes não se sentem seguros para tirar férias. Se isso acontece, diz ele, a empresa ou é “maravilhosa” ou é muito tóxica.
“O medo de sair expõe um problema mais profundo. Em muitas organizações, as férias ainda são sinônimo de fraqueza, e isso é uma cultura no mínimo inconsequente, geralmente das lideranças”, aponta.
“O burnout nada mais é do que a não-interrupção de longos períodos de estresse crônico. Para isso, existem as férias.”
Ele diz que não é aconselhável tirar menos de 15 dias porque é só na segunda semana que a pessoa de fato vira a chave para entrar no ócio criativo.
Brancaccio também fala que as férias automáticas não são o jeito ideal de gerenciar os períodos de descanso.
Nas pesquisas da Fair Job, muitos colaboradores dizem preferir flexibilidade para casar o descanso com as férias escolares dos filhos, por exemplo.
A melhor prática que os gestores podem adotar para criar um ambiente de confiança, segundo o especialista, é montar uma escala dentro do time, sem esperar que o RH venha tocar o alarme dos 12 meses.
“Quem tem filho, quem não tem, quem pode sair em que período? Precisa entender a importância das férias e já fazer esse escalonamento.”
Medo de ser mal visto na empresa por pedir férias
As férias são um direito garantido pela lei trabalhista brasileira, mas ainda hoje há gestores que torcem o nariz na hora de cumprir a legislação, bem como há colaboradores que protelam o período de descanso até o limite legal por medo de serem “mal vistos”.
Os profissionais, no entanto, estão sinalizando problemas. De acordo com a última pesquisa Global Workforce of the Future, feita em 2022, entre os profissionais que querem mudar de emprego, 35% afirmam buscar mais equilíbrio entre vida profissional e pessoal.
A cada dez trabalhadores, quase quatro dizem ter passado por um burnout, e 23% desses tiveram que pausar a carreira no último ano.
Quando questionados sobre o que as empresas devem fazer para evitar a situação, 41% deles citam encorajar as pessoas a tirar férias anuais.
Empresa subsidia viagem de férias como prêmio
Incluir experiências de férias no pacote de benefícios é uma boa maneira de mostrar aos colaboradores que a cultura organizacional não só respeita o direito trabalhista, como incentiva todos a usufruírem de um descanso de qualidade.
A administradora de empresas Kátia Nunes, analista de qualidade na Run2Biz, conta que tinha o hábito de tirar férias muito picadas, sem viajar.
Foi assim por 4 anos, até que a empresa adotou o benefício da plataforma Férias&Co., que oferece crédito em pontos para viagens a lazer.
Com o incentivo, a analista passou a tirar férias mais longas e visitar lugares que sempre quis conhecer, como Caldas Novas (GO), ao lado da mãe, da irmã e da sobrinha.
Para ela, a iniciativa mostra que a empresa está se preocupando com o bem-estar do time.
“É bem diferente. Só o fato de sair da rotina e ir para outro lugar já traz uma melhora grande para a saúde mental. E isso se estende para a família”, afirma.
Ela diz que outras organizações por onde passou davam férias “por ser lei”, mas não estimulavam de fato as pessoas a saírem. “Aqui eles não só dão o benefício para incentivar, como estimulam a toda hora, inclusive nas reuniões.”
Recorde de adesão
Cofundador e CEO da Férias&Co., Bruno Carone diz que os custos das empresas com saúde mental dispararam globalmente 25% desde a chegada da pandemia, assim como a síndrome do presenteísmo: o colaborador está no ambiente de trabalho, mas só porque “a empresa espera isso dele”.
Ele explica que a pessoa não se sente à vontade para se ausentar porque fica com medo de perder o emprego na volta, mas também não está desempenhando ou sendo produtiva.
“Para esse custo de presenteísmo, o bem-estar está mandando o recado: cuide-se, tire férias”, alerta.
Carone revela que o índice de adesão nas empresas que contrataram o benefício de viagens, atualmente de 70%, é recorde para um benefício não-obrigatório - e a comprovação de que a busca por saúde mental e equilíbrio na equação entre trabalho e vida pessoal são mudanças comportamentais definitivas no mercado de trabalho.
“O que as pessoas mais querem fazer é viajar, e a empresa paga uma parte disso. O engajamento é imediato, ainda mais por envolver também familiares e amigos.”
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