
O Butão revolucionou a forma de medir o progresso ao substituir o Produto Interno Bruto (PIB) pela Felicidade Interna Bruta (FIB), em que a prioridade passa a ser o bem-estar social, psicológico e ambiental. A abordagem influencia políticas públicas e pode ser aplicada ao ambiente corporativo para promover equipes mais engajadas e produtivas. Quem afirma é o responsável por incorporar o FIB no sistema educacional do país asiático, o ex-ministro butanês Thakur Powdyel.
A ideia do FIB nasceu em 1972 no Butão, mas só virou política pública, com medição formal, nos anos 2000. Até então, era propagada como uma filosofia.
Entre 2008 e 2013, Powdel atuou como ministro da Educação. Na época, nascia oficialmente a comissão do FIB para estruturar as nove dimensões do modelo (bem-estar psicológico, saúde, uso do tempo, vitalidade comunitária, educação, cultura, meio ambiente, padrão de vida e governança).
A partir da formalização do índice, Powdyel incorporou um modelo educacional que promovia uma abordagem holística, alinhada aos princípios da felicidade como base para medir o desenvolvimento.
Em entrevista exclusiva ao Estadão, ele revela que o segredo para a produtividade é cuidar das pessoas para que elas consigam cuidar das empresas com eficiência.
“Pessoas felizes criam organizações felizes, e organizações felizes são mais bem-sucedidas e produtivas”, afirma.
Confira trechos da entrevista:
O Butão é pioneiro na ideia de medir o sucesso de um país com o índice de Felicidade Interna Bruta (FIB). O que podemos aprender com essa visão para melhorar a qualidade de vida das pessoas?
O Butão, conhecido como a Joia dos Himalaias, é o berço da visão de desenvolvimento chamado Felicidade Interna Bruta (FIB). Esse conceito representa um claro afastamento do modelo convencional de Produto Interno Bruto (PIB), amplamente utilizado por governos ao redor do mundo para medir o desenvolvimento nacional de forma reducionista e utilitária.
Na época, o rei mais jovem do mundo, Jigme Singye Wangchuck, então com 17 anos, rapidamente percebeu que o PIB não refletia a verdadeira realidade do progresso humano e social, pois mostra apenas uma parte da história deixando de fora a maioria dos elementos não-econômicos ou não-materiais que dão significado e valor à vida.
A Felicidade Interna Bruta, como um paradigma de desenvolvimento holístico e sustentável, baseia-se na crença de que o desejo mais profundo de todos os seres humanos, em qualquer tempo e lugar, é a felicidade.

Ela reconhece que nossas necessidades mais essenciais não são necessariamente materiais ou físicas, mas incluem aspectos sociais, culturais, emocionais, psicológicos, espirituais e éticos que definem quem somos e atendem às nossas aspirações mais profundas.
Thakur Powdyel, ex-ministro do Butão e um dos criadores do FIB
Além disso, o modelo afirma que o propósito da vida não pode ser limitado a um ciclo interminável de produção e consumo, o que teria consequências devastadoras para a saúde e o bem-estar do nosso planeta. Não existe uma relação direta entre o nível de posse material e o nível de felicidade.
Portanto, para garantir a sobrevivência da raça humana e o bem-estar da Terra, precisamos seguir um caminho mais consciente e sustentável, que harmonize as necessidades do corpo com a realização de nossos anseios mais profundos, ao mesmo tempo que cuide do nosso lar compartilhado, o planeta.
No final das contas, a Felicidade Interna Bruta é mais importante do que o Produto Interno Bruto, como proclamou Sua Majestade Jigme Singye Wangchuck, há cerca de quatro décadas e meia.
Thakur Powdel
O índice de Felicidade Interna Bruta (FIB) influenciou políticas públicas em diversos países. Como pode ser adaptado ao ambiente corporativo para promover o bem-estar nas empresas?
As novas dimensões da FIB são dispostas justamente para que sejam determinadas como condições de bem-estar integral e felicidade, inclusive nas organizações. São elas bem-estar psicológico, saúde, uso do tempo, vitalidade comunitária, educação, cultura, meio-ambiente, governança e padrão de vida.
Todas essas dimensões fazem parte do cotidiano organizacional. Diretrizes que prevejam políticas adequadas e boas práticas de gestão, em cada uma dessas dimensões, podem garantir ações determinantes para o bem-estar integral de todos os stakeholders de uma organização.
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A filosofia da Felicidade Interna Bruta baseia-se, sobretudo, no cuidado com as pessoas. E esse papel está no centro dos esforços do reino do Butão, sendo desempenhado pelo próprio Rei.
Portanto, cuide das pessoas, e elas cuidam da sua organização, da sua instituição. Elas são profundamente conectadas, pois pessoas desenvolvidas estão criando organizações felizes, instituições felizes e lares felizes.
Thakur Powdel
A solidão humana vem sendo considerada uma epidemia global. Como essa crise afeta a felicidade individual e coletiva? Qual é o impacto disso dentro das organizações?
Os seres humanos são, por natureza, seres sociais. Portanto, não conseguimos viver sozinhos por longos períodos. No entanto, a solidão não é simplesmente a ausência física de outras pessoas, mas um estado mental ou emocional no qual alguém sente um distanciamento dos outros ou até de si mesmo.
A incapacidade de se conectar significativamente com os outros e estabelecer relações garantidas pode ser resultado das próprias ações da pessoa ou de experiências traumáticas causadas por terceiros. Os efeitos da solidão sobre o indivíduo, sua família, seus entes queridos e até sobre sua organização podem ser extremamente específicos.
A vida é preciosa e sagrada e deve ser protegida e celebrada. Famílias, instituições e a sociedade como um todo devem ser sensíveis e atentos a comportamentos naturais que negam o valor da vida e a alegria de viver.
Felicidade e produtividade podem andar juntas?
Pessoas felizes criam organizações felizes, e organizações felizes são mais bem-sucedidas e produtivas, isso impacta positivamente no bem-estar e a realização de todos os envolvidos.
Um ambiente de confiança, senso de pertencimento, espírito de equipe e solidariedade pode ser um fator determinante para o crescimento e o desenvolvimento organizacional.
Por outro lado, trabalhadores insatisfeitos, que se sentem negligenciados e tratados apenas como meros fatores de produção, podem se tornar um peso para si mesmos e para a instituição.
O objetivo deve ser tratar os funcionários como seres humanos e torná-los verdadeiros participantes do destino das organizações.