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Além de ameaçar seu emprego, robôs também podem atrapalhar busca por nova vaga

Utilização de IA nos processos seletivos está se tornando cada vez mais comum; usuários criticam inscrições longas e falta de transparência

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Foto do author João Scheller
Atualização:

Abrir o computador e pesquisar entre uma infinidade de vagas de emprego, que pedem muitas qualificações e entregam poucos detalhes sobre a posição. Passar por processos de inscrição longos, que, ao incluir testes, respostas dissertativas e envio de vídeos, fazem com que a busca por um emprego se torne cada vez mais demorada.

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Essa é a realidade de Camila Mazzini, que desde que começou sua procura por uma vaga como produtora de eventos em São Paulo não recebeu sequer um feedback “humanizado”. Os retornos - quando existem - são impessoais e feitos por robôs. “É um processo de recursos humanos, mas não tem interação humana”, desabafa.

A procura de uma nova vaga no mercado de trabalho nunca foi tarefa fácil. Preparar um bom currículo, estar pronto para uma entrevista e mostrar suas habilidades de forma prática são tarefas que fazem parte da vida dos candidatos há anos. Mas, com as mudanças que vem ocorrendo com a chegada da tecnologia, tem sido cada vez mais difícil entender a dinâmica de quem contrata.

Com a migração dos anúncios de vagas para o ambiente virtual, diversas empresas começaram a apostar no uso de ferramentas que auxiliam o RH nesse processo. As plataformas oferecem desde o ambiente para anúncio das posições em aberto, passando pelo espaço para cadastro do currículo, até a seleção dos perfis mais adequados para a posição com o uso de inteligência artificial (IA).

Em tese, o processo se torna mais imparcial, ao tirar o elemento humano e seus preconceitos de uma parte relevante do processo. Ao mesmo tempo, a IA pode reproduzir vieses e tornar cada vez mais difícil a compreensão dos critérios utilizados na análise de cada perfil. No final das contas, o robô decide quem será visto ou não.

Processos seletivos demorados e com uso de inteligência artificial para a triagem de candidatos têm se tornado cada vez mais comuns Foto: Daniel Teixeira/Estadão

A frustração de quem sofre com as novidades no processo de contratação, fez com que as críticas se voltassem às principais empresas que operam nesse segmento. Postagens no LinkedIn criticando as principais plataformas de recrutamento on-line são cada vez mais frequentes, mencionando os longos processos de inscrição, falta de feedback e pouca transparência com relação à seleção de cada candidato. “Você passa o dia inteiro procurando vagas, é um processo muito longo e as pessoas estão desempregadas”, afirma Mazzini.

Há relatos que vão além, e mencionam casos de empresas que, após abrir longos processos seletivos on-line, contrataram através de indicação, por conta do grande volume de candidatos inscritos. Ou o caso de candidatos que não receberam sequer um feedback durante o processo seletivo digital, mas foram contratados após aplicar para a vaga diretamente com o RH.

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“A gente não executa o processo para a empresa, nem operacionaliza a ferramente para ela, é o RH que vai executar o processo seletivo por meio da plataforma”, explica Guilherme Dias, cofundador da Gupy, umas das principais plataformas do setor. Entre os clientes da empresa estão Ambev, Grupo Pão de Açúcar, Azul e Santander.

Ele menciona que a empresa tem feito ações para fazer com que os processos seletivos sejam menos penosos para os candidatos, o que inclui desde um assessoramento para utilização da ferramenta até um selo para as companhias que dão feedback com maior frequência. “É algo que não temos muito controle, por mais que a gente tente investir em educação e boas práticas”, afirma.

Outro grande player do setor, a Vagas, que possui clientes como BRF e Unilever, afirmou, via e-mail, que incentiva que as empresas sejam “bastante ponderadas no uso de testes” e que os insira somente nas etapas finais do processo de seleção. A empresa ainda menciona que o grande volume de vagas de responsabilidade de cada recrutador nas empresas pode explicar a dificuldade de lidar com os recursos da plataforma e que tem tomado ações no sentido de educar seus clientes.

Funcionamento do algoritmo

A dificuldade de compreensão do funcionamento da IA é outro ponto criticado por candidatos e especialistas. Apesar das companhias explicarem que seus algoritmos não utilizam dados relacionados a gênero, raça, CEP ou outras informações que possam enviesar o processo seletivo, ainda não é possível garantir que o processo de seleção é isento.

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“Precisamos saber o quanto que essa inteligência artificial, para estar aprendendo, não é afetada por dados passados”, afirma Juliana B. Porto, professora de Psicologia Organizacional da Universidade de Brasília (UnB). Ela explica que há algumas preferências que, apesar de não lidarem com os dados explícitos, podem enviesar o processo seletivo em questões de gênero, por exemplo.

Um exemplo disso ocorreu ainda em 2015, quando a americana Amazon começou a utilizar inteligência artificial para selecionar os candidatos mais adequados para determinadas vagas na companhia. Apesar de não considerar o gênero dos candidatos na análise, a IA priorizava atividades, faculdades e outras informações que se relacionavam mais com candidatos masculinos.

Isso ocorria porque a máquina aprendia com a análise dos processos seletivos realizados por recrutadores humanos nos anos anteriores, que historicamente davam preferência a homens.

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“Existe muita dificuldade para que as empresas digam o que está sendo considerado pelo algoritmo do ponto de vista técnico. Deveríamos saber qual competência está sendo avaliada”, defende Porto, que também é presidente da Associação Brasileira de Psicologia Organizacional e do Trabalho.

As empresas alegam que veem tomando ações para corrigir possíveis falhas no processo de seleção, através de comitês de ética e de análise constante do resultado dos processos.

Na prática, porém, os processos seletivos, ao migrar para o ambiente digital, se tornam cada vez mais opacos. Além disso, excluem aqueles que não tem acesso a bons dispositivos e conexão instável à internet, em uma realidade onde o envio de vídeos de apresentação e o preenchimento de longos formulários tem se tornado cada vez mais regra do que exceção.

Se para os candidatos parece ser cada vez mais difícil disputar uma vaga no mercado de trabalho, as empresas do setor garantem que são a melhor opção. Guilherme Dias, co-fundador da Gupy, por exemplo, afirma que é comum o processo de adaptação com a chegada da tecnologia no setor. Ele é categórico, porém, ao julgar a evolução no processo de recrutamento. “Eu estou muito seguro de que hoje é muito mais justo”, afirma. Nem todos parecem concordar.

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