THE WASHINGTON POST - As empresas de arquitetura e design de interiores estão repensando o local de trabalho físico para acomodar o regime de trabalho híbrido que foi acelerado pela pandemia. Temos salas de reuniões reconfiguradas com tecnologia para conferências, conveniências e estética que se assemelha a de hotéis e cafés da moda, e disposição de assentos baseadas não no número de funcionários, mas na frequência com que cada trabalhador vai ao escritório.
Como chegamos até aqui – inclusive as ideias em evolução sobre trabalho e gestão e a tensão entre o conforto e a produtividade dos funcionários – tem suas raízes nos escritórios do passado.
“O escritório é uma invenção”, disse Agustin Chevez, arquiteto e pesquisador de design de locais de trabalho da Universidade de Tecnologia Swinburne, em Melbourne, na Austrália. “O escritório não é o lugar onde o trabalho sempre foi realizado. [...] É a evolução do local de trabalho. Porque se o escritório foi inventado, ele pode ser reinventado.”
Veja a seguir um resumo de como o espaço do escritório americano mudou nos últimos cem anos e para onde ele caminha.
Décadas de 1920 e 1930: o que importava era a produtividade
Durante esse período, o espaço era organizado para maximizar a eficiência. Em um abandono dos escritórios anteriores – espaços modestos com um pequeno grupo de trabalhadores, muitas vezes da mesma família –, as empresas desenvolveram uma grande estrutura burocrática, com gerentes e supervisores ignorando os funcionários administrativos, disse Melissa Fisher, antropóloga cultural e parte do corpo docente da Escola de Estudos Profissionais da NYU. Os designers aplicavam a lógica da produção da fábrica à estrutura do escritório, organizando um mar de mesas em uma espécie de linha de produção.
Na década de 1930, os próprios edifícios se tornaram uma expressão do conceito de uma organização, disse Jennifer Kaufmann-Buhler, professora de história do design na Universidade Purdue e autora do livro “Open Plan: A Design History of the American Office” (Planta Livre: Uma História de Design do Escritório Americano, em tradução livre). Talvez o exemplo mais conhecido seja o edifício Johnson Wax, que funcionou como sede administrativa da SC Johnson. Projetado por um dos arquitetos mais famosos da época, Frank Lloyd Wright, o prédio foi pioneiro no modelo inicial do design de planta livre, com as colunas peculiares no principal ambiente de trabalho possibilitando um espaço enorme e aberto sem ser dividido por paredes – um exemplo de modernidade, produtividade e inovação.
Wright disse que projetou o edifício de escritórios para ser “um lugar tão inspirador para trabalhar quanto qualquer catedral era para adorar”.
Décadas de 1940 e 1950: formando a linha do horizonte americana
Depois da Segunda Guerra Mundial, o novo interesse na reconstrução acompanhou um desejo por uma nova arquitetura e novas ideias de design corporativo. A construção com estruturas de aço e as consagradas paredes em vidro do Edifício Seagram, um arranha-céu de Manhattan concluído em 1958 que funcionou como sede para uma destiladora canadense, tornaram-se o padrão para as corporações americanas.
“Ela foi pioneira na americanização do estilo internacional, que se tornou o símbolo do progresso e da modernidade para as corporações”, disse Paula Lupkin, professora da Universidade do Norte do Texas que estuda o impacto do capitalismo nos interiores.
A arquitetura da época colocava uma ênfase cada vez maior no prédio de escritórios – onde os gestores trabalhavam – como o centro de uma organização no lugar da fábrica, disse Jennifer. Os edifícios imponentes também eram provas dos feitos da tecnologia moderna, redefinindo a aparência dos centros urbanos.
Década de 1960: os escritórios abertos
Este período marcou o início dos protótipos dos escritórios modernos de planta livre, projetados para ajudar a facilitar a propagação de ideias e informações, não apenas da burocracia. Nas décadas anteriores, segundo Jennifer, “os escritórios eram idealizados como uma máquina para a papelada”, mas o surgimento do conceito de Bürolandschaft – que pode ser traduzido livremente do alemão como “paisagem do escritório” – incorporava uma disposição mais livre do espaço de escritórios no lugar das hierarquias rígidas e escritórios com paredes.
Essa nova forma de idealizar o design do escritório coincidiu com a criação do primeiro sistema de móveis modulares – o Action Office, da Herman Miller, que foi a primeira versão da baia dos dias atuais. O mobiliário modular permitiu que os locais de trabalho se adaptassem ao longo do tempo, deixando de lado as fileiras fixas de mesas do passado.
Os designers também apresentavam a planta livre como espaços mais inclusivos e igualitários, diante do contexto dos movimentos para os direitos civis e das mulheres. Mas o escritório era muitas vezes hostil às mulheres, que estavam sujeitas a agressões, assédio e segregação sexual vertical, enquanto as pessoas não brancas ficavam isoladas ou desempenhavam papéis simbólicos, disse Jennifer.
Década de 1970: o surgimento do processador de texto
O uso cada vez maior de computadores e do processador de texto redefiniram ainda mais o que conhecemos como escritório e trabalho.
“Não há absolutamente qualquer dúvida de que haverá uma revolução no escritório nos próximos 20 anos”, disse George Pake, que chefiou a Xerox PARC, em um artigo na BusinessWeek de 1975 sobre o futuro do escritório. “O que estamos fazendo mudará o escritório, como os jatinhos revolucionaram as viagens e como a TV mudou a vida da família.”
Mas as primeiras ferramentas de automação do escritório, enormes e pesadas, iniciaram um retorno ao trabalho administrativo centralizado, obrigando os escritórios a dispor as máquinas volumosas em áreas definidas para minimizar o ruído que produziam e deixar espaço para as mesas.
Década de 1980: a era das divisórias isoladoras
Conforme os computadores deixavam de ser objetos enormes em salas específicas e passavam a ser caixas posicionadas na mesa de cada trabalhador, o local de trabalho entrou em um estado de maior conectividade, comunicação e arranjos de trabalho dinâmicos.
Durante este período, os móveis do escritório projetados para as máquinas de escrever tiveram que ser adaptados às novas máquinas. As empresas também começaram a aumentar a altura das divisórias, em resposta a uma nova pesquisa que sugeria que uma maior privacidade promovia uma melhor comunicação, disse Jennifer. Mas essas divisórias isoladoras evoluiriam para o que hoje conhecemos como baias, ajudando a consolidar a área de trabalho semifechada como um símbolo do trabalho enfadonho de escritório.
Década de 1990: morte às baias
A sociedade tornou-se cada vez mais hostil em relação às baias e ao escritório moderno. Esse ponto de vista foi eternizado na cultura americana por meio de vários de filmes no final da década, disse Jennifer, mencionando “Como Enlouquecer Seu Chefe”, “Matrix”, “4 Garotas - Uma Grande Confusão”, “Clube da Luta” e “Beleza Americana”.
O uso maior da internet e da tecnologia para networking encorajava a mudança. A computação móvel rompeu com o modelo tradicional de um único trabalhador preso à sua mesa e deu início à separação na relação entre lugar de trabalho e trabalho. A conectividade nos escritórios também ofereceu um novo tipo de escapismo, levando ao aumento da preocupação de que os trabalhadores estivessem perdendo tempo na Internet durante esse período.
Em resposta a esses temores, empresas e designers começaram a experimentar novas versões de escritórios, criando as raízes de uma série de modelos que ganharam destaque durante o período da pandemia – incluindo um afastamento do local de trabalho único e fixo e o surgimento do hotelling (ausência de ambientes definidos para cada trabalhador, o espaço é usado por quem vai ao escritório em determinado período) e do hot desking (uma única mesa usada como área de trabalho por várias pessoas ao mesmo tempo quando elas vão ao escritório), nos quais os trabalhadores reservam um espaço de acordo com a necessidade e usam áreas de trabalho flexíveis.
Anos 2000: o escritório portátil
A tecnologia móvel, como os laptops, proporcionou às empresas e aos trabalhadores uma flexibilidade ainda maior na virada do milênio, provocando mudanças nos escritórios. As empresas foram capazes de reduzir a quantidade de espaço que cada trabalhador precisava, e as salas maiores com divisórias foram frequentemente substituídas por extensas mesas de trabalho brancas, em uma tentativa de incentivo às interações entre os profissionais. O setor de tecnologia – visto como revolucionário, prestes a ter sua explosão de crescimento e atrair uma jovem mão de obra – abriu o caminho, mas o exemplo foi seguido por indústrias consagradas.
“A natureza da colaboração mudou”, disse Chris Swartout, líder global de prática de reaproveitamento arquitetônico da M Moser, empresa de design para locais de trabalho.
Conforme os campi das empresas de tecnologia do Vale do Silício cresciam, eles provocavam uma disputa acirrada de regalias oferecidas nos escritórios: quadras de basquete e aulas de ioga, lavagem a seco, restaurantes, passeadores de cães e massagem terapêutica.
Década de 2010: o megaescritório chamativo e o escritório boutique
Como consequência da crise financeira de 2007-08, as empresas encolheram o quadro de funcionários e começaram a depender mais do serviço terceirizado. Isso desencadeou duas tendências diferentes – de mais profissionais freelancers tendo que se virar com trabalhos sem benefícios corporativos e privilégios dos funcionários contratados, e de crescimento espetacular para o mundo corporativo dos EUA.
Empresas de coworking como a WeWork capitalizaram em cima da mudança, à medida que os trabalhadores autônomos, as startups e outras empresas começaram a adotar mais acordos no estilo boutique com conveniências compartilhadas. Ao mesmo tempo, as plataformas de tecnologia estavam trabalhando para se tornar empresas de trilhões de dólares e passar a mensagem de seu novo lugar no mercado e no mundo.
Elas disseram adeus às divisórias e deram as boas-vindas ao design mais ambicioso dos escritórios. Gigantes da tecnologia como a Apple e o Facebook construíram sedes corporativas enormes e futuristas. O principal edifício da Apple, uma construção circular com paredes transparentes, tem um lago e um pomar na parte interna.
O Building 20 do Facebook conta com uma sala de trabalho enorme com aço exposto, pisos de concreto e fios pendurados de um teto com pé direito alto, evocando a energia frenética de uma startup. Como o Post publicou em 2015, durante uma visita ao campus: “O edifício se destaca como um exemplo extremo de como as empresas do Vale do Silício pretendem mudar a natureza do trabalho por meio não apenas dos softwares”.
Década de 2020 e depois: híbrido, em qualquer lugar, tudo ao mesmo tempo
“A resposta não é mais a mesma para todos”, disse Annie Draper, diretora especializada em espaços flexíveis para escritórios da incorporadora imobiliária global e investidora Hines. As empresas costumavam ficar presas a contratos de aluguel longos para abrigar seus escritórios e acomodar os funcionários. Mas com uma mão de obra trabalhando em esquema mais híbrido e temporário, elas estão adotando uma estratégia mais personalizada.
As disposições flexíveis do escritório refletirão melhor as necessidades dos trabalhadores, seja a ênfase na produtividade, colaboração ou apenas um simples, bom e velho tempo de silêncio, disse Janet Pogue McLaurin, diretora global de pesquisa sobre o local de trabalho da Gensler, empresa global de arquitetura, design e planejamento. Segundo Janet, até dentro da mesma organização, há uma percepção de que pessoas diferentes trabalham melhor em ambientes distintos.
A tarefa de trazer as pessoas de volta ao escritório também envolve uma tática do design de interiores que combina estilos residenciais e comerciais, dando à mobília do escritório uma cara mais acolhedora e aconchegante, com áreas de descanso e espaços para interação menores para despertar um clima de “centro de atividades não caótico”, disse Jason Romine, gerente de projeto da JPC Architects. As pessoas querem uma mudança de cenário e um espaço que pareça diferente da própria casa, disse Phil Logsden, designer de interiores sênior da JPC Architects. O objetivo, disse ele, é fazer com que o escritório valha a pena o deslocamento.
“A última coisa que você quer é que o escritório se torne uma obrigação”, disse Annie. “Você quer que ele atraia as pessoas.” /TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA
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