‘Saiam da minha empresa agora’, ‘Deus me livre de mulher CEO’: 5 vezes em que CEOs perderam a linha

Para especialista, responsabilidade social muitas vezes é negligenciada devido ao ‘encastelamento’ de CEOs, o que gera baixa consciência de classe e um deslocamento da realidade

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Por Redação
Atualização:

No dia 15 de novembro deste ano, o empresário Baldvin Oddson, CEO da loja online de instrumentos musicais Musicians Club, sediada em Wyoming, nos EUA, demitiu 90% de sua equipe. O motivo foi que apenas 11 funcionários, de um total de 110, estavam presentes em uma reunião matinal no horário marcado, às 8h30. “Para aqueles que não compareceram à reunião esta manhã, considerem este seu aviso oficial: todos vocês estão demitidos”, escreveu Oddson no Slack, uma plataforma de trabalho que transmite mensagens instantâneas.

Casos como o de Oddson costumam chamar a atenção. Muitas vezes, até mesmo declarações de CEOs dadas fora do ambiente profissional podem repercutir de forma negativa. Uma delas foi quando Tallis Gomes, então presidente e cofundador da escola de negócios G4 Educação, publicou um texto em sua conta no Instagram dizendo que mulheres que são CEOs de empresas não fazem “melhor uso da energia feminina”. “Deus me livre de mulher CEO”, escreveu.

Declarações de CEOs, mesmo feitas fora do ambiente profissional, podem repercutir de forma negativa.  Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

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Em outro caso, o australiano Tim Gurner, CEO do Gurner Group, disse que o desemprego deveria subir para que empresas tivessem mais poder sobre o funcionário. “Nós precisamos ver dor na economia”, afirmou Gurner.

Já Matt Garman, CEO da Amazon Web Services, ao abordar a exigência de que os trabalhadores fossem presencialmente ao escritório, disse que os descontentes deveriam procurar outro lugar para trabalhar.

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Por meio de sua conta no TikTok, Jane Lu, CEO da gigante da moda Showpo e estrela do Shark Tank Austrália, criticou publicamente um currículo que havia recebido, gerando uma reação mista na internet. “Acho que acabei de receber potencialmente a pior candidatura de emprego de todos os tempos”, afirmou.

Responsabilidade

“Isso é sintomático”, diz Felipe Urbano, especialista e consultor em liderança, além de autor do livro “Por uma Liderança Possível”. Para ele, em todos os casos, os executivos realmente “perderam a linha”. “As expressões dessas matérias são um sintoma de baixa agenda de formação e clareza sobre o papel que precisa construir na sociedade, uma baixa visão (social) que mostra um descolamento da realidade”, afirma Urbano, também doutorando em Liderança na Fundação Getúlio Vargas (FGV).

De acordo com Urbano, todas as posturas envolvem questões de responsabilidade em três níveis: desafios de responsabilidade executiva, que podem incluir uma baixa formação ou preparo; responsabilidade institucional, onde CEOs fundadores podem enfrentar dificuldades; e responsabilidade social, que é afetada pelo isolamento ou “encastelamento” dos CEOs.

“Esse ‘encastelamento‘ leva a uma câmara de eco, onde os líderes deixam de acessar informações externas e ouvir vozes divergentes, limitando sua compreensão do mundo e das necessidades sociais dentro de suas empresas”, afirma Urbano.

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Ele diz ainda que as pressões internas e externas acabam por influenciar o comportamento e as decisões dos líderes empresariais. Segundo ele, as pressões internas estão mais relacionadas ao comportamento individual, enquanto as externas referem-se ao ambiente, incluindo o macroeconômico e as condições de mercado, que moldam as respostas e estratégias dos chefes.

Urbano diz que muitos dos casos citados são de CEOs fundadores, ou seja, aqueles que criaram as empresas que vieram a comandar. “Muitos não passaram pela formação executiva tradicional. Isso pode levar a uma baixa compreensão, uma agenda de formação deficiente e uma visão distorcida da realidade”, afirma.

Para o especialista e consultor em liderança, os casos mostram erros e até ações deliberadas, que reforçam a necessidade de uma formação social e do papel do executivo. “Eu não sinto que eles não sabem disso, é que se esquecem mesmo”, analisa.

Relembre os casos citados acima

1. ‘Saiam da minha empresa agora mesmo’

Baldvin Oddson, CEO da Musicians Club, uma loja online de instrumentos musicais nos EUA, demitiu 90% de sua equipe, totalizando 99 de 110 funcionários e freelancers, por não comparecerem a uma reunião matinal. A história foi publicada pela Fortune.

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A maioria dos demitidos eram estagiários remotos não remunerados, muitos estudantes de música clássica. A decisão, comunicada via Slack, gerou agitação interna e críticas pela falta de aviso e pela dificuldade de coordenar horários devido à natureza remota do trabalho. “Das 110 pessoas, apenas 11 estavam presentes esta manhã. Essas 11 podem ficar. O resto de vocês está demitido. Saiam da minha empresa agora mesmo”, afirmou.

Oddson defendeu a ação no LinkedIn, alegando que fortaleceu a organização e aumentou o tráfego e vendas do site, recebendo centenas de inscrições para novas vagas. Apesar das críticas e tentativas de cancelamento, Oddson manteve sua posição, argumentando que a decisão foi correta para a empresa, que agora está contratando novamente

2. ‘Deus me livre de mulher CEO’

Tallis Gomes, cofundador da G4 Educação.  Foto: Taba Benedicto/Estadão

Tallis Gomes, cofundador da G4 Educação, causou polêmica com comentários no Instagram desvalorizando mulheres CEOs, o que levou a críticas, especialmente de ex-alunas e várias executivas, entre elas Luiza Trajano, da Magalu.

As declarações foram feitas quando ele respondia a perguntas em seu perfil na rede social. Ele argumentou que mulheres em cargos de liderança tendem a “masculinizar-se”, colocando a família e o parceiro em segundo e terceiro planos, respectivamente. Gomes sugeriu que isso não é o “melhor uso da energia feminina” e afirmou que um homem não conseguiria ser a base de uma família sob essas circunstâncias.

Publicação de Tallis Gomes, na qual ele disse 'Deus me livre de mulher CEO'; publicação de retratação foi feita no dia seguinte.  Foto: Reprodução/Instagram

Após os comentários, ele pediu desculpas, dizendo que suas palavras foram mal escolhidas e não refletiam sua visão sobre a capacidade das mulheres em liderança, mas sim uma preferência pessoal. Ele também afirmou que havia “errado feio”. A G4 Educação se distanciou das declarações de Gomes e ele foi substituído por Maria Isabel Antoninil, que assumiu como a nova CEO.

3. ‘Nós precisamos ver o desemprego subir’

Tim Gurner, CEO do Gurner Group na Austrália, causou indignação ao sugerir que o desemprego deveria aumentar para dar mais poder às empresas sobre os funcionários, alegando que a pandemia tornou os trabalhadores “arrogantes”, segundo reportagem do Washington Post.

Tim Gurner, CEO na Austrália, desejou que o desemprego aumentasse.  Foto: Reprodução de Vídeo/Twitter

Em uma cúpula imobiliária, Gurner afirmou que a economia precisa de “dor” e que o desemprego deveria saltar para combater a queda na produtividade e a atitude dos trabalhadores que, segundo ele, veem os empregadores como sortudos por tê-los.

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Seus comentários foram criticados por figuras públicas, incluindo o parlamentar australiano Jerome Laxale e a deputada dos EUA Alexandria Ocasio-Cortez, que destacaram as consequências sociais negativas e a disparidade salarial entre CEOs e trabalhadores. A taxa de desemprego na Austrália está em 3,7% e Gurner já enfrentou controvérsias por comentários sobre o estilo de vida da geração millennial.

4. ‘Há outras empresas por aí'

O CEO da Amazon Web Services, Matt Garman, expressou de forma direta que os funcionários insatisfeitos com a política da empresa de obrigar funcionários a retornarem ao escritório cinco dias por semana, deveriam considerar trabalhar em outro lugar. “Se há pessoas que simplesmente não funcionam bem nesse ambiente e não querem, tudo bem, há outras empresas por aí”, disse Garman.

Essa posição surge após um movimento de resistência dos funcionários, com cerca de 16 mil unindo-se em um canal do Slack e uma petição contra a política de retorno ao escritório. A partir de janeiro de 2025, a Amazon exigirá que os funcionários estejam presentes no escritório todos os dias úteis, uma mudança significativa em relação à política anterior de três dias por semana.

Garman argumenta que a inovação e a colaboração são comprometidas no modelo de trabalho híbrido, citando a falta de progresso significativo sob esse regime. A decisão tem enfrentado críticas dos funcionários nas redes sociais e canais internos, com alguns expressando preferência por oportunidades de trabalho remoto em outras empresas.

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5. ‘Pior candidatura de emprego de todos os tempos’

Jane Lu, CEO da Showpo e estrela do Shark Tank Austrália, criticou publicamente um candidato, identificado como Benjamin, pelo que ela classificou como “aplicação preguiçosa para um emprego”, destacando o uso do ChatGPT sem revisão pelo candidato. “Acho que acabei de receber potencialmente a pior candidatura de emprego de todos os tempos”, disse Jane Lu no TikTok, segundo reportagem da Fortune.

O video teve mais de 30 mil curtidas e gerou reações mistas nos comentários, já que alguns riram, e outros relatam experiências de contratação nada positivas. A crise de desemprego global, impulsionada pela IA e pandemia, leva 40 milhões a usar a hashtag #OpenToWork na rede social corporativa LinkedIn, mostrando que estão em busca de um emprego.

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