O CEO do Club Med na América do Sul, o francês Janyck Daudet, começou sua carreira na empresa de resorts há 40 anos como instrutor de esqui aquático na antiga Iugoslávia (região atual entre Croácia e Sérvia) durante as férias. Após um convite para trabalhar definitivamente na empresa, o francês decidiu abandonar a faculdade de economia e trabalhar na ilha de Martinica, no Caribe.
Hoje seu trabalho é de causar inveja. O escritório fixo dele é no Rio de Janeiro, mas ele vive viajando para lugares incríveis. " Tenho uma vida encantadora, sou um cara do mundo e viajo muito. É maravilhoso porque sempre estou em lugares lindos. Não posso reclamar”, afirma.
Ele cresceu rapidamente na companhia e aos 25 anos se tornou o gerente geral mais jovem da história da empresa. Daudet liderou, ainda, o lançamento do maior veleiro do mundo. Contudo, foi no Brasil que ele encontrou seu verdadeiro espaço como líder. Aos 67 anos, ocupa atualmente a posição de CEO para a América do Sul e destaca que sua longa permanência na mesma empresa lhe proporciona muitas vantagens como gestor e otimiza seu tempo.
“Depois de tanto tempo no mesmo lugar, é difícil que alguém me enrole, porque conheço todo o operacional”, conta. “Quando entro em um resort, em 20 minutos, já percebo o ambiente, o clima, desde a recepção até a apresentação da comida, se está bem cuidada ou não.”
Confira trechos da entrevista:
Como foi o início da sua carreira?
Desde cedo, eu trabalhava para ganhar uma graninha como professor de esqui aquático, em Reims, na França, porque meus pais sempre estiveram ligados ao mar, então aprendi a esquiar muito jovem, chegando até a competir um pouco ao nível regional.
Um dia um colega chegou e falou sobre o Club Med, que era um resort de férias presente no mundo, que tem muita atividade, e eu fiquei encantado. Candidatei-me para trabalhar nas férias e fui chamado para a então Iugoslávia (país que não existe mais e deu origem a outros, como Croácia e Sérvia).
Depois de dois meses voltei para a faculdade de economia, mas seis meses depois me chamaram para trabalhar na Martinica, uma ilha francesa. Meu pai falou que eu era louco, mas larguei a faculdade e fui mesmo assim. Eu nunca imaginei que dava para crescer lá dentro, mas o gerente geral viu potencial em mim e fiz alguns estágios, fui crescendo até que virei o gerente mais jovem da história do clube aos 25 anos.
Recebia 700 clientes e gerenciava 300 pessoas. Depois trabalhei em Paris como diretor do produto e um mês e meio depois fui chamado para lançar um novo produto: o maior veleiro do mundo. Fiquei seis anos como diretor-geral do barco e depois fui chamado para assumir o Brasil há 25 anos e estou aqui até hoje.
Como é seu dia a dia de trabalho?
Tenho uma vida encantadora. Desde que comecei a minha carreira, sou um cara do mundo e viajo muito. Só para você ter uma ideia cheguei ontem da França, fui divulgar nosso produto de esqui no país e essa semana estarei no nosso resort em Mangaratiba, no Rio de Janeiro para uma reunião com gerentes do Brasil. Então é maravilhoso porque sempre estou em lugares lindos. Não posso reclamar.
O que trabalhar no Brasil o ensinou sobre gestão?
Sou um gestor, mas acima de tudo, considero-me um líder. Aprendi muita coisa no Brasil, aprendi a respeitar todas as pessoas e a importância de dar oportunidade a todos. Isso é uma coisa que tenho dentro de mim porque a empresa me proporcionou isso quando comecei e, e ao longo dos anos, continuo a me desenvolver e aprender diariamente, encontrando satisfação no que faço.
Aprendi a valorizar a diversidade cultural no Brasil, principalmente a gentileza característica dos brasileiros. Os franceses tendem a ser mais rígidos, mas aqui aprendi que por meio da gentileza é possível conquistar mais do que com uma abordagem dura. Ao ser gentil e ouvir, as pessoas têm espaço para se desenvolver, enquanto a rigidez pode levá-las a se fechar.
Quais as diferenças na cultura do trabalho aqui e na Europa?
Embora mantenha padrões elevados em relação à qualidade do trabalho e ao desempenho da minha equipe, prezo pela humanidade. Na Europa, percebo uma abordagem menos humanizada, enquanto o brasileiro é muito mais humano.
Além disso, os brasileiros conseguem separar claramente o ambiente de trabalho dos momentos de relaxamento, convívio familiar e social.
Na Europa, temos uma ênfase excessiva no trabalho, o que pode levar a um desequilíbrio, enquanto os brasileiros conseguem desligar, mesmo após uma semana intensa de trabalho.
Os brasileiros têm a habilidade de se desconectar quando chega a sexta-feira, respeitando o equilíbrio entre trabalho, família e momentos de lazer.
A liderança está passando por muitos desafios de gestão. Quais são as suas estratégias para liderar equipes tão diversas?
A questão geracional é muito importante para nós, porque lidamos com uma equipe composta por muitos jovens. Existem duas categorias distintas de pessoas nesse contexto.
Por um lado, temos os jovens extremamente acelerados e os profissionais mais experientes. É crucial compreender que não se pode abordá-los da mesma forma que uma pessoa de 40 ou 50 anos. Precisamos aceitar alguns comportamentos mais imediatistas entre os jovens.
Ele quer promoções rápidas, mas em termos de liderança, é fundamental explicar que, embora seja possível acelerar as promoções, há um percurso a ser respeitado, e é preciso desenvolver sabedoria antes de assumir mais responsabilidades.
O desafio atual para os líderes é conciliar essa geração jovem, caracterizada pela aceleração e comportamentos específicos, com os mais experientes, que podem ser mais lentos, mas possuem a experiência.
Nesse sentido, os gestores precisam proporcionar liberdade à equipe, permitindo que atuem de forma autônoma. Mas mantendo algum nível de controle.
Qual é a principal vantagem de estar tanto tempo em uma mesma empresa?
A camisa da empresa está praticamente grudada em mim. Com toda a minha experiência, consigo otimizar o tempo. Depois de tanto tempo no mesmo lugar, é difícil que alguém me enrole, porque conheço todo o operacional.
Quando entro em um resort, em 20 minutos, já percebo o ambiente, o clima, desde a recepção até a apresentação da comida, se está bem cuidada ou não.
A experiência é valiosa para um líder, mas o perigo é acomodar-se e perder o desejo de inovar, de criar. Ignorar o que não se sabe não é uma opção viável.
Teve algum momento-chave na sua vida, algum episódio específico que você considera que tenha mudado tudo na sua carreira?
Vejo a pandemia como um período que me fortaleceu bastante, porque representou uma experiência de sobrevivência. Nós quase morremos enquanto a empresa lidava com o fechamento de todos os resorts na época. Foi um aprendizado. Anteriormente, contávamos com 1.400 funcionários na América do Sul, mas foi necessário reduzir pela metade.
A outra metade conseguimos manter, pois tínhamos a consciência de que a retomada exigiria mão de obra. Assim, essa sobrevivência foi extremamente desafiadora, mas aprendi a superar tempestades e a emergir mais forte no futuro. Foi uma encruzilhada na minha vida.
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