Entenda o que é comunicação não-violenta e por que as empresas estão em busca de treinamento

Com o home office, a procura por ferramentas para ajudar numa comunicação mais assertiva e empática cresceu 80% entre 2020 e 2021

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ESPECIAL PARA O ‘ESTADÃO’ - Uma situação que provavelmente já aconteceu com todos, na vida pessoal ou no trabalho, é mandar uma mensagem por WhatsApp ou e-mail e perceber que o destinatário se sentiu ofendido, quando não era essa a intenção. Ou, no caminho inverso, receber uma mensagem de alguém e achar que a pessoa foi descuidada, grosseira ou impaciente. Só que, ao ser interpelado a respeito, o remetente se vê confuso: “não foi nada disso que eu quis dizer”. E haja conversa para resolver o mal-entendido.

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Com a mudança para o home office e a consequente transformação na comunicação entre colaboradores, times e gestores, esse problema caiu no radar das empresas, que passaram a buscar ferramentas e treinamentos para evitar as “falhas de transmissão”. São instrumentos que auxiliam as pessoas a se comunicarem de forma assertiva e empática, tanto na escrita como na fala.

De acordo com o Instituto CNV Brasil, especializado em comunicação não-violenta, a busca por treinamentos corporativos aumentou 80% de 2020 para 2021. Além disso, dobrou a demanda das empresas por treinamentos mais longos (acima de 9 horas) no primeiro semestre de 2022, em comparação ao mesmo período do ano anterior.

Liliane Sant’Anna diz que comunicação não-violenta trabalha empatia, segurança psicológica e confiança para uma comunicação mais assertiva Foto: Kaka Lossio

Segundo a cofundadora do instituto, Liliane Sant’Anna, a CNV trabalha competências como empatia, segurança psicológica e confiança para uma comunicação mais assertiva. “É uma ferramenta que faz com que as pessoas se escutem e se entendam melhor. Serve para a conversa não virar um cabo de guerra, mesmo que o assunto seja difícil”, explica.

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Especialista em psicologia positiva e ciência do bem-estar, ela explica que a redução do tempo de contato causada pelo home office é só uma das dores da comunicação no trabalho. “O modelo antigo do ‘eu mando e você obedece’ também começou a ser questionado. As pessoas agora querem se nutrir do trabalho, pertencer ao grupo, ter propósito. E aí a urgência por uma comunicação de mais escuta e sem julgamentos começou a aumentar”, afirma ela, ressaltando que quando se fala em violência na comunicação, não é só sobre bate-boca, mas sobre as entrelinhas.

“Muitas vezes a violência é sutil. A pessoa quer causar sentimento de culpa, medo ou vergonha no outro para que ele queira fazer algo para ela. Ao mesmo tempo, não se coloca disponível para o outro”, exemplifica.

A falta do olho no olho

Segundo Mário Reys, diretor geral da KTBO no Brasil, a agência sempre viu a segurança psicológica como uma competência importante para enfrentar desafios diários e gerir eventuais conflitos com tranquilidade, mas a pandemia teve um impacto significativo nisso ao impossibilitar a comunicação frente a frente. “No momento em que passamos a interagir somente a distância, seja por e-mail ou celular, perdemos nuances importantes de postura, ritmo e tom de voz, por exemplo. Uma simples conversa, com palavras fora do lugar, pode gerar um entendimento equivocado e terminar em um desentendimento”, diz.

Ele conta que a agência buscou o treinamento de CNV quando notou uma tendência: as pessoas estavam cada vez mais imersas nos próprios problemas sem considerar o que está acontecendo do outro lado. “Depois de meses de pandemia, ter atenção e cuidado ao falar ou escrever passou a ser um tema ainda mais importante. A comunicação não-violenta é uma ferramenta decisiva para que a agência preserve, acima de tudo, o respeito e a empatia em todas as nossas relações.”

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A mudança do time no cuidado com a forma de falar foi imediata, segundo o diretor. “Hoje é nítido que há um esforço na escolha das palavras certas e, principalmente, que a mensagem que vai ser recebida seja a mesma que a enviada.”

“Por que” em vez de “quem”

No caso da Ambev, a transformação digital provocou uma série de mudanças, resultando na transformação do próprio negócio e na evolução da cultura da empresa. “Ouvimos, nos abrimos, aprendemos e entendemos que um dos assuntos em que precisávamos evoluir era a segurança psicológica - e, com ela, o principal fator a se desenvolver era a confiança”, afirma a gerente de treinamento e desenvolvimento da Ambev na América do Sul, Paula Tibau.

Paula Tibau, da Ambev, diz que segurança psicológica era um dos assuntos que precisava evoluir Foto: Divulgação/Ambev

A ideia foi trabalhar a confiança através de um espaço em que as pessoas tivessem liberdade para expressar o que elas realmente sentiam no ambiente de trabalho, sem deixar de optar por conversas difíceis quando necessário, de acordo com a executiva. “Optamos por treinar grande parte da nossa liderança em práticas da comunicação não-violenta para que fosse compreendido por todos que essa era a abordagem que nós, como área de desenvolvimento da companhia, acreditamos que deveria ser seguida”, fala.

Ao longo do treinamento, ela conta que foi importante trazer exemplos reais do dia a dia para que os líderes, do nível mais júnior ao mais sênior, pudessem se imaginar em situações urgentes, sanando problemas complexos e demandas de alta cobrança, mas sempre com inteligência emocional e autocontrole através da comunicação não-violenta.

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Com práticas de autoconhecimento e exemplos de abordagens da CNV, o objetivo era também que os líderes enxergassem na resolução de problemas complexos uma oportunidade de aprendizado e não da culpabilização de terceiros, disse ela. “O nosso objetivo com a criação dos treinamentos era que a primeira pergunta na cabeça do nosso time de líderes ao resolverem situações adversas fosse ‘por que’ e não ‘quem’”, exemplifica.

Impacto nos resultados

Para Bruna Okamoto, diretora de RH da Mundo Móveis, empresa de Birigui (SP) com 300 funcionários diretos e 65 indiretos, cuidar da comunicação é fundamental por se tratar da base de atuação de todas as relações e interações sociais. Por lá, a comunicação não-violenta e o incentivo para que a equipe se expresse de forma clara, amigável e respeitosa, com empatia e abertura para ouvir, é uma prioridade do dia a dia. “Implantamos os treinamentos sobre esse tema pensando na qualidade de vida e no bem-estar psicológico dos colaboradores que fazem parte da empresa, assim como em um ambiente mais acolhedor, onde haja mais harmonia e menos discussões”, explica.

A prática abrange desde a forma como os colaboradores abordam os colegas de trabalho até como os resultados das metas diárias são cobrados. “Uma abordagem menos respeitosa pode trazer vários problemas, inclusive no que diz respeito ao clima organizacional, retenção de talentos e até mesmo a produtividade”, diz a executiva, destacando que, desde que iniciaram os treinamentos, não só a comunicação mudou, mas também os resultados.

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“Percebemos uma significativa melhora no desempenho individual, com mais sinergia entre as equipes e mais empatia em relação ao trabalho de outros departamentos. Antes podíamos notar uma visão mais ‘departamentalista’, onde cada um olhava mais para o trabalho de sua área, e hoje vemos um trabalho mais coletivo e voltado aos resultados da organização”, observa.

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