Chegar a uma posição de liderança não é para qualquer um. Você pode ser ótimo no que faz, mas isso não é o suficiente para ter o crescimento vertical como condutor da carreira. Para alcançar o topo, seja como diretor, sócio ou CEO de uma mesma companhia, é preciso disciplina, bons relacionamentos e apoio da liderança. Essa é uma das fórmulas de executivos que decidiram trilhar carreira dentro de uma única empresa, começando como estagiário e passando por várias etapas corporativas.
Em tempos de grande rotatividade e imediatismo no mercado de trabalho, persistir numa trajetória de longo prazo exige dedicação e planejamento. Mas, muitas vezes, o caminho segue rumos inesperados. Um dos casos mais recentes dessa ascensão é o novo CEO da Gol, Celso Ferrer, que substituiu Paulo Kakinoff no comando da companhia aérea.
O executivo, de 39 anos, sempre sonhou em ser piloto de avião. Como esse é um processo caro e demorado, decidiu começar a estudar economia e conseguiu um estágio na Gol, na área de Revenue Management, setor que atende a demanda do mercado aéreo, alinhando preços, canais e investimentos. Efetivado, Ferrer continuou na companhia, subindo de cargo em cargo, ao longo de 17 anos.
Dentro da empresa, ele ainda conseguiu realizar o sonho de se tornar piloto. Por três anos, abandonou as funções executivas e atuou como co-piloto. Em 2019, ele recebeu um convite para voltar numa posição executiva, na área de frota. Aceitou, mas com a condição de que continuaria voando com a companhia - e continua assim até hoje, como CEO.
“Seguir voando como piloto também me ajuda a ser um bom executivo, já que nunca deixo de sentir o que de verdade é uma companhia aérea, além de poder olhar no olho do cliente, sendo também ouvinte para suas sugestões e críticas”, conta.
Na aviação, o conhecimento superficial não ajuda, explica Ferrer. É uma atividade que pressupõe um mergulho profundo, especialmente nos temas operacionais e de negócio. Subir os degraus da escada corporativa em uma única empresa permite um conhecimento holístico dos processos e uma visão clara dos propósitos da companhia.
“É preciso ter esse olhar de longo prazo como guia. Esse dinamismo da aviação nos traz desafios diários e, para conseguir superá-los, é preciso ter persistência, paixão e dedicação”, diz o CEO, que está a frente da companhia desde julho de 2022.
Enquanto os profissionais trilham seu caminho, as empresas têm o papel de apoiar a progressão de carreira dos funcionários desde a base, evitando a perda de talentos. O Brasil tem hoje a maior taxa de rotatividade de funcionários do mundo, e isso custa caro para as empresas. Numa análise feita pela Robert Half, em 2022, 56% dos executivos C-level no País perceberam aumento do turnover (rotatividade) em relação ao período pré-pandemia.
Segundo o diretor-geral da empresa de recrutamento, Fernando Mantovani, o desafio é ter um processo eficiente que monitora, identifica e cuida desses profissionais que podem fazer parte do futuro da liderança da organização.
“As pessoas vão embora por quatro motivos: relação com o líder, qualidade de vida, remuneração e oportunidade de carreira. Trabalhar a retenção olhando para esses pilares é a respostas para resolver quase todos os seus problemas”, explica ele.
Dez cargos
Há 15 anos, Isabella Zakzuk vem trilhando sua carreira na multinacional americana P&G. Hoje vice-presidente para América Latina em Inovação e Comunicação do portfólio de cuidados com o cabelo, ela entrou na companhia em 2007 como estagiária de marketing. De lá para cá, atuou em diversas frentes da companhia.
Nesse tempo, passou por dez cargos, em diferentes unidades de negócio, até chegar a vice-presidência em março de 2023. Para ela, o diferencial foi um plano bem estruturado de carreira e de desenvolvimento desde o programa de estágio. “Essa é a mágica. Fazer com que a gente esteja desde o primeiro dia até hoje sendo aprendizes e vivendo experiências diferentes na mesma companhia”, conta.
No JP Morgan desde o estágio, Raquel Smynniuk é head de pagamento e benefícios desde 2018. Seja em sua experiência pessoal ou observando os novos estagiários que entram no banco, além dos benefícios e de um plano de carreira bem estabelecido, para que as pessoas fiquem na empresa, ela acredita que os profissionais precisam se sentir valorizados e parte da companhia.
Os grupos de afinidade também contribuem nesse processo, ao se tornarem centros de apoio. “Quando você tem de abrir mão de quem você é ou dos seus valores, não importa o salário que você ganha, o custo é muito alto para se pagar, então as pessoas vão procurar outras oportunidades, outros lugares”, afirma.
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Disciplina em diferentes setores
A trajetória de um advogado, da base ao topo, é tradicionalmente bem estabelecida. Após o estágio e com a OAB em mãos, o profissional se torna um advogado júnior, pleno, sênior e, por fim, pode ser convidado para ser sócio do escritório. Este é o caso de Felipe Omori, sócio do KLA Advogados.
Há mais de 15 anos na empresa, o advogado passou por todas essas posições e foi conquistando espaço, pouco a pouco. O início, como estagiário, permitiu que Omori desenvolvesse um olhar mais atento e conhecimento amplo dos processos internos. Ele também destaca a importância da disciplina, da organização e da proatividade em sua trajetória profissional.
“Quando você está começando você ainda não tem toda essa visibilidade de onde vai chegar. Você está mais preocupado em fazer o seu trabalho, porque percebe que não sabe nada do direito e que precisa aprender rapidamente”, diz.
Reconhecer e explorar os pontos de melhoria são algumas das principais competências para se manter competitivo no mercado de trabalho. Com Felipe Omori não foi diferente. Ele conta que a virada de chave da sua carreira foi logo após uma reestruturação do escritório, quando recebeu a primeira oportunidade para coordenar uma equipe inteira.
A necessidade de desenvolver suas competências gerenciais fez com que ele buscasse um curso, que preparava advogados para o mundo digital e de inteligência emocional. Essas ferramentas adicionais ajudaram na criação de sua imagem perante os superiores e também respaldou seu trabalho em relação a quem estava sendo gerido por ele. Quatro anos depois da sua primeira experiência como gestor, ele recebeu o convite para se tornar sócio. “Não é só passar uma imagem (boa) para quem está acima, mas saber se quem está abaixo está infeliz.”, conta.
Isabella Zakzuk destaca que ao ocupar novos cargos na empresa, ela buscava tirar o máximo de cada oportunidade que surgia. A vice-presidente da P&G conta que buscar sempre aprender e desenvolver novas habilidades, interagindo com diferentes líderes e participando de programas de mentoria, foi fundamental para seu sucesso na empresa e para que as pessoas conhecessem e reconhecessem seu trabalho.
“É importante se colocar na posição de aprendiz, sendo curioso sobre o que está ao nosso redor ou estando aberto aos feedbacks para se tornar a melhor versão de si”, comenta ela.
Isso também significa respeitar o tempo das coisas, explica Fernando Mantovani, da Robert Half. Para ele, o ser humano é cada vez mais imediatista, o que pode resultar em um atropelamento das etapas importantes do desenvolvimento dos profissionais. “Uma empresa é uma pirâmide, então quanto mais no topo maior a escassez. A progressão não acontece da noite para o dia. São 10, 15 anos tendo projetos, funções e desafios diferentes até chegar ao topo.”
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