Os testes online servem para que as empresas consigam filtrar os melhores profissionais de acordo com seus conhecimentos técnicos. Essa ferramenta ajuda recrutadores a encontrar o candidato que tenha os requisitos ideais para uma função, mas, na prática, pode acabar afastando essas pessoas. Segundo levantamento feito pela Revelo a pedido do Estadão, 30% dos candidatos aptos para uma vaga sequer realizam essas provas. E, antes de chegar nessa fase, as empresas já perdem, aproximadamente, 20% dos profissionais disponíveis, que acabam não sendo pré-selecionados por falta de informações no currículo.
Entre os candidatos que chegam a realizar os testes, 60% não conseguem passar para a próxima etapa, seja por reprovação ou por deixar a avaliação incompleta. "Os processos seletivos hoje em dia precisam mostrar empatia, e testes técnicos não conseguem fazer isso. Além disso, essa é uma ferramenta que analisa a situação do candidato em relação às suas competências técnicas naquele instante, não seu potencial de aprendizado ou competências comportamentais (as chamadas soft skills)”, afirma Juliana Carneiro, diretora de marketing e experiência do candidato da Revelo, startup de recrutamento e seleção.
Para esse levantamento, foram analisados dados de 45 mil buscas na plataforma da Revelo realizadas por recrutadores de diferentes empresas entre 2019 e 2021. Segundo Juliana, em áreas que carecem de profissionais qualificados, é comum que candidatos desistam dos processos quando se deparam com esse tipo de avaliação. “Eles param de fazer esses testes, pois não enxergam valor nesse tipo de análise.”
Além disso, não é difícil encontrar seleções em que as empresas abusam na quantidade de testes. Para o candidato que está em busca de recolocação, isso torna a rotina ainda mais difícil, como é o caso do gestor comercial Maichel Brito, de 36 anos, que foi desligado da última empresa em que trabalhava por conta dos efeitos econômicos provocados pela pandemia. Pai de dois filhos, ele agora se junta aos milhões de brasileiros desempregados que estão na busca por uma oportunidade no mercado de trabalho.
Na hora de procurar vagas de emprego, ele seleciona aquelas que estão dentro da sua área de atuação e em empresas que tenham missão, visão e valores alinhados aos seus. No entanto, uma das dificuldades encontradas por ele é o excesso de etapas, que, além das inúmeras avaliações, ainda contam com entrevistas e dinâmicas virtuais e presenciais.
“Eu penso que as seleções com várias etapas e vários testes são bem cansativas, tanto para o recrutador quanto para a pessoa que busca o emprego. Inclusive eu já cheguei a desistir de alguns processos por serem extensos”, conta ele.
Esse excesso acaba fazendo com que as empresas percam bons candidatos. “Percebemos claramente uma queda de engajamento ao longo de processos seletivos que têm uma quantidade maior do que três etapas de testes e/ou vídeos”, afirma Mariana Dias, CEO e cofundadora da Gupy. “Quanto mais longo for o processo seletivo, maior será o número de candidatos que podem ser chamados para outra oportunidade e deixam de concorrer à vaga, o que pode prejudicar as empresas, especialmente em áreas com escassez de profissionais qualificados.”
Além disso, a executiva explica que seleções longas e que não possuem feedbacks bem definidos da área de Recursos Humanos podem desestimular o profissional e, inclusive, gerar uma associação negativa à marca.
Falta de retorno também é problema
Para a CEO da Gupy, a comunicação é um dos pontos mais importantes de uma seleção e tem grande impacto na experiência do candidato, principalmente na etapa dos testes. “Isso mostra que ele está sendo acompanhado pela empresa desde a primeira etapa do processo e que todo o seu esforço para avançar na seleção será valorizado”, frisa. A falta desse retorno, pode, inclusive, afetar a autoestima do profissional.
Segundo a psicóloga Paola Braga, da plataforma BeeCorp, durante o processo seletivo é comum o candidato se programar e criar expectativa. “Quando esse candidato é chamado para uma entrevista, depois de conversar com o recrutador, ele começa a pensar se foi bem ou se foi mal. Só que não ter um feedback, seja negativo ou positivo, provoca o que nós chamamos na psicologia comportamental de pensamentos catastróficos.”
Isso pode acontecer com profissionais que acumulam uma sequência de processos seletivos que não dão retorno. São aqueles pensamentos de “não sou capaz”, “não sou bom o suficiente”, “sou tão ruim que não mereço um feedback”, “nunca conseguirei me recolocar”. A psicóloga reforça que, como a maioria dessas pessoas está desempregada, elas acabam criando ainda mais expectativas.
Esse é o caso da Mariana Carla, 28 anos, que foi demitida há quatro meses. Ela atualmente está estudando Pedagogia em uma universidade particular e conta que utilizava o salário para pagar as mensalidades. Agora desempregada, ela acaba tendo esses pensamentos negativos. “Estou recebendo o seguro desemprego, mas logo vai acabar e, se não conseguir outro emprego até lá, tenho receio de não ter como continuar pagando a faculdade.”
Ela conta que envia currículos com frequência, mas não ter retorno acaba sendo desanimador. “Quando vejo uma vaga para a qual eu tenho todos os requisitos necessários, já fico na expectativa, mas muitas vezes não tenho nem um retorno negativo e fico sem saber se o processo acabou ou não”, conta Mariana.
Segundo a psicóloga, não ter um encerramento oficial do processo deixa a sensação de que ainda não acabou. “Nós gostamos muito de falar e pensar em fechamento de ciclo. Então, quando eu faço uma entrevista e não recebo um retorno, além da possibilidade de criar pensamentos negativos ao meu respeito, fico com aquela sensação de algo aberto, de um ciclo que não se fechou.”
Ela ainda reforça que tudo isso acaba sendo intensificado em meio à pandemia. “O ser humano é um ser biopsicossocial. Hoje, nós estamos passando por um período muito grande de privação social com diversas adversidades, como perda de emprego e morte de pessoas próximas. Então, nós estamos em estado de alerta constante.”
Conversa técnica em vez de teste técnico
No caso de vagas técnicas da área de tecnologia, é comum as empresas adotarem um teste que exige resolução de problemas de programação. Além de ser mais uma etapa no processo seletivo, muitas vezes ela pode durar três horas - e espanta muitos candidatos.
“Estávamos há meses tentando fechar cinco posições, mas sem sucesso'', conta Victor Carvalho, tech lead da LIT Onlearning, plataforma de inteligência artificial da Saint Paul. “Entendi que meu gap estava na aplicação de testes práticos, pois ninguém queria fazer”. Então a empresa decidiu procurar a Revelo para descobrir formas de solucionar esse problema e passou a adotar a entrevista técnica no lugar do teste.
Esse tipo de entrevista consegue diminuir o tempo de avaliação em até 50% e ajuda o recrutador a entender as particularidades de cada profissional, como a preferência por ferramentas e a linguagem de programação que ele se sente mais confortável, por exemplo. “O resultado foi absurdo. Consegui impressionar os candidatos positivamente, tornar o processo mais humano e fluido, além de reduzir a quantidade de entrevistas e aumentar a minha taxa de sucesso em contratação em quase 80%.”
Um dos novos contratados por meio da entrevista técnica foi o Henrique Pires, que é desenvolvedor FullStack. “Eu já havia participado de um processo com um modelo semelhante e eu prefiro assim. Acredito que essa conversa acaba sendo mais assertiva e humana, permitindo que o recrutador conheça melhor tanto o nosso lado pessoal quanto as nossas skills”, conta.
As máquinas ajudam a facilitar e agilizar uma seleção, mas o segredo é colocar o ser humano como protagonista do processo. “Quando instigamos os candidatos a contarem sobre suas experiências, preferências e habilidades, eles se sentem no centro do processo e muito mais humanizados”, avalia Juliana Carneiro, diretora de marketing e experiência do candidato da Revelo.
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