Eles são executivos de empresas no Brasil, mas moram nos Estados Unidos, Canadá e Portugal. Comandam suas equipes sediadas em Belo Horizonte (MG), São Paulo e Florianópolis (SC) a distância, e decidiram fazer isso para ter mais qualidade de vida.
Para que o negócio prospere mesmo a distância, os gestores contam com plataformas e ferramentas tecnológicas para auxiliar na organização das tarefas e comunicação. Além disso, escolhem confiar na equipe ao invés de acompanhar minuciosamente os horários e controlar de perto o trabalho dos funcionários.
Apesar dos bons resultados com o modelo, todos fazem questão de momentos presenciais para ter um contato ocasional tanto com a equipe quanto com os clientes, que algumas vezes se sentem mais confortáveis com um atendimento fisicamente mais próximo.
Rodrigo Costa, CEO da Viva América, mora em Orlando (EUA)
A Viva América, fundada por Rodrigo Costa e Leda Oliveira, facilita o processo de obtenção de vistos para os Estados Unidos. Atualmente, a empresa atende clientes de dezenas de países e tem a liberdade de poder ser gerida de qualquer lugar. Sua sede é em Belo Horizonte.
“A nossa empresa nunca foi estruturada com base em um modelo em que a presença física fosse determinante”, explica Rodrigo Costa, 50, CEO da companhia, que administra de Orlando, nos Estados Unidos. De acordo com ele, o trabalho à distância funciona a partir da estruturação de três pilares: tecnologia, processos e comunicação.
Temas constantes nas reuniões de gestão, as ferramentas, a definição dos processos e o treinamento da equipe para lidar com eles são considerados essenciais para que o negócio não fique “caótico”, nas palavras do empresário.
“Liderar uma empresa a distância exige confiança na equipe, inteligência emocional, planejamento e também muita conversa”, diz Costa.
Se por um lado há mais qualidade de vida, como menos trânsito e mais proximidade com a família, por outro, há os desafios de lidar com fusos horários e diferenças culturais.
“Se precisarmos fazer uma reunião pela manhã, o pessoal da costa oeste dos Estados Unidos não conseguirá participar. Nestes casos, ou mudamos a reunião para a tarde ou atualizamos o pessoal que ficou de fora depois”, conta.
Com brasileiros, americanos e hispânicos no quadro de funcionários, a companhia exige um cuidado extra com a comunicação. “O departamento de Recursos Humanos trabalha bastante, principalmente para evitar conflitos relacionados à má interpretação de e-mails, visto que algumas pessoas têm uma cultura mais formal, enquanto outras são menos formais”, revela.
A empresa está investindo em treinamentos sobre comunicação assíncrona (que não ocorre em tempo real) e implementando novas ferramentas para fortalecer o relacionamento com o cliente a distância, inclusive com medidas de segurança para lidar com informações sensíveis.
No entanto, Costa ainda sente a necessidade de encontros presenciais para fortalecer vínculos e ganhar a confiança da equipe. “Antes da pandemia, realizamos duas confraternizações de fim do ano: uma em Orlando e outra em Belo Horizonte. Nosso sonho é fazer um só evento para toda a empresa”, diz.
Yago de Almeida Teixeira, CEO da Olho no Carro, mora no Porto (Portugal)
“Uma ligação por vídeo nem sempre é suficiente para esclarecer alguns pontos e, nesses momentos, é desafiador não ter como ir rapidinho para o escritório fazer uma reunião”, assume Yago Teixeira, 31, CEO da plataforma de consulta veicular De Olho no Carro.
Morando na cidade do Porto, em Portugal, ele revela que a tranquilidade de poder trabalhar em casa perto da família e evitar o trânsito de São Paulo, município onde a empresa fica sediada, se mistura com o medo da distância atrapalhar a gestão do negócio.
“Estar distante fisicamente da operação às vezes gera um pouco de medo de as coisas não correrem bem ou se perderem, principalmente em situações mais importantes e/ou sensíveis que exigem um pouco mais de tato para tratar”, diz.
Apesar da apreensão ocasional, o modelo tem funcionado bem para a empresa, afirma Teixeira. “Existia um tabu, pelo menos na minha cabeça, de que as pessoas não dariam o seu máximo trabalhando de casa, por conta das distrações, principalmente. Tabu esse que foi 100% quebrado a partir do momento em que a Olho no Carro mudou para o modelo home office”.
O CEO percebeu que, dessa maneira, as pessoas trabalham mais felizes. Além disso, aprendeu que “o microgerenciamento não faz sentido quando se tem pessoas engajadas e dedicadas, que acreditam no seu negócio junto com você”. Na companhia, ele adota o lema “liberdade com responsabilidade”.
No início, o fuso horário foi desafiador, conta Teixeira. “Acordava cedo e já começava a trabalhar e inevitavelmente terminava no horário do Brasil, às vezes somando mais de 12 horas em frente ao computador. Hoje consigo fazer minhas coisas pessoais na parte da manhã, iniciar e finalizar o trabalho junto com os colegas do Brasil”, orgulha-se.
Para que o trabalho a distância funcione bem, toda a equipe utiliza a plataforma de comunicação Teams, da Microsoft, “mas em caso de situações mais urgentes recorremos ao WhatsApp”, afirma o empresário.
Além disso, acessa um sistema no aplicativo Notion, chamado carinhosamente pelos membros de “escritório virtual”, onde todo o time inclui e atualiza rigorosamente as demandas com todos detalhes e prazos das atividades.
Yago Teixeira ainda planeja algumas vindas ao Brasil, quando aproveita para organizar reuniões presenciais e momentos de happy hour para confraternizar pessoalmente com a equipe da De Olho no Carro.
Sigmundo Preissler Jr., CPO da Aquarela Analytics, mora em Toronto (Canadá)
A Aquarela Analytics, que oferece soluções de inteligência artificial para indústria e grandes empresas, adota a cultura “anywhere office” (escritório em qualquer lugar) desde a sua fundação. Para Sigmundo Preissler, CPO (Chief Product Oficer, diretor de Produtos) da companhia de Florianópolis, em Santa Catarina, o modelo gera “felicidade no trabalho”.
Morando em Toronto, no Canadá, ele afirma: “Conseguimos ter mais tempo próximo às nossas famílias, viajar e estar onde desejamos, elevando os níveis de felicidade no trabalho”. “Sair de uma reunião, poder tomar um café com a minha filha que volta da escola e perguntar como foi o seu dia e depois voltar ao trabalho não tem preço”, exemplifica.
De acordo com ele, essa liberdade potencializa a permanência dos funcionários na empresa. “Mesmo mudando de cidade, estado ou país, podem optar em continuar suas atividades da mesma forma em que vinham trabalhando”, explica Preissler.
O diretor considera que, quando há rotatividade de funcionários, no entanto, a distância traz desafios relacionados à manutenção da metodologia guiada por dados, utilizada pela empresa.
O calcanhar de Aquiles do modelo, como caracteriza o CPO, é a comunicação. “Qualquer deslize nesse processo pode acarretar sérios impactos na organização. Já tivemos que tomar ações rápidas sobre problemas de comunicação. É algo que precisa ser observado com constância”, revela.
No geral, a gestão a distância tem trazido bons resultados para a empresa, que opta por contratações “multiculturais” e preza pela “autonomia com responsabilidade”. “Possuir em nosso time formações distintas, experiências diversas e pontos de vista diferentes, nos torna ainda mais criativos”, acredita.
Para “garantir a segurança, agilidade e centralização de dados” a mais de 8 mil quilômetros de distância, Preissler monitora de perto os indicadores da empresa, que conta com uma série de ferramentas relativas à gestão do conhecimento, ao repositório de dados, à comunicação interna e externa, a atendimentos e tarefas.
A empresa também mantém um planejamento que requer, principalmente dos gestores das áreas, um controle mais próximo das atividades, das urgências e emergências.
“Não podemos enviar uma tarefa ‘para hoje’ para alguém que já está encerrando ou fora do expediente às 16h. Nossas agendas possuem os fusos horários de onde estamos e de onde estão as pessoas que trabalham diretamente conosco. As agendas são compartilhadas e as tarefas são visíveis aos interessados em nosso quadro digital.”
Assim como nas outras empresas, o presencial não é deixado completamente de lado. “Facilitamos diversas viagens para que nossos engenheiros de negócio estejam em contato com o cliente, bem como mantemos uma sede em Florianópolis para poder receber quem por ali passa, e principalmente nossos clientes e colaboradores. Anualmente nos reunimos todos e, neste ano de 2024, voltei ao Brasil especialmente para participar desse momento em conjunto”, afirma Preissler.
“Alguns poucos gestores ainda preferem ter uma visita na sede, e isso pode ser muito desafiador hoje em dia, especialmente para empresas de tecnologia. É, no meu entendimento, uma barreira que precisamos vencer”, conclui.
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