Quem tem medo de feedback? Por incrível que pareça, não são os colaboradores, mas os líderes que muitas vezes não se sentem confortáveis com avaliações individuais do time.
No levantamento FIA Employee Experience (FEEx), feito em 2020 com 150 mil trabalhadores brasileiros de mais de 300 empresas, a cultura de feedback foi apontada como o ponto mais crítico das lideranças, tendo o pior resultado entre todos os temas abordados: um a cada cinco entrevistados afirmou não receber feedback suficiente.
Uma pesquisa da Harvard Business Review feita com mais de 7 mil líderes do universo corporativo mostrou que 44% deles acham difícil ou estressante dar feedback.
Segundo a especialista em carreiras Patricia Agopian, CEO da Bússola Executiva, o líder que não deixa claro aquilo que espera do colaborador pode até ser visto inicialmente como bonzinho, mas está negligenciando o desenvolvimento das pessoas.
“Sem ter clareza sobre o que devem fazer e que caminhos adotar, os funcionários são impedidos de crescer em suas competências”, diz.
Ela considera que as pessoas criaram um mito e um tabu em torno do feedback, como se fosse uma coisa ruim ou um processo muito difícil, quando na verdade é uma conversa entre dois profissionais que tem um foco único: extrair o melhor de cada um, conduzindo o resultado para um nível superior de atuação na empresa.
“Feedback tem a ver com o trabalho, e não com a pessoa. Mas a maioria prefere não falar. Fica empurrando, e aí um dia demite a pessoa sem ela saber por quê. O colaborador não entende nada, fica com a autoestima destruída e dificuldade de se recolocar em outro lugar porque se sente incapaz e diminuído”, diz a especialista.
Passo a passo para fazer um bom feedback
Como enfrentar isso? Patricia Agopian dá algumas dicas para os chefes:
1. Conheça a equipe: Preste atenção nas pessoas, converse individualmente para entender quem é quem, motivações, medos, fortalezas, pontos a serem desenvolvidos e a missão de cada um.
2. Registre exemplos pontuais: Anote situações boas e ruins para usar no feedback.
3. Seja claro e direto: Na hora da conversa, o líder deve ser honesto, mas ter inteligência emocional. “Um erro muito comum é o feedback enrolado, em que a pessoa fala muito e não diz nada ou, por medo da reação do liderado, faz uma série de elogios para então dizer o que precisa ser melhorado. O colaborador fica confuso, sem saber se está fazendo certo ou errado”, exemplifica.
4. Não faça comentários cruéis: O segundo erro comum de líderes despreparados é fazer comentários cruéis como “você não tem perfil para isso”. “Feedback não é para isso. É para dar condição de a pessoa erguer a cabeça e fazer o que tem que ser feito.”
5. Crie conexão com a pessoa: O líder não deve impor sua forma de comunicação, sem buscar conexão com o outro. “Isso acontece porque líderes negligenciam o medo do feedback e chamam as pessoas sem saber conversar de forma estruturada, construtiva e focada no trabalho, não no ser humano”, diz Agopian. “Tem que falar de um jeito que o funcionário entenda, possa melhorar, mas sem sair destruído.”
6. Preparado para o feedback negativo: Se o feedback for negativo, explique que o que será dito pode ser duro de ouvir, mas a pessoa merece ter essa informação para poder mudar. Se o colaborador entrar na defensiva, o líder deve pedir que ele escute e pense com calma, não para responder de imediato, mas para que voltem a se falar depois, quando ele tiver processado a informação. “A pessoa tem que sair de um feedback negativo entendendo que o líder está querendo ajudar e dar condições de voar mais alto.”
7. Anote observações em tópicos: Registre o que vai falar e peça para que a pessoa também anote tudo durante a conversa. Os dois reveem a lista final juntos, para ter certeza de que estão alinhados. No final, combina-se uma data para que voltem a conversar. “Nesse momento o liderado volta com um plano de ação que o líder valida - e agora está nas mãos dele cumprir a tarefa. O líder está lá para apoiar no que precisar, depois de ter dado clareza e condição para que ela tenha um crescimento mais acelerado”, diz Agopian.
Não atrase as conversas e combine avaliação do restultado
Pam Stracke, CEO e co-fundadora da consultoria de estratégia humanizada Kiwi, diz que os feedbacks devem ser regulares para ter eficácia.
Segundo ela, esperar 6 meses para falar sobre problemas de atraso, por exemplo, não faz sentido. O ideal é que as conversas ocorram semanal, quinzenal ou mensalmente.
“Essa regularidade precisa acontecer para construir relações de confiança”, afirma. “É aí que a equipe vai ter essa solidez, com confiança e respeito mútuos e uma comunicação que acontece do gestor para a equipe e da equipe para o gestor. Isso cria repertório para todo mundo e leva a equipes mais produtivas e emocionalmente mais saudáveis.”
Ela também diz que o plano de ação que se traça após o feedback é essencial no processo - e que geralmente os líderes deixam esta parte de lado.
Esse “combinado” precisa levar em consideração a realidade dos envolvidos e deve conter uma ação e um tempo para que tudo se desenvolva.
“Muitas vezes uma pessoa fala, a outra ouve e não existe um combinado para ver se realmente melhorou ou piorou. O feedback tem que ser uma rodinha completa”, define.
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Saiba o que nunca fazer
A pedido do Estadão, a mentora de líderes Carol Castro, criadora do método Líder HOP de desenvolvimento de equipes com alta performance, elencou o que deve ser eliminado de vez dos feedbacks de qualidade.
Confira as dicas do que não fazer:
1) Qualquer coisa que quebre a conexão entre as duas pessoas envolvidas no feedback, como ficar olhando no celular
Caso o líder esteja esperando alguma notícia urgente, deve comunicar ao liderado e por isso poderão ser interrompidos. Um outro exemplo comum, segundo ela, é o uso do notebook para anotar os pontos conversados. “Sugiro que o que precisar seja anotado em papel e depois registrado no computador. A conexão durante a conversa de feedback é crucial.”
2) Fazer caras e bocas durante a fala do liderado
“A comunicação não verbal é tão importante ou mais que a verbal”, afirma a especialista, lembrando que é importante praticar a Comunicação Não Violenta (CNV) para a condução de um feedback negativo.
3) Falar de maneira subjetiva e ampla, sem possibilitar clareza e especificidade no entendimento do liderado
A especialista menciona observações como “você precisa ser mais responsável” ou “precisa se comprometer mais”. Sem aprofundamento e apontamento de exemplos concretos, o colaborador não tem como saber a que o líder está se referindo.
4) Responsabilizar o funcionário além do fato específico, a partir de uma interpretação pessoal
Segundo Castro, isso significa avançar em outras questões que não estão relacionadas ao problema pontual. Por exemplo, dizer o seguinte: “Quando você não me entrega o relatório no prazo parece que você não é comprometido com a empresa e que não leva a sério as regras do departamento, além de desrespeitar os seus colegas”. É melhor reforçar apenas a ideia da importância de respeitar prazos.
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