Há um abismo entre o que os gestores das empresas enxergam e o que de fato se passa na cabeça dos colaboradores - e esse é um dos fatores que geram ondas de pedidos de demissão. Em 2021, uma pesquisa global da Microsoft apontou que 41% dos trabalhadores estavam considerando sair do seu emprego dentro de um ano. Entre os motivos, a estafa causada pela pandemia, o sentimento de isolamento e a perda dos laços profissionais estavam no topo da lista.
Nos Estados Unidos, a questão se confirmou na prática. O Departamento de Trabalho do país informou que 4,53 milhões de pessoas pediram demissão só em novembro de 2021. E não foi nenhuma surpresa: poucos meses antes, a empresa de pesquisa de opinião Gallup já havia apontado que, devido ao que batizou de grande renúncia (ou grande debandada), 48% dos trabalhadores americanos estavam procurando emprego ativamente ou de olho em novas oportunidades.
Com o passar do tempo e o novo modelo de trabalho já estabelecido - home office para uns, híbrido para outros -, a insatisfação persiste. Segundo a pesquisa “O Futuro do Ambiente de Trabalho no Cenário Pós-Pandemia”, elaborada pela Nespresso Professional, enquanto 99% dos gestores dizem ser necessário investir em ações de bem-estar, 47% dos colaboradores afirmam que as empresas não o fazem, 43% acham as ações superficiais e 62% dizem que são mais teóricas do que práticas.
Quando questionados sobre a liberdade de relatar à empresa esse e outros problemas e dificuldades que enfrentam, 42% dizem que não se sentem à vontade para conversar abertamente com a gestão.
“No levantamento que fizemos, observamos que, no cenário pós-pandemia, o limite entre pessoal e profissional ficou tênue e as más práticas passaram a ser normalizadas”, afirma Bianca Carmignani, líder de RH da Nespresso Brasil. Ela diz que a dificuldade nessa separação resulta em longas jornadas de trabalho e menos momentos de respiro, além do elevado nível de cobrança em busca por produtividade.
“Os novos modelos híbridos estão exigindo que os líderes gerenciem diferenças e complexidades”, observa. “Com os recursos certos, as pessoas podem ser produtivas e saudáveis de qualquer lugar, o que acarreta uma segurança maior por parte do funcionário e ao mesmo tempo gera um ciclo de retenção de talentos por parte das empresas.”
Escuta ativa, encontros um a um
Apesar de vivermos novos tempos, o ambiente de trabalho frustra as pessoas sempre pelos mesmos motivos, de acordo com Bruno Soares, CEO e cofundador da plataforma Feedz, focada em engajamento e desempenho dos colaboradores. Ele fala que a má relação com líderes e a falta de entendimento sobre a cultura da empresa costumam ser as principais dores.
“As pessoas muitas vezes não entendem qual é o objetivo do time e até da empresa”, afirma. Apesar de existir um turnover natural por falta de casamento entre colaborador e empresa, ele explica que é importante a gestão ter um olhar cuidadoso para as frustrações que causam os pedidos de demissão. E esse olhar não pode acontecer apenas quando o jogo acaba, mas ao longo da jornada do profissional dentro da organização.
Segundo Soares, as empresas precisam ficar atentas a três pontos para evitar que a insatisfação dos colaboradores se torne uma bola de neve. O primeiro é estabelecer um alinhamento claro de objetivos e expectativas. “Por que aquele caminho faz sentido? O objetivo de crescimento, tanto da empresa quanto do profissional, tem que ser claro e transparente”, explica.
O segundo ponto é a escuta ativa - os colaboradores precisam ser ouvidos, a empresa tem que saber o que passa pela cabeça das pessoas. “Pode ser uma plataforma, um canal de ouvidoria. Mas é importante que os colaboradores possam falar de forma anônima sobre o que está havendo, estresse ou problemas relacionais”, sublinha. Por fim, as reuniões individuais (one-on-one) entre liderados e líderes são obrigatórias. “Em empresas que adotam essa relação mensalmente, as equipes são três vezes mais satisfeitas”, ele aponta.
Relações positivas
Cientes da importância da retenção de talentos, algumas empresas já adotam práticas regulares de feedback reverso ou inverso- não só os gestores, líderes e RH dizem aos colaboradores e times o que precisa ser ajustado, como também buscam escutar deles o que não está bom.
A Math, especializada na relação entre tecnologia da informação e marketing, é uma delas. Com 250 funcionários, tem uma crença orientada por relações positivas. “Para nós, ouvir e entender as dores e necessidades das pessoas é crítico e crucial e a gente faz por isso, investindo muito em ações de comunicação e transparência”, afirma a líder de pessoas e cultura Gerusa Pires.
Entre as iniciativas, ela cita desde pesquisas de avaliação sobre o processo seletivo da empresa, feitas com todos os candidatos, e devolutivas constantes durante o onboarding, até encontros one-on-ones frequentes, conversas com o RH a cada dois meses sobre diferentes pilares da vida dos colaboradores (bem-estar, promoção da saúde e melhorias no ambiente de trabalho) e uma plataforma colaborativa e horizontal para times e líderes, por onde as pessoas podem acessar quem quiserem.
Há ainda um canal de ouvidoria em que as queixas, feitas em anonimato, vão diretamente para o CEO da Math. “A gente intervém ao menor sinal de insatisfação, justamente para que ela não tome corpo”, diz a executiva.
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No caso da WeClever, desenvolvedora de uma plataforma de comércio conversacional, cultura e ações internas caminham de mãos dadas com o próprio modelo de negócio da empresa, que consiste em realizar atendimentos humanizados e criar tecnologias voltadas para ajudar pessoas durante a jornada de compra online.
“Implementamos práticas diárias de humanização das relações internas da empresa, começando com nossos roteiros de entrevistas aos candidatos até a rotina de trabalho com nossos colaboradores, de qualquer nível na estrutura”, afirma o gestor de produto Otávio Limão.
Entre as práticas adotadas pela empresa está uma ferramenta online em que os usuários podem inserir sentimentos, realizações ou frustrações. “A partir desses registros, nossa liderança consegue atuar para solução ou reforço de boas práticas, com auxílio de uma equipe especializada que conta com profissionais formados na área de psicologia”, ele exemplifica.
A empresa é outra que disponibiliza um canal seguro e exclusivo para ouvidoria e aplica pesquisas periódicas para medir a satisfação dos funcionários, em que eles podem falar anonimamente sobre o que pensam e sentem em relação ao trabalho, equipe ou liderança.
“Por conta da pandemia, para cuidar do bem-estar das pessoas que estão em casa, essas práticas foram ainda mais exploradas e aderimos a algumas novas, como o aumento de benefício para auxílio de home office”, diz Limão. “Também passaram por adaptação algumas práticas de interação, principalmente no sentido de aproximar as pessoas, criando mais descontração.”
Liberdade de expressão e lives com o CEO
Na Arcos Dorados, empresa que opera a rede McDonald’s em 20 países da América Latina e Caribe, o cuidado com as pessoas acontece a partir de programas e ações de apoio ao funcionário em toda a jornada dentro da companhia, de acordo com Fábio Sant'anna, diretor de gente, diversidade e inclusão. “A ideia é promover um ambiente de trabalho em que as pessoas se sintam confortáveis para serem quem realmente são e se expressarem livremente”, afirma.
Para isso, a aposta na escuta ativa e na conexão entre as pessoas é intensa. Além da pesquisa de clima anual, em que todos os funcionários são incentivados a avaliar anonimamente diversos aspectos da companhia, desde o clima no ambiente de trabalho até o papel da liderança (com o objetivo de mapear oportunidades e desenvolver planos de ação com base nos resultados), a organização realiza o “Papo com o Paulo” - um encontro virtual trimestral de todos os colaboradores com o presidente, Paulo Camargo.
Para preparar essa live, os colaboradores enviam previamente dúvidas sobre qualquer tema e o presidente responde a cada uma delas durante a sessão. A Arcos Dorados também faz pesquisas pontuais, como a Pulso, realizada em 2020 para entender como os funcionários estavam se sentindo diante das constantes mudanças causadas pela pandemia. “O questionário abordou temas como trabalho remoto, ambiente, comunicação, expectativas, trabalho em equipe e liderança, entre outros”, explica o executivo.
A partir do resultado, diversas melhorias foram implementadas, segundo ele: disponibilização de mesas, cadeiras e outros acessórios para que os colaboradores tivessem mais conforto para trabalhar em casa, elaboração de uma política de home office e criação de conteúdos e treinamentos para auxiliar no desenvolvimento de habilidades de comunicação remota e ajudar no gerenciamento do tempo, entre outras.
Essas e outras iniciativas foram inclusive chanceladas pelo Great Place To Work, onde a companhia ocupa atualmente a segunda posição na categoria “empresas de grande porte do varejo”, com mais de 10 mil funcionários.
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