Felicidade no trabalho não é ruim, mas não substitui salários decentes

Perseguir a felicidade no trabalho pode parecer alquimia corporativa que tenta transformar sentimentos em produtividade; programa de US$ 18 mil ensina como liderar equipes felizes

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Por Emma Goldberg

Garry Ridge, que comanda a empresa de produtos químicos WD-40, nos Estados Unidos, tem um estilo de liderança inspirado em duas fontes – Aristóteles e o CEO da BlackRock, Larry Fink. “O prazer no trabalho aperfeiçoa a obra”, diz Ridge, citando o filósofo grego. Em seguida, ele pega um memorando recente da BlackRock. “As empresas que criaram laços fortes com seus funcionários tiveram níveis mais baixos de rotatividade e retornos mais altos durante a pandemia”, lê ele em voz alta. E adiciona seu próprio comentário: “Bem, dãaa!”.

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O WD-40, que vem em um frasco azul e amarelo brilhante, conhecido em muitos lares com portas barulhentas, é um produto de limpeza com uma fórmula secreta que consegue soltar um parafuso enferrujado, limpar giz de cera na parede, tirar manchas de insetos em um carro e remover ferrugem de uma corrente de bicicleta. Ridge gosta de lembrar aos quase 600 funcionários em seus 17 escritórios da utilidade do trabalho deles.

Mas ele também acredita que alguns são encorajados pela cultura pouco ortodoxa da empresa. A WD-40 não tem gerentes, apenas instrutores. Os trabalhadores podem receber prêmios “Madre Teresa” por doarem seu “tempo, talentos e tesouros” à comunidade. Eles podem lembrar seus colegas durante as reuniões para criar “memórias positivas duradouras” juntos.

Bem antes da pandemia, muitos desconfiavam das organizações que diziam se preocupar em manter a felicidade de seus trabalhadores. Havia as empresas de tecnologia cujos escritórios lembravam um campus universitário e tinham piscinas de bolinhas e escorregadores. As com buffets de almoço e frozen de vinho rosé. E também um número crescente de empregadores avaliando a felicidade dos funcionários com pesquisas, muitas vezes contratando consultores para criar diversão no local de trabalho.

Para algumas pessoas, a busca pela felicidade no trabalho – e o preço associado a isso, como um programa de US$ 18 mil para gestores aprenderem como liderar equipes felizes – pode ser vista como uma alquimia corporativa que tenta transformar sentimentos em produtividade. Pode parecer uma pressão para sorrir e deixar de lado as demandas menos convenientes para os chefes, como trabalho remoto ou salários mais altos.

Jeff Lindeman (à esq.), da área de Recursos Humanos da WD-40, ao lado de Garry Ridge: empresa não tem gerentes, apenas instrutores. Foto: Ariana Drehsler/The New York Times

Essas críticas ganharam uma nova urgência conforme os trabalhadores e empregadores entram em conflito quanto aos planos de retorno ao escritório, em um mercado de trabalho que os economistas continuam a descrever como aquecido. Alguns profissionais dizem que preferem flexibilidade, ou aumentos ajustados à inflação, a incentivos corporativos, como um show de Lizzo para os funcionários do Google e as degustações de cerveja na Microsoft.

“É um ‘não vou ajudá-lo a fortalecer sua agenda de uma maneira que o ajude, mas aqui está um cupom de desconto’”, disse Jessica Martinez, 46 anos, diretora do programa de uma fundação global que há muito organiza as “quartas do vinho” e agora está distribuindo presentes pelo retorno ao escritório, como garrafas de água.

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“As pessoas estão tentando fazer tudo voltar ao ‘normal’, mas a verdade é que o normal era terrível para algumas pessoas”, disse ela. “Por que não simplesmente dar às pessoas o que elas querem de verdade?”

Em alguns locais de trabalho, “felicidade” pode significar deixar os funcionários escolherem seus próprios supervisores. Pode ser descartar as avaliações de desempenho. Também costuma implicar em medir os níveis de felicidade – embora nem todos concordem com o que felicidade significa. Basta dar uma olhada em Dalai Lama, Dale Carnegie e Barbara Ehrenreich.

Maior retorno para acionistas

Nos últimos anos, economistas comportamentais e psicólogos têm mostrado aos empregadores que existe uma justificativa comercial para a fixação deles na positividade. Um estudo do Journal of Labor Economics descobriu que as pessoas que recebiam chocolates e assistiam a comédias – geradores conhecidos de felicidade – eram 12% mais produtivas do que um grupo ignorado. Outro estudo do Journal of Financial Economics mostrou que as empresas na lista dos 100 melhores locais de trabalho têm maiores retornos para os acionistas que suas concorrentes.

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“Há indícios de que entendemos a causa da felicidade de maneira equivocada”, disse Laurie Santos, cientista cognitiva que dá aulas no famoso curso sobre felicidade de Yale. “Você pensa: ‘Estou me sentindo produtivo no trabalho e as coisas estão indo bem no trabalho, portanto, estou feliz.’ Mas as evidências parecem sugerir que há outras causas também, e que a felicidade pode mesmo afetar seu desempenho no trabalho.”

A ideia de que as empresas devem se preocupar com a felicidade surgiu com o aumento dos empregos sem trabalho braçal, disse Alex Edmans, professor de finanças da London Business School. À medida que alguns resultados de trabalho se tornaram mais difíceis de medir – a mudança para a qualidade e a quantidade de ideias e não o número de pinos fabricados ou tampas rosqueadas em tubos de pasta de dente –, os gestores determinaram que deveriam garantir que seus funcionários se sentissem motivados. A remuneração era importante, mas a forma como as pessoas se sentiam no emprego também.

Espaço para descompressão e lanche no escritório da WD-40 em San Diego, nos Estados Unidos;Garry Ridge, à frente da empresa, gosta de lembrar seus funcionários sobre a utilidade do trabalho deles. Foto: Ariana Drehsler/The New York Times

No entanto, muitos veem um risco para os trabalhadores ao acreditar que seus empregadores estão cultivando um relacionamento emocional com eles, quando, na realidade, a relação é sobre dinheiro.

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“Seu chefe não está ali para lhe proporcionar felicidade”, disse Sarah Jaffe, autora de “Work Won’t Love You Back” (Seu amor pelo trabalho não é recíproco, em tradução livre). “Não importa o quanto eles digam que estão focando na felicidade, eles estão focando nos lucros.”

“Alguém está sendo pago para trazer essa nova e empolgante cultura de felicidade no local de trabalho”, acrescentou Sarah. “Eu gostaria de saber quanto meu chefe está gastando [com isso].”

MBA de felicidade por US$ 18 mil

A Happy Ltd., consultoria britânica, chama o programa que oferece para líderes seniores de Happy MBA. O valor dele é de aproximadamente US$ 18 mil e os participantes recebem um certificado, não um diploma real, por meio do Instituto de Liderança e Gestão. Em uma aula recente, gestores de empresas e organizações sem fins lucrativos trocaram dicas que incluíam permitir que os funcionários escolhessem seus próprios supervisores.

A Woohoo, empresa dinamarquesa que ajuda a criar pesquisas de felicidade para equipes, e sua parceira, a fabricante de software para recursos humanos Heartcount, costumam cobram das empresas cerca de US$ 4 por funcionário por mês, além de taxas de consultoria que o fundador da Woohoo, Alexander Kjerulf, se recusou a compartilhar porque variam muito.

A Woohoo e a Heartcount trabalham com psicólogos e estatísticos para garantir que suas avaliações se concentrem nas respostas emocionais, e não lógicas, das pessoas em relação ao trabalho. As pesquisas semanais, enviadas por e-mail às sextas-feiras, incluem perguntas como: Você tem orgulho do trabalho que faz? Você tem sido elogiado ultimamente pelo excelente trabalho que tem feito? A Woohoo depois ajuda os empregadores a interpretar os dados.

Esses dados, porém, levam a seu próprio conjunto de perguntas mais traiçoeiras do que aquelas normalmente presentes em uma pesquisa online. O que significa mesmo ser feliz? Kjerulf define isso como a medida em que as pessoas experimentam emoções positivas no trabalho, ou enquanto pensam a respeito do emprego quando não estão trabalhando. Os líderes da WD-40 entendem que a felicidade inclui uma combinação de trabalho relevante e um sentimento de pertencimento.

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Outra empresa de avaliação do local de trabalho, a Culture Amp, que trabalha com cerca de 4.500 organizações, não acredita em medir a felicidade de jeito algum, em vez disso, prefere métricas como engajamento e bem-estar. Seus líderes veem a felicidade como algo instável que difere de pessoa para pessoa e está fora do controle do empregador.

“Admiro o sentimento por trás disso, mas o ato de medir é que complica tudo”, disse Myra Cannon, diretora do departamento de ciência de pessoas da Culture Amp. “A felicidade é fugaz.”

Uma das empresas com as quais a Woohoo trabalhou é a Vega, uma desenvolvedora de softwares da Sérvia. A Vega publica uma newsletter mensal chamada Happiness Central (Central da Felicidade), parte da intenção do boletim é “comunicar ao máximo nossas conquistas”. Duas vezes por ano, durante as “guerras de memes”, os funcionários são recompensados por criar memes que “zombam das pessoas em cargos de chefia” na empresa. O CEO às vezes surpreende a todos que passam pela porta [do escritório] com salada de frutas.

“Se as pessoas tiverem melhores relacionamentos umas com as outras, sobretudo dentro das equipes, podemos esperar um melhor desempenho”, disse o CEO Sasa Popovic, cofundador da Vega. “Podemos esperar que as pessoas estejam mais comprometidas e, no fim, nossos clientes recebam um serviço melhor e fiquem mais felizes com nosso trabalho.”

Mas essas relações no escritório não pagam as contas dos trabalhadores, uma crítica que se intensificou à medida que a felicidade se torna um elemento fixo dentro das salas de reuniões.

“No início dos anos 2000, muitas startups davam benefícios terríveis às pessoas e sobrecarregavam seus funcionários, e elas tentavam disfarçar isso oferecendo lanches na cozinha”, disse Jessica. Mas, ela observou, a escassez de mão de obra está dando a mais trabalhadores o poder de dizer que não vão tolerar o que já toleraram. “As vagas de emprego não estão sendo preenchidas porque você tratou mal as pessoas”, disse ela.

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A flexibilidade de trabalhar em casa deixou alguns trabalhadores mais à vontade para dizer aos empregadores o que de fato os deixa felizes – a liberdade para passar tempo com a família, não jantares gratuitos no escritório.

“Comer cereal na copa não compensa a impossibilidade de pegar seus filhos [na escola]”, disse Anna King, 60 anos, mãe que trabalha em uma concessionária de energia em Portland, Oregon. “As preocupações de verdade são se seus funcionários sentem que fazem parte da equipe – não porque estão jogando pingue-pongue juntos, mas porque estão cumprindo metas reais e trabalhando em expedientes aceitáveis?”

Enquanto milhões de trabalhadores fazem exigências ousadas a seus empregadores, principalmente em relação à flexibilidade permanente, alguns dizem que o foco na felicidade é uma distração. Afinal, os prêmios “Madre Teresa” não melhoram as condições de trabalho – e, na verdade, podem incentivar os trabalhadores a dedicar mais horas à sua comunidade corporativa em detrimento de suas vidas pessoais.

“Não acho que coisas como meditação ou qualquer outra que os empregadores talvez estejam adotando para aumentar o bem-estar sejam iniciativas ruins”, disse Heidi Shierholz, presidente do Instituto de Política Econômica (EPI, na sigla em inglês), think tank progressista. “Mas elas não substituem salários decentes, benefícios dignos e cronogramas razoáveis.”

/ TRADUÇÃO DE ROMINA CÁCIA

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