Muitas empresas têm tratado a diversidade como prioridade e investido em práticas inclusivas, em especial a partir de processos seletivos afirmativos. O problema é quando as organizações se concentram exclusivamente em captar esses colaboradores e se esquecem de um detalhe: como manter esses talentos engajados, acolhidos e crescendo profissionalmente dentro da corporação?
Construir uma cultura organizacional inclusiva é mais complexo do que parece. Um programa de diversidade e inclusão bem-sucedido inclui diferentes práticas e demanda um planejamento que vai além de ações isoladas de recrutamento. Entre as iniciativas trabalhadas nas organizações, os grupos de afinidade têm ganhado cada vez mais destaque.
O que são grupos de afinidade?
Nascido nos Estados Unidos e conhecido pelo acrônimo ERG, ou Employee Resource Group, o primeiro grupo de afinidade oficial norte-americano veio em resposta aos conflitos raciais que marcaram a década de 1960 no país. Joseph Wilson, CEO da Xerox Corporation, e os colaboradores negros da empresa lançaram o National Black Employees Caucus (Convenção Nacional dos Empregados Negros, em português), um espaço em que eles podiam discutir experiências e defender mudanças dentro da companhia.
Os grupos de afinidade são, na maior parte, voluntários e promovem um ambiente de trabalho mais diverso e inclusivo a partir de metas, valores e objetivos da empresa, ou mesmo para iniciar um movimento de transformação desses princípios dentro da companhia. Os membros costumam compartilhar alguma característica em comum: gênero, sexualidade, raça/etnia e deficiência, por exemplo.
Esses espaços também permitem a criação de uma rede de apoio em que necessidades e obstáculos semelhantes são discutidos, e estratégias para mudanças sejam colocadas em prática na política da empresa, o que ajuda os participantes a crescerem pessoal e profissionalmente.
“Esses grupos existem para avançar nas discussões sobre diversidade, inclusão e equidade para que a gente possa construir ambientes mais seguros e mais inclusivos onde você tenha segurança psicológica”, afirma Letícia Lara Rodrigues, sócia-fundadora da consultoria Tree Diversidade.
Uma pesquisa realizada pela consultoria Deloitte revelou que essas estruturas, também conhecidas como grupos de diversidade, são realidade em 81% das 215 empresas brasileiras que participaram do estudo.
Os grupos têm sido vistos como aliados estratégicos e, segundo Letícia, vêm ganhando força dentro das organizações. “A principal vantagem da criação dos grupos para as empresas é descentralizar a questão da diversidade, equidade e inclusão, reunindo pessoas de toda a hierarquia organizacional, membros de grupos minorizados e aliados.”
Grupos de afinidade em ação
Criado em 2020, o grupo de afinidade LGBTQIA+ do Mercado Livre conta com 81 membros representantes de cinco países da América Latina: Argentina, Brasil, Colômbia, México e Uruguai. Lara Antunes, líder de projetos de software da organização no Brasil, co-lidera uma das frentes do grupo na corporação. Ela passou pela transição de gênero em 2021, enquanto trabalhava na empresa e, durante esse processo, pôde usufruir das conquistas da comunidade.
“Desde as ações internas, os auxílios que a empresa oferece como alteração de cadastro, assessoria jurídica, apoio psicológico até a questão da visibilidade, todas essas ações que afetam diretamente as pessoas vieram de ações do grupo”, conta.
Resultado de uma demanda do comitê, o Mercado Livre passou a oferecer auxílio financeiro para a cirurgia de redesignação de gênero para todas as pessoas que trabalham na empresa na América Latina. Outra iniciativa foi apoiar os colaboradores transgênero com o pagamento do seguro-fiança para locação de imóvel como residência, uma vez que o preconceito ainda é uma barreira grande para as pessoas trans, inclusive na hora de firmar um contrato de aluguel.
A criação de uma cultura inclusiva envolve muito mais do que a conscientização. Ela abarca o sentimento de pertencimento em que pessoas de todas as realidades se sintam acolhidas, ouvidas, vistas e valorizadas no ambiente de trabalho. “Você se enxerga naquelas ações, naquelas pessoas que estão ali. Naturalmente, somos seres humanos e existem realidades diferentes, mas a gente consegue encontrar pontos em comum, ver que eles são importantes e pensar sobre o que a gente pode fazer com isso”, diz Lara.
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Entender para transformar
Apesar das mudanças no ambiente corporativo, as pessoas com deficiência continuam enfrentando diversas barreiras para estar e se manter dentro das empresas. No Brasil, os grupos de afinidade para PCDs estão entre os quatro mais adotados, atrás apenas dos grupos de gênero.
Para Anamaria Costa, analista de diversidade e co-líder do grupo de afinidade para pessoas com deficiência da CI&T, eles são fundamentais para entender verdadeiramente quais são as demandas de inclusão dos colaboradores e colocá-las em prática.
“Não adianta achar que eu ter um intérprete de Libras vai incluir pessoas se eu não sei se as pessoas com deficiência auditiva falam Libras. Você tem de pensar na individualidade. Ouvir as pessoas é o que faz a gente incluir de fato”, afirma.
Implantar ambientes acessíveis é apenas o primeiro passo e, segundo Anamaria, entender como determinada deficiência tem impacto ou não na rotina do colaborador é fundamental para promover essas mudanças. “O objetivo do grupo é criar um ambiente seguro para que as pessoas se sintam à vontade para falar o que elas necessitam.”
Além disso, pensar em estratégias e programas próprios para diferentes frentes de atuação ajuda a promover o desenvolvimento de todo o potencial dos profissionais com deficiência. Um exemplo são os programas de mentoria que acompanham esses colaboradores durante a trajetória dentro da empresa.
“O colaborador faz a inscrição e pensamos juntos qual é o estado atual dele, onde ele quer chegar e quais recursos a gente tem para ajudá-lo a alcançar aquilo. A gente vai fazer um acompanhamento para ver como essa pessoa vai se desenvolvendo no dia a dia dela”, diz Anamaria. O bem-estar dos colaboradores tornou-se algo inegociável e tem exigido das empresas a criação de espaços de escuta que priorizam a adoção de princípios ambientais, sociais e de governança (ESG) nas agendas corporativas.
“Participar de grupos como esse ajudam a manter o tema ativo dentro da empresa, é uma oportunidade que a gente tem de estar sempre ali, questionando se falta representatividade, por exemplo”, diz o analista de crédito e cobrança sênior e líder do BayAFRO, grupo de afinidade racial da Bayer, Fábio Abadio. O grupo foi criado em 2016 e se baseia em seis pilares: atração e contratação, desenvolvimento, indicadores e metas, cultura e awareness (conscientização), comunicação e stakeholders.
Pertencimento e identificação
Gabriela Baptista é responsável por acompanhar os grupos de afinidade da RD Station e conta que a vontade de trabalhar com diversidade e inclusão nasceu de uma experiência profissional anterior, quando teve contato com um grupo de afinidade.
“Às vezes, você está num espaço que é diverso, trabalha com diversidade, mas sente falta de ter ali pessoas iguais a você para trocar situações do seu dia a dia, compartilhar coisas que, às vezes, nem são tanto do trabalho, mas que te impactam de alguma forma”, ela comenta.
Após o primeiro contato com os grupos de afinidade, ela decidiu redirecionar a carreira e ingressou no departamento de pessoas focado nas questões de diversidade e inclusão da RD Station. “Enquanto uma mulher negra LGBT+, hoje eu posso estar dos dois lados: tanto a pessoa responsável por cuidar da inclusão quanto do lado de quando, às vezes, eu quero estar numa roda de conversa para falar sobre mulheres bissexuais e pessoas negras.”
O apoio das lideranças, a criação de orçamentos específicos e o planejamento estratégico dão vida aos grupos de afinidade nas companhias. Segundo especialistas, é fundamental estruturar os processos e estabelecer metas para que as iniciativas discutidas possam trazer mudanças significativas para dentro do ambiente corporativo.
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