Quando o empresário brasileiro Marcelo Cafaldo desembarcou na Itália em 2001, mal podia imaginar que, 23 anos depois, teria se transformado em um chef de cozinha e gerenciaria seu próprio restaurante em Roma, uma das principais capitais europeias. Impulsionado pelo conselho de uma amiga romana, ele decidiu ir para o país tirar sua dupla cidadania e começar a vida na Europa.
Marcelo não está sozinho. O Brasil é conhecido por ter a maior comunidade de descendentes de italianos fora da Itália, com mais de 25 milhões de pessoas elegíveis para a dupla cidadania. Até 2022, mais de 157 mil brasileiros residiam no país, segundo dados do Itamaraty.
Os salários são negociados entre trabalhadores e sindicatos. Em 2022, o salário anual médio bruto por trabalhador no país foi de 27 mil euros (R$ 144 mil), segundo os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (Istat), do governo italiano. O valor dá 2.250 euros (R$ 12 mil) por mês. É preciso considerar que o custo de vida no país também é mais alto (veja no fim desse texto, comparações de gastos entre Brasil e Itália).
Em comparação com a Itália, a média europeia de salários é 12% maior (30.240 euros anuais). Em relação à Alemanha, essa diferença salta para 23% (33.210 euros por ano), já considerando a paridade do poder de compra.
Apesar desses números, o empresário aponta que o custo de vida em Roma é considerado acessível para a maioria da população, e que a disparidade social na Itália é menor em comparação com o Brasil. “Aqui, o caixa do supermercado pode jantar no mesmo restaurante que o dono do supermercado”, conta.
Outra coisa que surpreendeu o empresário quando chegou ao país foram os horários de funcionamento das lojas, especialmente nas cidades menores ou nos bairros distantes dos centros turísticos.
As lojas geralmente abrem das 10h às 13h30 e fecham para os funcionários poderem ir para casa almoçar, reabrindo às 16h.
Na Itália, a estruturação dos contratos de trabalho e os benefícios correspondentes são definidos coletivamente por setor por meio dos Contratti Collettivi Nazionali di Lavoro (CCNL).
Esses acordos geralmente incluem benefícios como décimo terceiro e décimo quarto salários, além de férias remuneradas.
A jornada de trabalho padrão no país é de 40 horas semanais, podendo se estender até 50 horas em situações específicas.
Quanto às horas extras, elas têm um limite definido por setor, geralmente não ultrapassando 250 horas anuais, e são obrigatoriamente compensadas com remuneração adicional.
Ele aprendeu a cozinhar na Itália e abriu restaurante em Roma
O processo de obtenção da dupla cidadania de Cafaldo foi mais demorado do que o esperado, o que dificultou sua busca por emprego. Enquanto aguardava a regularização de sua situação, o empresário se sustentou por meio de diversos empregos temporários.
Atuou como manobrista, faxineiro, limpador de vidros e vendedor de biquínis brasileiros, antes de se firmar como cozinheiro.
Em 2015, sua carreira tomou um novo rumo quando se tornou chef executivo de quatro restaurantes em Roma. Apesar de seu esforço e dedicação, os estabelecimentos enfrentavam dificuldades e encerraram suas atividades após um ano.
Após o encerramento dos restaurantes, o proprietário, incapaz de arcar com as dívidas, ofereceu um dos estabelecimentos falidos a Marcelo como forma de compensação.
Ele e sua esposa encararam o desafio: reformaram o local, quitaram as dívidas e administram atualmente o restaurante que funciona de segunda a sábado, das 7h da manhã até meia-noite.
“É um local muito frequentado por advogados, atores, atrizes e profissionais da televisão. Não podemos reclamar.”
Ela tinha sonho de jogar futebol na Itália, mas está numa fábrica
O sonho de jogar futebol profissionalmente na Europa foi o que levou Adrielli Lupatini a se mudar para a a Itália, em 2020.
Após morar brevemente na Inglaterra, ela voltou ao Brasil para organizar sua documentação e, em seguida, mudou-se para o país, visando um processo de cidadania mais rápido do que o oferecido pelo consulado brasileiro.
No entanto, a pandemia atrasou seus planos, forçando-a a abandonar sua carreira no futebol e ter que se estabelecer profissionalmente por lá.
Ela conseguiu seu primeiro emprego por meio de um então namorado, que a apresentou ao proprietário de uma empresa.
Trabalhando na área administrativa de uma fábrica de embalagens há dois anos, ela é encarregada do controle de qualidade e da inspeção de produtos, assegurando que qualquer defeito seja corrigido antes de os itens chegarem aos clientes. Seu salário é de cerca de 1.810 euros brutos por mês (R$ 9.750).
Aos 24 anos, a estudante de economia, em sua primeira experiência profissional fora do futebol, enfrentou um choque cultural na Itália.
Vivenciando o dia a dia com seu ex-namorado italiano, ela se deparou com uma percepção distorcida sobre estrangeiros.
Muitos duvidavam de sua nacionalidade brasileira, fazendo piadas sobre seu sotaque.
Além disso, ela teve que lidar com colegas que insinuavam que estrangeiros deveriam retornar ao seu país de origem e que ela não pertencia àquele ambiente.
“Eles têm um preconceito muito grande com quem vem para cá, eles falam que a gente está roubando o trabalho deles”, conta.
Modelo trabalhou como babá na Itália
Morando há três anos na Itália, a modelo Jéssica Rollemberg, 29, deixou a tranquilidade de São Borja, no interior do Rio Grande do Sul, para estudar em Roma.
No país, ela começou o mestrado em comunicação e marketing para moda e precisou buscar oportunidades informais de trabalho.
Como chegou ainda com o visto de turista, ela não podia trabalhar oficialmente, então buscou em grupos de brasileiros no Facebook e encontrou oportunidades como babá e, posteriormente, conseguiu um trabalho no restaurante de Marcelo.
No país, nesses tipos de trabalho a remuneração é por hora, entre 10 euros (R$ 54) como babá, e no restaurante, como garçonete, entre 8 (R$ 43) e 10 euro.
Segundo ela, a comunidade brasileira na Itália é forte e acolhedora. “As pessoas estão sempre se indicando umas para as outras, e isso foi uma fonte de apoio importante para mim”, conta a modelo que recentemente voltou a atuar em sua área, com um cachê de 150 euros (R$ 800) por trabalho.
Quanto custa morar na Itália?
Mesmo com o salário mínimo abaixo da média europeia, de acordo com dados fornecidos pelo Numbeo, um site especializado em custo de vida, viver na Itália ainda é mais barato do que em Berlim e Londres, por exemplo. Mas é bem mais caro que em São Paulo.
O custo do aluguel em Roma varia entre 600 euros (R$ 3.200) e 1.000 euros (R$ 5.400). Porém, os gastos no país irão depender da cidade, se é mais ou menos turística.
Segundo o Numbeo, eis algumas diferenças de preços entre Roma e São Paulo:
- Poder de compra local em Roma é 138% maior que em São Paulo
- Preços ao consumidor em Roma são 46,0% mais altos que em São Paulo (sem aluguel)
- Preços ao consumidor incluindo aluguel em Roma são 59,1% mais altos do que em São Paulo
- Os preços dos aluguéis em Roma são 98,8% mais altos do que em São Paulo
- Os preços dos restaurantes em Roma são 69,7% mais altos do que em São Paulo
- Os preços dos alimentos em Roma são 46,2% mais altos do que em São Paulo
Confira o preço médio de alguns itens na capital italiana*:
- Pão branco fresco (500g) - 1,77 euros (R$ 9,55)
- Filé de frango (1kg) - 10,53 euros (R$ 57)
- McDonald’s (ou refeição combinada equivalente) - 10 euros (R$ 54)
- Litro da gasolina - 1,82 euros (R$ 10)
Fonte: Numbeo; os valores acima são médios e variam de acordo com a cidade e o bairro na Itália.
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