Chegar à liderança na carreira é um trabalho contínuo que exige muito planejamento. Seja para alcançar um posto como líder na empresa dos sonhos ou liderar o seu próprio negócio, o caminho é construído com estratégia e desenvolvimento pessoal e profissional.
Para dar dicas sobre como se planejar para a liderança, o grupo do Estadão Carreira e Empreendedorismo no Telegram recebeu a advogada e especialista em tecnologia Lisiane Lemos para um bate-papo sobre o tema. Atualmente, Lisiane é professora do MBA de Big Data da PUCRS. Ela também é cofundadora do Conselheira 101, programa que estimula a inserção de profissionais negras em conselhos de administração. Em 2017, esteve na lista Forbes 30 Under 30, que nomeia profissionais de destaque abaixo dos 30 anos, e, em 2018, figurou na lista Most Influential People of Africa Descent, prêmio que elege as 100 personalidades negras mais influentes do mundo. Em 2020, se tornou Top Voice LinkedIn.
“A sua felicidade, o seu plano em primeiro lugar, não o que é bom para todo mundo porque a gente tem essa tendência também na gestão. E acho que é bom colocar no papel quais são esses elementos. Como que é o líder que eu admiro? Como eu quero ser reconhecida? Como eu sou hoje e quais atitudes essas pessoas que eu admiro têm para que eu possa fazer igual?”, aconselha Lisiane.
Durante uma hora, Lisiane respondeu a dez perguntas enviadas por leitores e repórteres sobre carreira, empreendedorismo, organização e liderança. Confira o papo no player abaixo ou na transcrição do texto.
Para ser um líder é melhor dominar mais a área em que atuo ou mais sobre gestão?
Primeiro, eu queria dividir com vocês que liderança é mais sobre comportamento do que um cargo. E sobre dominar, todos os líderes entendem um pouco de gestão. Eu mesma acabei de fazer um MBA em Gestão de Negócios, mas eu também fiz o caminho do específico para o geral, primeiro em gestão de T.I. e depois geral.
Eu acho que você se torna um bom gestor quando você entende as especificidades da área, não de forma aprofundada, e consegue aqueles que são extremamente técnicos e é capaz de orquestra-los usando a gestão como ferramenta.
Como abordar com meu líder sobre criar um plano de carreira voltado para a liderança? Como deixar claro para os meus chefes que estou pronto e interessado em assumir cargos de liderança?
Muitas etapas nessa pergunta. Vamos passo a passo para a gente trilhar esse caminho junto. Primeiro, como abordar meu líder sobre criar um plano de carreira voltado à liderança? Eu acho que essas conversas têm que ser cíclicas, explícitas e começa na primeira. É importante você sempre trazer que você admira essa pessoa como líder, que você gostaria que ela te desse uma orientação e que você gostaria muito de ser considerado como um possível sucessor, porque você sabe que ela também vai ascender na carreira.
Também é bom desenvolver junto com esse líder um ciclo de interações. Então, vamos conversar a cada três meses, ter conversas de carreira sem apagar incêndio, eu vou contar com quem que eu progredi e as conexões que eu posso fazer e tudo que vai pela frente. Então, parte dessa primeira conversa de você deixar claro as suas expectativas.
Vamos para a segunda parte: como deixar claro pros meus chefes que eu estou pronto e interessado em assumir cargos de liderança? Isso vai muito de conhecer a organização. É importante você ver exatamente como são os ciclos de liderança. Eu sempre fui muito observadora na minha carreira, então você vê que as pessoas do meu nível demoram três, quatro, cinco anos para ascender.
É uma área afim com o assunto que eu domino? É uma área que não é afim? E a partir disso começar a desenhar esse plano. Será que eu preciso de alguma formação complementar? Será que eu preciso de alguma experiência em outra área, desenvolver projetos cross área e aí sempre de novo, lembra do primeiro ponto que eu te falei de conversas de carreira e você ir costurando dentro dessa organização, essas reuniões, esses bate-papos. Em cada um deles você começa apresentando o seu caso, o seu currículo, o que que você fez, as experiências, a sua meta e ouve a história dessas pessoas. Aí você vai construindo esse tráfego e andando dentro da organização.
Como uma pessoa tão jovem pode se organizar para fazer planos a longo prazo, como se imaginar na cadeira de um conselho de administração, imaginando que ela talvez ainda nem tenha encontrado um propósito? É só ambição?
Eu também me faço essa pergunta. No meu caso, as coisas foram acontecendo e acho que quando você está numa carreira corporativa é meio que uma escadinha. Então, você começa como um contribuidor individual, depois você vira executivo de contas, depois você vira gestor, depois você vira gestor de gestores, depois você pode tirar uma cadeira de presidência e quem sabe um conselho de administração. O ponto é que acho que em um contexto de pandemia, o mercado está se reinventando e esses conhecimentos técnicos que eu tenho nas mais diferentes áreas - diversidade e inclusão, tecnologia, inovação e empreendedorismo - que eu fui adquirindo meio que no meu cinto do Batman, por assim dizer, estão sendo úteis para organizações.
Eu nem me considero muito ambiciosa. Eu acho que eu estou levando essa pergunta muito como pessoal. Eu não penso quantos milhões eu quero ter, o que que eu quero atingir. Eu acho que talvez seja muito mais ter meu propósito. Quando eu tenho essas oportunidades na minha frente, eu alcanço, eu permito que outras pessoas possam sonhar em atingí-las.
Quanto à parte da organização, eu contei com várias ferramentas. No início muito autônomas, então estar na internet, estar em canais como esse, grupos de Facebook, interação com pessoas. Isso sempre foi meu ponto forte, aprender com os outros, aprender com quem já tinha trilhado esse caminho. E quando eu cheguei já na barra de gestão, contratei uma consultora de carreira. Na verdade eu contratei em dois momentos: o primeiro pra tomar a decisão se eu continuaria na Microsoft, se era aquilo que eu pensava naquele momento e, depois, para entender se o meu caminho nessa carreira em Y ia ser por um caminho de gestão ou me tornar cada vez mais especialista.
E isso traz uma série de verificações como os testes Facet 5 e MBTI e outros que te ajudam a ver quais são os caminhos possíveis. Mas, no final, eu acho que não é um longuíssimo prazo, acho que é um encaixe como se fosse um lego de muitos curtos prazos.
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Como líder, como você se organiza? Tem uma agenda? Ou se organiza de acordo com as demandas?
Eu uso várias ferramentas. Eu não uso nenhum tipo de slack, mas tem gente que usa, porque eu sou bem fiel às ferramentas da companhia que eu trabalho. Eu gosto muito da minha Google Agenda, então fica organizado ali das coisas mais simples até as mais complexas, como horário de almoço, treino, aniversário das pessoas, mandar presente para fulano, me ajuda muito
Eu até fiz um post no LinkedIn sobre ter uma assistente virtual que tem acesso à minha agenda para marcar médico, dentista, oftalmologista, academia, desmarcar as coisas porque isso me toma muito tempo e, às vezes, não é na primeira tentativa. Eu acho que a questão de redes sociais, eu uso muito automação, então eu escrevo os emails, eu tenho surtos criativos nos finais de semana e escrevo cinco textos que vão durar meses. Eu tenho uma pessoa que me ajuda a fazer redação de artigos.
Então, acho que a grande chave da minha organização é, primeiro: o que é mais importante? Meu trabalho, esse aí eu tenho que estar o tempo inteiro. Depois, delegar as coisas que eu não tenho tempo e contar com a ajuda das pessoas e ser, às vezes, até bem transparente: olha isso aqui eu não consigo porque eu não tenho tempo. Mas, às vezes, os pratinhos quebram, eu perco alguns aniversários e esqueço de alguns presentes e acho que se respeitar também nesse contexto de pandemia é importante.
Um outro ponto importante é que eu me permito planejar, mas ajustar a rota também. Por exemplo: eu tinha uma live incrível hoje com uma pessoa que eu admiro muito e apareceu um problemão no meio do caminho. Eu fui super transparente, mandei uma mensagem carinhosa e falei que não rolava. Mas não passei me culpando, porque infelizmente eu não sou onipresente, só tento ajeitar todas as demandas
Como exercer uma liderança mais gentil e compreensiva ao mesmo tempo que se exige resultados e comprometimento?
Acho que o primeiro ponto, quando eu leio essa pergunta, eu me lembro de um gerente que eu tive que sempre foi muito introspectivo, calmo, não gritava, não batia na mesa. É bem aquele perfil do novo vendedor consultivo. O ponto que me marca é que ele tinha uma liderança gentil e focada no resultado e que ele era muito transparente do que era esperado de mim. Que cota que eu tinha que bater, que comportamentos eram esperados, como é que eu tinha que me comportar com cada cliente.
Eu acho que essa é a primeira coisa, setar expectativas e mostrar pelo que você está sendo medido, com clareza. Depois, o segundo ponto da gentileza: ele se preocupava com o que era importante pra mim. Ele sabia o nome do meu marido, ele sabia qual eram os meus valores principais, ele sabia o que eu gostava de estudar e ia ajustando o ponto no que era importante para mim, no que era importante para empresa.
Como não surtar sendo líder?
Eu ri bastante quando eu vi essa pergunta até porque eu tive um surto hoje pela manhã. Sabe aqueles surtos pandêmicos que você acha que você não se alimenta bem, você não faz exercício, não está cuidando do corpo, não está cuidando da família, não trabalha direito? Eu acho que não tem como não surtar. Eu acho que é como você diminui o tamanho do surto e se reinventa.
Quais são as ferramentas que eu tenho usado para surtar menos? Eu faço terapia desde que eu fui para o mundo corporativo, eu acho muito importante e na pandemia eu até aumentei o número de sessões porque todas as mudanças foram muito abruptas para mim e eu falei que eu precisava de ajuda. Eu também defendi e ajudei algumas empresas em questões de saúde mental, então dar uma passadinha no psiquiatra, ter uma ajuda com medicação que faz sentido quando é necessário. A gente tem que deixar de olhar a saúde mental como um tabu.
Eu tento fazer exercícios. Tento tomar água. Acho que tem muitos 'tentar' aí. Hoje pela manhã, depois desse momento que eu tive, eu parei - é uma ferramenta que minha consultora me deu - e eu escrevi uma carta me perdoando por todos os erros que eu cometi e escrevendo quais são as coisas que eu quero fazer de agora para frente, quais são os meus acordos, quais são os meus inegociáveis, como que eu vou me cuidar. Então eu acho que faz parte.
Você tem experiência com voluntariado (AIESEC). Para quem está no começo de carreira, como você acredita que essas vivências podem auxiliar num plano de carreira a longo prazo?
Foram determinantes para o meu sucesso! Eu comecei a trabalhar como voluntária nos projetos sociais que minha mãe fazia, educacionais, tanto eu quanto meu irmão. Isso me trouxe muitas habilidades de organização de eventos, convencimento, até a questão de vendas mesmo. Depois, na faculdade, eu tive outras experiências e a primeira de me encontrar como palestrante, quando eu dava aula para professores falando de educação e direitos humanos.
Depois na AIESEC, que eu acho que foi onde fiquei mais tempo liderando escritório local, sendo coordenadora nacional e depois diretora internacional, que é uma experiência de estágio internacional. Por último, acho que a grande experiência que eu tive foi no grupo Mulheres do Brasil, fundado pela Luiza Trajano, liderando o comitê de igualdade racial.
Sempre que eu vou falar das minhas habilidades numa entrevista de emprego, eu resgato aquelas que eu desenvolvi no voluntariado. Então, quando eu não tinha oportunidade de ter um cargo de liderança na Microsoft, eu exerci a liderança no grupo Mulheres do Brasil. Quando eu não tinha ferramentas para criar coisas, criar projetos, eu sempre fiz numa ótica de voluntariado e eu acho que é onde eu libero meu potencial criativo, então ele foi e ainda é determinante para esses próximos passos, para desenvolver experiências e habilidades que, às vezes, eu não tenho no ambiente corporativo.
Empreender é algo que valoriza mais as pessoas que são mais focadas e especialistas ou pessoas mais generalistas?
Depende do momento, depende do seu cliente, depende do seu perfil, depende do que você gosta, depende de um monte de coisa. E essa é uma resposta bem advogada para dar, né? Existe um livro que eu gosto do David Epstein que é "Por que os generalistas vencem em um mundo de especialistas?", mas eu acho que, no fundo, é mais para endossar o jeito que eu sou, que é um pouco mais generalista, que gosta mais de agilidade. Mas eu respeito também o jeito dos especialistas.
Se você empreende num ramo extremamente técnico, é importante que você seja especialista. Se você empreende no ramo de vendas em marketing digital, é importante que você seja mais generalista. Então, acho que é muito de entender o teu público-alvo, o teu cliente, teu ramo de negócio, qual é o jeito que você gosta de trabalhar e tentar orquestrar e encontrar esse equilíbrio. Particularmente, na minha carreira, eu comecei como especialista e terminei como generalista, mas nada impede que eu volte a ser especialista de novo se isso me fizer feliz.
O fato de eu não ter pretensão de chegar a um posto de liderança na minha empresa é um impeditivo para, um dia, eu conseguir liderar meu próprio negócio? Como equilibrar esses perfis aparentemente opostos?
Definitivamente não. Eu mesma vivi esse momento várias vezes, eu queria só ser especialista, porque eu amava ser especialista e ficava na ponta de vendas e liderava o meu próprio negócio, a empresa ou grupos de voluntariado. Eu sou muita da opinião que a gente pode fazer o que a gente quiser, mas eu acho que é compreender qual é o equilíbrio entre as duas coisas, não deixar de estar sempre se informando, evoluindo dentro da sua empresa.
A minha consultora sempre faz essa pergunta: vai chegar um momento que você vai ter que fazer uma escolha entre a empresa e o seu negócio. Qual é o lugar que você vai escolher? Eu acho que isso é muito mais importante do que pensar que esses perfis são opostos, porque na minha sincera opinião eles não são. Tudo depende do momento de vida que você está vivendo e o que te deixa mais feliz.
A história de uma leitora: “Eu vivo uma situação na minha carreira que, no início foi de aprendizado, mas que hoje tem me frustrado, porque me querem como líder, mas não me tratam como tal. Mesmo quando eu ‘me porto como líder’ eu não tenho capital de liderança com o meu colega de trabalho, porque ele me vê como colega e não como a gestora dele. Sinto que está na hora de sentar com o meu sócio e falar sobre isso, mas eu tenho pavor dessa ideia, porque parece sempre que estou sendo emotiva. Mas chegou ao ponto de que eu odeio a pessoa que eu lidero. Hoje, em uma reunião, ele se auto promoveu, falando as coisas que eu ensino para ele, e ainda fez uma crítica a mim na frente de todos. Se fosse eu, teria agradecido a quem me acompanha nessa jornada. Estou há meses entre jogar tudo pro alto e focar em ser gestora. O que posso fazer?”
Quem nunca teve vontade de jogar tudo para o alto e fazer outra coisa? Depois, quem nunca teve vontade de ver o outro colega o mais longe possível? E quem nunca teve esses feedbacks em reuniões públicas, ainda mais sendo mulher?
Hoje pela manhã eu estava conversando com um amigo e ele falou assim: Lise, às vezes a gente tem que deixar de ter coração e ter estratégia. E o segundo ponto que eu quero trazer é que infelizmente os outros agirão de uma forma muito diferente do que a gente faria. Principalmente naquele momento que você falou: se fosse eu, teria reconhecido os outros. O outro não vai fazer o que a gente espera. A gente só tem controle do que a gente comunica, do que a gente faz. Acho que, primeiro, é cada vez mais se colocar como essa gestora. Então, ser vocal no meu papel de gerente, líder, vendedora.
O segundo ponto é, às vezes, pode ser que seja a hora de trocar, ter novos ares e ver novas experiências. Eu não gosto de conversas difíceis, tá? E isso é normal. Eu entendo quando você fala do sócio, mas está sendo uma experiência ruim para você e ruim para ele também. Eu teria essa conversa com o sócio dizendo que minha expectativa é X, Y, Z, o relacionamento com X pessoa não está legal, eu sugiro que ele vá para outra área ou que eu vá pra outra área e não esqueça que é o que te faz feliz.
A sua felicidade, o seu plano em primeiro lugar, não o que é bom para todo mundo porque a gente tem essa tendência também na gestão. E acho que é bom colocar no papel quais são esses elementos. Como que é o líder que eu admiro? Como eu quero ser reconhecida? Como eu sou hoje e quais atitudes essas pessoas que eu admiro têm para que eu possa fazer igual?
Um dos pontos que acho que faz a diferença na minha carreira é essa observação e depois de observar trazer para a minha personalidade. Na outra pergunta, eu falei muito do Marcelo (o líder gentil) que tinha uma personalidade diferente e eu passei analisando assim: o que eu gosto nele? O que eu admiro nele? O que eu posso fazer igual? O que eu posso fazer diferente? E quais os caminhos que eu posso fazer pra chegar nesse caminho? Eu tentei te dar várias luzes aí, mas o primeiro é: não joga tudo para o alto. Primeiro é estratégia, pensamento plano, conversar com o teu sócio e ver se essa situação está no fim, um dos dois tem que mudar porque está sendo ruim pra empresa como um todo.
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