Diversas pesquisas indicam que muitos profissionais associam episódios de estresse ao comportamento de seus gestores. Um levantamento recente da Conexa, por exemplo, revelou que 76,3% dos colaboradores acreditam que seus líderes impactam diretamente seu bem-estar no trabalho. Apesar disso, é importante lembrar que a saúde mental dos funcionários não é uma responsabilidade exclusiva das lideranças. Afinal, o que os gestores podem fazer para reduzir o estresse de suas equipes?
Para responder a essa pergunta, o Estadão convidou cinco especialistas em carreira para apontar a principal atitude que os líderes podem adotar para promover a saúde mental no ambiente corporativo.
Pedimos para os especialistas citarem apenas ações diretas da liderança, sem incluir políticas ou benefícios corporativos, como programas de bem-estar.
Confira abaixo:
Soft skills? Agora é a hora de resgatar as hard skills
“A principal atitude da liderança é estudar práticas organizacionais e de liderança mais modernas. É preciso abandonar práticas baseadas em comando e controle e evitar aprimorar somente as softs skills. Agora é hora de começar a olhar para as hard skills, os acordos, os rituais, revisão de metas e redesenhar os papéis.
Quando tudo isso está bem contornado, ajustado e transparente acaba impactando na experiência do colaborador e consequentemente na saúde mental das pessoas. Um ambiente com mais transparência, onde as coisas estão mais acordadas e as pessoas conversam sobre a maneira que trabalham é um ambiente em que a saúde mental pode prosperar.”
Maíra Blasi, especialista em futuro do trabalho e fundadora da Subversiva, empresa especializada em consultoria organizacional
Priorize tempo de qualidade
“Uma das atitudes que líderes podem adotar com seus times é garantir que eles tenham tempo de qualidade e frequente, os famosos 1:1 (one-on-one), para conversar sobre as demandas do dia a dia.
Muitos líderes despriorizam essas conversas em detrimento de outras tarefas, o que acaba deixando a comunicação ruim, aumenta a distância entre ambos (física e psicológica) e cria um terreno fértil para todos os tipos de problemas.
O problema desencadeia falta de clareza sobre as tarefas, ausência de feedback, carência de espaços para a resolução de problemas e falta de consciência sobre a própria performance.
Luciano Santos
Essa ausência cria fantasmas de todos os tipos, alimenta a síndrome do impostor e se torna uma enorme fonte de ansiedade. Os gestores não devem deixar seus times no escuro.”
Luciano Santos, especialista em Carreira e autor do livro: “Seja egoísta com sua carreira”.
Estabeleça metas realistas e mostre ser uma pessoa comum
“Comece com uma comunicação aberta e prática. Ouça atentamente e disponibilize tempo para conversas individuais, demonstre interesse genuíno pelos desafios pessoais e profissionais de cada pessoa.
Realize check-ins regulares em reuniões individuais, perguntando diretamente como está a experiência do colaborador no dia a dia, principalmente em contextos de trabalho remoto.
Roberta Rosenburg
Também é preciso observar sinais de desgaste, como quedas de produtividade, absenteísmo ou mudanças de humor. Esteja disposto a abrir conversas para entender os desafios enfrentados.
Liderar pelo exemplo também é importante: demonstre vulnerabilidade ao compartilhar seus próprios desafios e gerencie seu estresse de maneira saudável.
Roberta Rosenburg
Por fim, garanta que a carga de trabalho seja distribuída de forma justa e equilibrada, estabelecendo prazos realistas e metas claras para evitar pressões desnecessárias.”
Roberta Rosenburg, especialista em capacitação e desenvolvimento de liderança e CEO da F.Lead, consultoria de desenvolvimento profissional
Construa relações e valorize aquilo em que as pessoas são boas
“Mais do que os amigos, os familiares e até mesmo o psicólogo, o líder tem um poder que pode, dependendo de suas atitudes e hábitos, afetar profundamente as pessoas. Com isso em mente, é essencial que ele trabalhe algumas questões.
A primeira delas é compreender as demandas e os recursos.
Será que o time tem os recursos necessários para atender às demandas? Por exemplo, desde capacidades técnicas, como as hard skills, até as habilidades comportamentais, as soft skills, e até mesmo os recursos tecnológicos.
Será que a pessoa tem o computador adequado para fazer uma análise ou entregar uma tarefa? Esse ponto é crucial, hoje muitas pessoas adoecem devido à sobrecarga e, muitas vezes, à falta de percepção do líder de que os recursos disponíveis estão aquém das demandas feitas.
O segundo aspecto é o líder focar mais nas habilidades do time.
Existe uma tendência de olhar excessivamente para as fraquezas, cobrar metas não alcançadas e criticar resultados abaixo do esperado. Mas como mudar essa perspectiva e valorizar aquilo em que as pessoas são boas? O que elas gostam de fazer? Quando o líder aloca as pessoas certas nas atividades certas, elas experimentam maior autoestima, senso de realização e significado no trabalho.
Renata Rivetti
O terceiro aspecto é a construção de uma relação de confiança.
Durante muito tempo, os líderes assumiram um papel hierárquico e distante, quase como se estivessem lidando com crianças. Mas como tratar adultos como adultos? Como sair desse modelo de comando e controle, de microgestão, e evoluir para uma liderança inspiradora, baseada em uma relação de direitos e deveres claros?
Renata Rivetti
Hoje, o papel do líder não se resume a bater metas. Trata-se de construir relações, criar ambientes de segurança psicológica e compreender que a cultura de bem-estar é uma aliada da cultura de resultados, e não uma antagonista.”
Renata Rivetti, diretora e fundadora da Reconnect, empresa especializada em felicidade corporativa.
Comece a investir em seu próprio crescimento
“O líder que prioriza a própria saúde mental, com um estilo de vida equilibrado e relacionamentos saudáveis, consegue inspirar pelo exemplo e lidar melhor com temas sensíveis.
O nível de abertura da equipe é proporcional à abertura do líder. Este radar afinado para captar os sinais do ambiente e conectar-se com as pessoas só é possível para quem está bem.
O líder psicologicamente maduro tem consciência dos próprios comportamentos e do impacto que gera nos outros, tem autocontrole das emoções nos momentos de pressão e empatia para ler a equipe. Assim, ele consegue criar um ambiente sadio mesmo em situações de crise.
Caroline Marcon
Estar bem consigo, com a rotina de sono, alimentação, exercícios e terapia em dia é o melhor caminho para lidar com a própria saúde mental e da equipe. Afinal, um líder estressado e mal resolvido precisará de muita energia para lidar com a própria vida e tenderá a descontar a sua frustração na equipe.”
Caroline Marcon, consultora organizacional, coach executiva e autora do livro “O poder dos times AAA”.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.