Se não era fácil equilibrar vidas pessoal e profissional antes da pandemia, com os meses de home office e as restrições necessárias para o combate da covid-19, para alguns ficou ainda mais difícil. Fato é que 32% dos brasileiros sentiram uma piora na carreira no último ano e a saúde mental foi um dos motivos, segundo pesquisa da Oliver Wyman.
A boa notícia é que ter uma produtividade sustentável no dia a dia pode ajudar a evitar o esgotamento profissional. É o que observou a jornalista Izabella Camargo, que já sofreu com a síndrome de burnout, após estudos, conversas com especialistas e pesquisas com mais de quatro mil pessoas.
“O resultado da minha experiência e entrevistas mostrou que todos querem tudo sustentável: meio ambiente, leis, moda etc. Mas a nossa produtividade é sustentável?”, questiona Izabella, que participou de um bate-papo com integrantes do grupo Estadão Carreira e Empreendedorismo do Telegram (neste link), no último dia 15.
Autora do livro Dá um Tempo!, ela explica que é preciso estimular nos profissionais o olhar atento aos comportamentos tóxicos e àquilo que é essencial para a manutenção da saúde mental e física que provavelmente está sendo negligenciado.
Em conversa no Telegram, Izabella respondeu às dúvidas dos leitores e deu dicas para melhorar a produtividade no home office. “Uma maneira de viver bem o dia sem chegar a noite com a sensação de esgotamento é realizar micropausas de 20 a 30 segundos entre um conteúdo e outro para o cérebro ter condições de processar a informação e formar memória”, destaca.
Ouça, no player abaixo, as perguntas e respostas do bate-papo.
De forma inclusiva, para quem não pode ouvir, confira os destaques da conversa em texto abaixo, com os nomes dos leitores que fizeram as perguntas.
Tati Laschuk: O que é produtividade sustentável?
Produtividade sustentável é a capacidade de trabalhar e produzir de forma sustentável, duradoura e com saúde. Queremos e defendemos um mundo sustentável, seja nas leis, relacionamentos, consumo etc., mas e a forma como estou trabalhando? Ela pode ser vivida por quanto tempo? Essa é a ideia. Ou seja, se estiver fazendo o que ama, que continue com saúde. E se quiser se desenvolver de outra forma, que também tenha saúde para encontrar o novo caminho, seja trabalhando para uma empresa ou sendo empreendedor.
Silvia Marcuzzo: Na sua experiência, há mais problemas de sustentabilidade emocional entre empreendedores ou funcionários? Ser empreendedor requer ter entre as soft skills formas de manter em dia a sustentabilidade emocional? Se for sim, que dicas daria?
Sendo funcionário ou empreendedor o seu limite físico e emocional é o mesmo. Para quem vem de atividades com carteira assinada pode ser uma dificuldade maior dedicar a mesma energia em projetos pessoais, mas é uma questão de adaptação. Quando se fala em sustentabilidade emocional é preciso lembrar de coisas essenciais para a manutenção da saúde física e mental que estamos negligenciando. Os mais jovens, especialmente, consideram que isso nunca terá um custo, mas, com o passar do tempo, o corpo exige mais, as habilidade vão mudando, assim como as nossas células.
É preciso ter sustentabilidade emocional. Ou seja, independentemente de onde esteja é necessário autocuidado, aquilo que é essencial e só você pode fazer, como horas de sono, higiene pessoal, alimentação, lazer e atividade física. Coisas que vamos abrindo mão quando a agenda está insana e que, a médio e longo prazos, tornam-se insustentáveis.
Lais Taine: Como ter uma produtividade sustentável quando as empresas remuneram por quantidade de trabalho entregue?
Há empresas e empresas. Algumas já estão reconhecendo o funcionário pela atividade entregue e não pelo número de horas trabalhadas. Você também precisa entender se está com comportamentos saudáveis ou tóxicos. Às vezes, investimos muito tempo pra fazer algo que seria simples. Gosto de falar disso, além do ambiente, que também pode ser ruim, porque é mais fácil investir energia para mudar o que estou fazendo do que todo o sistema.
Estamos passando por muitas mudanças e vai depender de cada empresa e da relação que você pode estabelecer com a sua liderança sobre os critérios de trabalho. Caso não esteja em um ambiente que permita esse diálogo, a sugestão é criar as próprias regras de ouro para preservar a saúde e evitar surtos em home office.
Kelvin Amorim: Comprei o seu livro e achei incrível. Tenho 26 anos e não cheguei a ter uma crise, mas notei que precisava mudar minha vida para encontrar equilíbrio.
Muito obrigada. Que bom que você despertou antes. 26 anos é uma idade em que a gente está fazendo muitas atividades, querendo mostrar valor e, com isso, dizemos sim para tudo e para todos. Não há nada de errado nisso, desde que você coloque limites, que também descanse e durma bem. Acreditamos que é preciso aceitar todas as propostas para sermos respeitados, mas há uma contradição. Quando dizemos sim para todos, pode até ser que gostem de nós, porém não significa que nos respeitem.
No ambiente profissional, quando somos jovens, aceitamos tudo, mas, depois de um tempo, quando as responsabilidades e a pressão aumentam, se não começar a filtrar, a oportunidade pode se tornar até uma punição. Quantas vezes já dissemos sim para algo e depois arrependemos por não ter condições ou tempo suficiente para realizá-lo sem abrir mão de coisas básicas, quase essenciais para a saúde? É disso que estou falando.
Becca Sturki: Tenho 27 anos e passei por uma crise de burnout severa. É algo real e precisamos priorizar o autocuidado.
Sim. Quando temos 20 e poucos anos, muitas vezes, não consideramos as consequências das nossas ações.
Fernando Rabelo: Quando a gente começa a identificar que a nossa produtividade não está sendo sustentável?
Começamos a produzir de forma insustentável quando precisamos de recursos exteriores estimulantes, como remédios, anfetaminas e até drogas, para entregar algo que antes era feito sem muito esforço. Isso significa que a forma como estou trabalhando, ou o número de horas e a intensidade, está me levando a apelar para recursos que não tenho dentro de mim, para tentar entregar aquilo que comprometi.
Nestes meses de pandemia, houve um aumento do consumo de drogas e álcool como forma de anestesia. A questão principal da produtividade sustentável é o equilíbrio. Ou seja, posso compensar certos excessos de trabalho com descanso e respeito às necessidades básicas ou com drogas, compras e alimentos calóricos, por exemplo? Exceção não pode ser estilo de vida.
André Sampaio: Como manter a produtividade e a saúde mental no home office? Trabalho mais em casa do que na empresa, porém me sinto bem mais cansado mentalmente e emocionalmente, talvez, por não haver aquela separação entre casa e trabalho.
A gente vem de um modelo em que você sai de casa, vai para algum lugar, bate o cartão e começa a trabalhar. Essa é a imagem clássica e, agora, tudo mudou. Estamos construindo um avião em pleno voo. Isso desgasta a nossa energia, porque toda mudança gera estresse. Quando você fala que está trabalhando muito e não consegue ter a separação entre casa e trabalho, o melhor a fazer são pequenos rituais para que você transmita esse comando ao seu cérebro e familiares. Você precisa se concentrar de forma diferente, eventualmente, de outras pessoas que estão contigo na mesma casa.
Mas, quantas horas você tem trabalhado em casa? É o mesmo de quando estava na empresa? Pesquisas mostram que estamos trabalhando em média uma hora e meia a mais por semana do que no esquema anterior. Se isso estiver acontecendo você realmente vai se sentir mais cansado.
Dica de ouro para o home office: faça pausas de 20 a 30 segundos entre uma atividade e outra. Do contrário, o cérebro não terá condições estruturais para formar memória e absorver o conteúdo. É por isso que muitas pessoas chegam ao fim do dia exaustas, sem lembrar de nada, nem mesmo do que almoçou.
Luciano Ribeiro Silva: Como se recuperar de um burnout e voltar a ter 100% de produtividade sem recorrer a profissionais de saúde, como médico ou psicólogo?
Você não vai voltar a produzir como antes, porque foi isso que o levou ao esgotamento. É preciso se recuperar primeiro, se afastando do ambiente estressor. Caso seja CLT, são 15 dias, que podem se estender dependendo do tratamento, o que é normal, afinal, o burnout não chega de um dia para o outro e não serão em poucos dias que irá se recuperar.
Primeiramente, é preciso considerar que a síndrome de burnout é um esgotamento causado pelo excesso de estresse e trabalho por longos períodos. Se antes tínhamos lesões físicas, porque o trabalho exigia mais força muscular, hoje, predominam as lesões mentais. Dependendo do grau de burnout, será preciso medicação para recuperar os neurônios. Isso é muito natural. A gente não pode ter psicofobia, que é esse preconceito sobre o mental. A produtividade sustentável também passa por reconhecer e aceitar esse contexto. Se dou condições para o meu corpo com alimentos, preciso dar o mesmo para o meu cérebro processar as informações, descansar, repousar e não pifar.
É fundamental ter o apoio de um psicólogo. Se tem um problema no dente, você procura um dentista. Agora, se precisa recuperar a saúde mental, o psicólogo, psiquiatra ou neurologista são fundamentais. Você só tem condições de manter o autocuidado depois que já estiver bem recuperado. Isso porque a chance de ter uma segunda crise após a primeira é grande, justamente por querer provar, aos outros e para você mesmo, que continua ágil e que não perdeu capacidade cognitiva, o que pode levar a um novo acúmulo de trabalho. São as ciladas do burnout. As dores, seja burnout, depressão ou qualquer outro problema, são mensageiras. São as formas que o corpo encontra para devolver equilíbrio, provavelmente, porque você está indo para um caminho de muitos excessos e negligências.
Ana Gabriela Sulz: Em ambientes extremamente competitivos, quem quer crescer na carreira precisa se superar a cada instante e oferecer além do que se espera de um ‘bom profissional'. Como separar essa linha tênue entre profissional e pessoal, de modo a manter o equilíbrio sem perder as oportunidades de crescimento?
Com bom senso e filtro. É desenvolver o raciocínio crítico com relação ao que está fazendo. Se realmente faz sentido com seus valores e essência ou se está tentando forçar uma imagem que não se sustenta. Ou seja, o que você está produzindo é de verdade ou se continuar poderá ter consequências emocionais? Não importa o ambiente competitivo, afinal, estamos falando de um País com 14 milhões de desempregados. O cenário é delicado em todos os níveis, por isso é preciso ter consciência das consequências do que fazemos, independentemente de qualquer coisa, para evitarmos problemas de saúde. É importante se dedicar e se comprometer, mas sem se corromper ou abrir mão do que é essencial. Caso contrário, a agenda não se sustenta. Quantos estão carregando uma necessaire cheia de remédios para dar conta do serviço? Quantos estão se sentindo tristes e confusos quando, na verdade, estão exaustos? Produtividade sustentável é a capacidade de trabalhar com saúde, sem apelação.
Bárbara Silva: Depois de passar pelo burnout, o que você acha que poderia ter feito de diferente para não chegar àquela exaustão?
Respeitado os meus limites, defendido minhas horas de sono e lidado com o excesso de estresse de forma mais consciente. A gente banaliza o assunto, acha que é bobagem, glamouriza o estresse, mas, em excesso, ele destrói nossas células e sonhos.
Luciano Ribeiro Silva: E quando você tem que abastecer o avião com combustível em pleno voo? Ou seja, e quem não pode parar?
Autocuidado é o combustível, o que te liga a vida. A gente vai abrindo mão justamente do que é essencial para dar conta da agenda de trabalho. Sem incluir horas sono, higiene pessoal, alimentação adequada, lazer e convívio familiar a agenda não se sustenta.
Estamos negligenciando coisas muito básicas para um estilo de vida que não temos consciência das consequências do que estamos fazendo. Quando jovens, temos mais tempo e menos oportunidades. Conforme nos desenvolvemos pessoalmente e profissionalmente, o tempo diminui, porque você vai conquistando novas responsabilidades e, consequentemente, as pressões aumentam. Precisamos saber em que momento estamos da vida e entendermos o que o corpo precisa hoje para fazermos o que amamos sem adoecer. 98% das pessoas que conversei amavam o que faziam quando foram diagnosticadas com a síndrome de burnout. A chance de você, que ama o que faz, começar a ter um ritmo insustentável, e não ver problema em abrir mão de coisas básicas para trabalhar, é muito grande.
Estamos vivendo uma grande mudança na história do trabalho. Uma mudança cultural para a segurança mental. O nosso corpo envia mensagens em forma de dor para lembrar que estamos indo para um caminho que pode ser desequilíbrio. Se estiver sentindo qualquer tipo de dor, investigue, porque, com o tempo, as células mudam e vamos precisar de novos recursos para dar conta do que fazíamos. Contudo, esses recursos não podem vir com drogas, anfetaminas, isso não é sustentável. Espero que vocês tenham tempo de muita qualidade e que pensem nisso. Desejo mais pausas para mais sentidos.
Perdeu o último bate-papo no Telegram?
Fundador da Chilli Beans e apresentador do Shark Tank Brasil, Caito Maia foi o convidado anterior para falar com os leitores e integrantes do grupo Estadão Carreira e Empreendedorismo no Telegram. Na ocasião, Caito deu dicas sobre negócios e empreendedorismo e destacou que este “é um momento muito especial para lançar uma marca”.
Antes dele, falaram no mesmo grupo de discussão o consultor em longevidade Mórris Litvak, que respondeu a dúvidas sobre carreira para profissionais 50+, e a Top Voice LinkedIn Carolina Martins, que falou sobre recolocação no mercado de trabalho. O próximo encontro será nesta segunda, 26, às 17h30, com a influencer e especialista em diversidade Bielo Pereira.
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