Desde o início da pandemia do coronavírus, a ansiedade e o estresse se intensificaram e levaram profissionais a procurar ajuda. Na internet, isso fez a busca pelos termos meditação e mindfulness bater recorde nos últimos 16 anos. Segundo o Google, em 2020 a pergunta “como fazer meditação para ansiedade” teve um crescimento de 4.000% em relação ao ano anterior.
O mindfulness, especificamente, tem sido bastante falado no mundo do trabalho por ajudar a lidar com falta de concentração, pressão e mesmo melhorar a inteligência emocional e as habilidades comportamentais (soft skills) dos colaboradores.
Segundo o especialista Vitor Friary, fundador do Centro de Mindfulness no Brasil, a técnica é um estado de atenção que proporciona mais consciência do que se está vivendo no presente, fazendo a pessoa se desligar das preocupações sobre o futuro e/ou das relações do passado. De acordo com ele, os profissionais que praticam mindfulness conseguem ter mais adaptabilidade em transições, melhora na saúde emocional e menor índice de absenteísmo.
“A prática, quando inserida no ambiente do trabalho, treina foco e concentração, assim como também desenvolve atitudes comportamentais que aumentam compaixão, possibilitando um ambiente de menos conflito e com mais foco na resolução de problemas.”
A Bayer é uma das empresas que oferece mindfulness aos seus funcionários. “Trouxemos a técnica para organização em meados de 2017, como parte de nossas ações de saúde e bem-estar. Nessa época, o assunto ainda era pouco conhecido pela maioria das pessoas”, conta Giselle Chiachio, especialista em saúde e bem-estar da Bayer no Brasil.
Durante a implantação, diz ela, houve a necessidade de se explicar sobre a importância da meditação para quebrar alguns preconceitos. “Hoje, no enfrentamento da pandemia, o assunto se tornou mais popular e ainda mais necessário.”
Antes do isolamento social, as sessões de mindfulness eram oferecidas de forma presencial e o RH tinha o desafio de atender as equipes que trabalham em regiões afastadas. “Nisso, a pandemia ajudou, porque houve a abertura e a possibilidade de as sessões serem online. Hoje atendemos todo o Brasil, com sessões virtuais de 30 minutos”. As sessões são conduzidas pela empresa Mindself (leia mais abaixo).
A secretária executiva Nely Uchida é uma das funcionárias da Bayer que praticam o mindfulness. “Costumo acordar cedo, por volta das 5h, e medito uns 15 minutos antes de pular da cama”, conta ela, que pratica a meditação pelo menos três vezes por semana. A iniciativa da empresa a levou a ter essa rotina, pois, apesar de ter buscado conhecer antes o mindfulness, ainda tinha uma visão de que seria algo complicado de se fazer.
“Já tinha tentado meditar por conta própria antes, mas o conceito que eu tinha era de uma coisa muito difícil. A prática me ensinou que pensamentos vêm e vão. O importante é voltar a ter foco, não desistir e saber que não é o fim do mundo.”
Com a pandemia, a adaptação ao trabalho remoto foi um momento de desafio para Nely, que precisou se organizar com o trabalho e os afazeres de casa. Nesse momento, o mindfulness foi fundamental. “Minha atenção poderia ser pior no home office, quando se tem tantas distrações ao redor, filho falando alto na aula online. Então, eu senti que consigo focar e até neutralizar distrações.”
Sala para meditar e app próprio
No Google, essa prática começou a ser implementada em 2007 por iniciativa do então engenheiro Chade-Meng Tan, que estruturou um programa global de mindfulness conhecido como Search Inside Yourself. Atualmente, a companhia tem seminários e um programa interno chamado gPause, que promove práticas de meditação.
“Essas iniciativas, presentes em mais de 60 escritórios ao redor do mundo, são lideradas por mais de 350 funcionários voluntários, praticantes de mindfulness de longa data, e apoiadas pelo RH”, explica Tatiana Gianini, Gerente de Comunicação do Google Brasil.
Vinícius Malinoski é líder de creative works no Google Brasil e começou a praticar o mindfulness dentro da empresa. “Era um momento em que estava lutando muito por uma promoção. Havia uma carga muito forte de trabalho e pressão. Do outro lado, a própria estrutura do Google ajudava nesse sentido, porque a empresa tem benefícios, como o acesso gratuito a aplicativos de meditação, além de uma sala que as pessoas podem usar para meditar.”
Para ele, ter um grupo de pessoas que meditava às 12h, todos os dias, foi decisivo para conseguir começar. “Quando eu comecei a ir nas sessões de meio dia, aquele horário fez muito sentido para mim e, ao ver outros colegas fazendo aquilo, foi quando eu finalmente consegui encaixar e a coisa deu certo”. Na mudança para o home office, Vinícius conta que o mindfulness ajudou a lidar com as aflições da pandemia.
Na área profissional, ele conta que o mindfulness melhorou dois pontos. O primeiro é a relação com as pessoas, o segundo é na tomada de decisões. “Como a minha função é executiva, eu tenho muitas reuniões e troco de assunto a cada meia hora. Então, tem que entrar naquele assunto, entender o contexto e tomar uma decisão. Exige muito da cabeça e, por isso, ter calma e clareza ajuda a não tomar uma decisão errada.”
A Vivo também tem o mindfulness entre os seus benefícios, e os profissionais podem contar desde 2017 com um aplicativo e um espaço para a prática da meditação. O app Vivo Meditação está disponível ao público, mas para quem trabalha na empresa o acesso é gratuito.
“O feedback dos colaboradores foi muito positivo. Mais de 3 mil colaboradores baixaram o app”, conta Niva Ribeiro, VP de Pessoas da Vivo. Entre eles está Carolina Caetano, consultora de Inovação da companhia. Ela conta que conheceu a meditação por meio de um curso que fez em outra empresa. Na época, seus colegas achavam que ela não conseguiria meditar por ser muito agitada, mas logo no primeiro dia sentiu mudanças. “A meditação diminui a ansiedade, traz positividade.”
Empresas ajudam a implantar prática
Na Bayer, a empresa MindSelf foi contratada para ajudar a conduzir as sessões de mindfulness, que estão acontecendo pelo Zoom. A empresa foi criada por dois executivos que trilharam carreira nos setores financeiro e de tecnologia, Alexandre Ayres e Wagner Lima.
Wagner conta que sempre teve o desejo de empreender e vinha se preparando desde 2008 para isso, mas foi apenas em 2015 que a meditação entrou em sua vida. Ao lado de Alexandre, que também passou a meditar para aliviar carga de estresse do trabalho, ele percebeu que não havia muitas empresas capacitadas para levar esse tipo de assunto para o mundo corporativo.
Fundada no final de 2017, a MindSelf hoje atende desde pequenos negócios até grandes companhias como Enel, Itaú e Copagaz. “O retorno tem sido realmente incrível. Em primeiro lugar, o impacto que nosso trabalho gera nas pessoas que participam dos nossos programas”, conta Wagner.
No caso da startup Zenklub, ela foi fundada em 2016 para oferecer terapia online. Em 2019, se tornou uma plataforma de saúde emocional e desenvolvimento pessoal e, dessa forma, começou a oferecer também outros produtos.
“Antes da pandemia nós não tínhamos meditações no aplicativo, mas a partir dela vimos a procura aumentar. Os próprios psicólogos da plataforma nos relataram que passaram a recomendar técnicas de mindfulness. Criamos nosso catálogo e hoje temos mais de 70 meditações feitas por especialistas”, conta Rui Brandão, CEO e cofundador do Zenklub.
Uma das práticas oferecidas pela startup é a de relaxamento muscular progressivo, desenvolvido pela psicóloga Daniela Sopezki, que fez tese de doutorado sobre a aplicação do mindfulness em sintomas do burnout. Segundo Rui, a síndrome é uma queixa frequente dos usuários da plataforma e, por isso, a empresa julgou importante trazer uma prática de mindfulness para ajudá-los com isso.
E a busca pelo mindfulness não para de crescer. “Nós incluímos a primeira meditação no aplicativo em junho de 2020 e em dezembro o uso já tinha aumentado 800%. No Janeiro Branco, mês de conscientização sobre saúde mental, nós deixamos todos os nossos conteúdos gratuitos, o que fez o número de usuários desse serviço dobrar.”
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