Morar fora do Brasil é um sonho para muitos, e a Espanha, com sua cultura rica, clima ameno e qualidade de vida, se torna um destino atrativo. No entanto, essa experiência também vem acompanhada de obstáculos e adaptações.
Por que a Espanha é um destino atrativo para brasileiros?
O aluguel é caro, mas qualidade de vida e outros itens compensam, dizem brasileiros que moram no país. Uma das vantagens, segundo eles, é que as jornadas de trabalho são mais flexíveis, especialmente no verão, quando muitas empresas permitem que os funcionários saiam mais cedo para aproveitar o dia. A jornada semanal é de 40h, menor que as 44h do Brasil.
A Espanha tem uma população estimada em 47,6 milhões de habitantes, o que corresponde a cerca de 23,4% da população do Brasil.
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Encontrando emprego na Espanha: desafios e oportunidades
Peterson Bruno, 26 anos, deixou Goiânia em outubro de 2023 e se estabeleceu em Burgos, onde trabalha como soldador. Peterson enfrenta uma situação única: apesar de estar trabalhando na Espanha, sua residência legal e sua família estão em Portugal. Com isso, ele cruza a fronteira a cada 15 dias para não ficar em situação irregular.
A realidade de moradia na Espanha também é um fator importante para Bruno. “Atualmente, eu moro em um quarto, que é uma prática comum aqui na Espanha e em Portugal. Eu pago 351 euros (R$ 2.128) por mês”, comenta. Apesar do aluguel elevado, ele destaca que o custo de vida em outros aspectos, como alimentação, é bastante acessível.
O brasileiro não quis revelar o salário.
Aqui, a alimentação é barata; eu não fico olhando os preços no mercado.
Peterson Bruno
Bruno observa que as profissões mais comuns entre os imigrantes estão nas áreas de serviços gerais, construção civil e soldagem. Ele menciona que as áreas de soldadores, caldeiristas e serralheiros estão em alta demanda, oferecendo boas oportunidades para quem busca se reinserir no mercado de trabalho.
Como brasileiros são tratados na Espanha?
Felipe Ormiga e Renata Pinaffi, ambos com 36 anos, também encontraram na Espanha uma nova chance. Pais de um menino de 15 anos, o casal se mudou para Madri depois de Ormiga receber uma proposta de trabalho no país, mas que não foi para frente.
Ormiga, que hoje trabalha no setor de turismo, acompanhando grupos de turistas brasileiros e internacionais por toda a Espanha, reflete sobre como a mudança de carreira foi essencial.
“A pandemia me levou a buscar uma nova forma de trabalho, e foi aí que comecei a aparecer mais na internet e a oferecer passeios turísticos privados. Isso me permitiu me estabelecer melhor por aqui”, comenta.
Sobre a diferença entre imigrantes e nativos no mercado de trabalho, o casal enfatiza que a Espanha é muito receptiva aos estrangeiros, desde que eles estejam legalizados.
“O mercado está mais fechado para quem tenta entrar de forma irregular. As multas para empregadores que contratam trabalhadores ilegais podem chegar a 20 mil euros (R$ 121.276), então não vale a pena correr o risco. Mas para quem está com os documentos em ordem, é muito difícil ficar sem trabalho, principalmente no setor de turismo e tecnologia”, afirma Ormiga.
Apesar das dificuldades iniciais e do choque cultural, eles afirmam que a vida na Espanha trouxe mais qualidade de vida e equilíbrio entre trabalho e lazer.
Pinaffi afirma que o custo de vida em Madrid é bem mais baixo do que no Brasil, exceto pelos aluguéis que são caros em toda a Europa. “Mas o salário é suficiente para ter uma vida tranquila”, garante. O casal optou por não revelar a remuneração.
O que esperar da qualidade de vida na Espanha?
Um dos principais atrativos da Espanha para os brasileiros é a sensação de segurança. Bruno se sente tranquilo ao andar pelas ruas com seu celular à vista, algo que seria arriscado no Brasil.
Felipe Ormiga e Renata Pinaffi afirmam que não gastam com educação para o filho e que as escolas públicas são de excelente qualidade, avaliadas por uma pontuação que mede o nível do ensino.
Essa pontuação é usada por pais e estudantes como referência na escolha das escolas.
“Aqui, a pontuação da escola pública pode ser melhor do que a da privada. As pessoas acabam optando pela escola pública pela pontuação, não por ser paga ou não”, afirmam.
Salários na Espanha: quanto ganha um brasileiro?
De acordo com dados da OCDE, o salário mínimo na Espanha em 2024 é de aproximadamente 1.080 euros (R$ 6.548) por mês, valor que pode variar dependendo da região e do setor econômico.
Esse montante corresponde a cerca de 15.120 euros (R$ 91.684) por ano, considerando o pagamento de 14 meses, que inclui dois salários extras comuns na Espanha (um no verão e outro no final do ano).
Para muitos imigrantes, o recebimento por hora trabalhada é uma prática comum. Bruno, por exemplo, recebe por hora, o que é frequente em sua profissão. Apesar de os salários não serem altos em comparação com outros países europeus, o poder de compra é considerado bom.
Pinaffi considera baixo o custo de vida no país, comparando com os ganhos lá, exceto pelos aluguéis, que são altos em toda a Europa. Mas o salário é suficiente para ter uma vida tranquila, segundo ela.
A reviravolta de um amor espanhol que não deu certo
Rosemary Moraes, 58 anos, também trilhou um caminho desafiador ao chegar à Espanha. Natural de São Paulo, ela se mudou para o país em 2009 após conhecer um espanhol pela internet.
Após apenas três meses, o relacionamento não deu certo, mas Moraes decidiu não voltar ao Brasil. “Eu vim como turista e, depois de três meses, ele se envolveu com outra mulher. Já que eu estava aqui, resolvi ficar”, relembra.
Sem a documentação regularizada, ela começou sua jornada como cuidadora de idosos, um emprego que conseguiu por meio de contatos locais.
Persistente, ela conseguiu regularizar sua situação com a ajuda da Cruz Vermelha e, atualmente, trabalha como gerente comercial e coordenadora geral na agência Espanha Fácil, onde já está há oito anos. Ela não revelou o valor do salário.
Cultura de trabalho na Espanha: ninguém trabalha no verão?
As diferenças culturais no ambiente de trabalho são notáveis e impactam diretamente a vida dos imigrantes.
Na Espanha, as jornadas de trabalho tendem a ser mais flexíveis, especialmente no verão, quando muitas empresas permitem que os funcionários saiam mais cedo para aproveitar o dia. “Aqui, as pessoas não vivem para trabalhar, elas trabalham para viver. Se o trabalho está bem feito, não há problema em sair antes do horário”, afirma Pinaffi.
As longas férias de verão na Espanha são uma tradição profundamente enraizada na cultura do país. Muitas empresas fecham durante o mês de agosto, permitindo que os funcionários desfrutem das praias e do clima ensolarado, afinal a noite só cai por volta das 22h30.
No verão, muitas empresas reduzem a carga horária ou até fecham. É uma época em que todos aproveitam
Renata Pinaffi
A carga horária média de trabalho na Espanha é de 40 horas semanais, 4 horas a menos que o Brasil, com horários flexíveis que variam entre 9h e 18h ou 10h e 19h.
Além disso, o sistema de férias é mais acessível, permitindo que os trabalhadores tirem férias no verão, mesmo que não tenham completado um ano de trabalho.
Peterson também percebeu uma diferença significativa no ambiente de trabalho. “Os supervisores não ficam no seu pé. O funcionário já sabe o que deve ser feito”, comenta.
Essa abordagem mais relaxada contrasta com o modelo de trabalho mais rígido encontrado em algumas empresas brasileiras.
Moraes, por sua vez, destaca a adaptação à famosa siesta, a pausa tradicional durante a tarde. “Você precisa se acostumar, porque das duas às cinco da tarde fecha tudo”, brinca.
Mas os brasileiros ainda enfrentam estigmas. Moraes menciona que muitas vezes há preconceitos contra os brasileiros: “Infelizmente, eles acham que toda brasileira é prostituta e todo homem é jogador de futebol.”
Transporte e poder de compra na Espanha
Além do transporte público acessível e eficiente, a Espanha oferece uma infraestrutura robusta que facilita a vida dos moradores.
Moraes destaca a proximidade de sua casa com metrô, trem e ônibus, tornando desnecessário o uso de carro. Isso contribui para um estilo de vida mais sustentável e econômico.
Ormiga e Pinaffi adaptaram-se rapidamente à vida na Espanha, em grande parte, por causa do transporte público. Mesmo depois de anos no país, eles nunca sentiram a necessidade de comprar um carro.
“Morar no centro de Madri facilita muito. O transporte público aqui é excelente e atende a cidade inteira, inclusive as regiões mais afastadas”, afirma Pinaffi.
O governo espanhol oferece subsídios para o transporte público, tornando o custo de vida ainda mais acessível. “Hoje, pagamos cerca de 21 euros (R$127,34) por mês para utilizar o transporte de forma ilimitada no centro da cidade. Além disso, há algumas linhas de ônibus gratuitas na zona turística”, conta Ormiga.
Eles também destacam a qualidade do transporte para viagens mais longas: “Você pode pegar um trem de alta velocidade para cidades como Barcelona por cerca de 10 (R$67,70). É um dos transportes mais baratos da Europa.”
Entretanto, o alto custo de aluguel continua a ser um desafio. Assim como em outras grandes cidades europeias, os preços das moradias são elevados, mas, como mencionam os entrevistados, essa realidade é compensada pela qualidade de vida e segurança oferecida pelo país.
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