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Revelar homossexualidade traz espontaneidade que se reflete no trabalho, diz CEO gay

Para Javier Constante, CEO da Dow na América Latina e 1º do Brasil em ranking global de líderes LGBT, falar abertamente sobre tema inspira profissionais e transforma empresa

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Por Marina Dayrell 
Atualização:

No mundo corporativo, não faltam listas para nomear as melhores empresas ou os executivos mais bem sucedidos. Porém, os rankings carecem de diversidade. Na Fortune 500, lista anual que nomeia as 500 maiores corporações dos Estados Unidos por receita total, menos de 1% das companhias geralmente listadas possuem CEOs que se declaram abertamente LGBT.

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Há exceções remando contra a maré, no entanto, para a sorte do mercado. Em 2020, a lista da OUTstanding, rede profissional que elege líderes LGBT que estão quebrando barreiras e criando ambientes de trabalho mais inclusivos, selecionou 100 profissionais, entre eles três com atuação no Brasil. O sétimo colocado entre os 100 líderes que estão usando o seu cargo para manter as pautas da diversidade e inclusão no topo da agenda é Javier Constante, CEO da Dow para a América Latina, argentino que vive em São Paulo há dois anos.

Nas últimas semanas, a reportagem foi à procura de altos líderes LGBT que falem sobre o assunto publicamente. Dentro da mais alta liderança, ou seja, conselho de administração e presidência, Javier foi o único entre os cinco nomes que aceitou dar uma entrevista.

Há cinco anos, quando ainda era vice-presidente para Europa, Oriente Médio e África, ele tomou a decisão de começar a falar abertamente sobre ser um homem gay. De lá para cá, passou a levar a pauta tanto internamente na empresa quanto para os grupos de CEOs de que participa. Hoje, mais do que nunca, ele afirma entender a importância de uma alta liderança LGBT falar publicamente sobre o assunto.

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“Eu mesmo não entendia o valor simbólico que tem uma pessoa como eu, sendo gay, em uma posição de liderança. Eu sempre subestimei isso. Muitas vezes eu falava ‘mas eu não sei se eu tenho que sair do armário’. Mas aí eu entendi que uma das coisas importantes é o que você representa. Quando você entra na Dow e você é uma pessoa LGBT, olha para cima dentro da organização e vê que o presidente da América Latina é gay, você pensa 'eu vou conseguir, eu posso conseguir'. Como símbolo isso é muito importante”, conta.

Javier Constante, CEO da Dow para a América Latina. Foto: Felipe Rau/Estadão

Confira a seguir os principais momentos da entrevista com o CEO da Dow, Javier Constante. 

Você ocupa um cargo que ainda é muito pouco ocupado por outros LGBT. O que um profissional LGBT que está no topo pode fazer por outros mais abaixo na hierarquia? 

Existe um fórum de presidentes e CEOs em apoio à comunidade LGBT, eu comecei com esse trabalho em 2019, e entre os 100 presidentes e CEOs eu sou o primeiro que é abertamente declarado gay. Eu fiquei meio surpreendido, primeiro porque era o único deles, e, segundo, por que como é que ninguém falou alguma coisa antes?

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Eu mesmo não entendia o valor simbólico que tem uma pessoa como eu, sendo gay, em uma posição de liderança. Eu sempre subestimei isso. Muitas vezes eu falava ‘mas eu não sei se eu tenho que sair do armário’. Mas aí eu entendi que uma das coisas importantes é o que você representa. Quando você entra na Dow e você é uma pessoa LGBT e olha para cima - simbolicamente, porque eu não estou no último andar - dentro da organização e vê que o presidente da América Latina é gay, você pensa 'eu vou conseguir, eu posso conseguir'. Como símbolo isso é muito importante. 

O fato de ser um presidente gay tem um compromisso, porque eu tenho que ser uma pessoa que tem que ser um guardião, um exemplo, um modelo que inspira os outros para se abrir e falar da sua orientação sexual. 

Você sempre falou sobre a sua orientação sexual no mundo corporativo? 

Eu comecei a falar há cinco anos. O gatilho foi o seguinte: eu estava como vice-presidente para Europa, Oriente Médio e África da Dow e eu pensei que uma das coisas que eu mais apreciava entre as pessoas que trabalhavam comigo era a autenticidade, que elas fossem autênticas comigo para eu entender o que elas queriam e ajudá-las na carreira. Eu fiz uma reflexão de que eu não era 100% autêntico com eles.

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Então, um dia, em uma reunião de liderança, eu contei a história de que eu estava casado com o meu marido, que eu já conhecia há 32 anos. Ao final do dia, o primeiro choque foi a resposta, que foi incrível, de maior carinho e apoio, porque mesmo você sendo líder você precisa de apoio. Você não é imbatível e de aço. E depois muita confiança.

Não tem nada com mais valor do que ser você mesmo a todo momento e isso é bom, porque você leva você inteiro para a empresa, mas também te leva a uma tranquilidade quando você chega em casa. Isso é uma coisa de respeito. 

Você acredita que as pessoas conseguem trabalhar melhor quando elas têm essa abertura para falar sobre serem LGBT no trabalho?

Eu sempre deixei uma parte de mim em casa a cada dia que saía para trabalhar. E se eu tirava férias e viajava com o meu marido, eu nunca falava com quem eu ia. Se eu tinha uma celebração, eu nunca falava com quem eu celebrava. Até que nós nos casamos e eu nunca tinha compartilhado isso, exceto com duas ou três pessoas que já sabiam. 

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Quando você consegue levar a sua vida e a suas vivências com você para o trabalho isso te dá uma capacidade de ser mais espontâneo, mais criativo e, por isso, muito mais efetivo naquilo que você está fazendo. Você não precisa cortar uma parte da sua vida e viver uma outra vida, talvez, com algumas mentiras.

Mesmo assim, eu encontrei pessoas que não tinham falado de sua orientação sexual e alguns dos meninos e meninas do grupo LGBT me falavam ‘fala com tal pessoa’ e eu falava ‘se você não quiser, não fala, mas se quiser, pode falar.’ Demoraram um pouquinho, mas quando passaram a falar, você vê uma mudança na performance da pessoa, porque você vê uma espontaneidade e uma naturalidade que eu não tinha visto nessas pessoas. 

Estou convencido de que isso é um benefício gigante na parte pessoal e emocional, que tem um reflexo claro na parte laboral.

Como as empresas e os líderes podem ajudar os profissionais LGBT a falar sobre identidade de gênero e orientação sexual no trabalho?

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Eu vou te falar como nós fazemos aqui na Dow. Nós colocamos três objetivos, um na parte de política da empresa, outro na parte cultural e o terceiro na participação externa. Na parte de política, o grupo de inclusão trabalha diversas atividades, benefícios, como por exemplo receber benefícios depois que o parceiro falecer ou cobertura médica, o mesmo tipo de apoio para todos os casais. Outra coisa é o benefício da licença-parental e o de tratamento hormonal para pessoas transgênero.

Depois tem a parte cultural, você tem que ajudar também os outros colegas a entender a diversidade de orientação sexual e identidade de gênero. Damos treinamentos para entender o que é LGBT, algumas sessões para os pais de como gerenciar ser um pai de um filho LGBT.

E a terceira parte é o que fazemos externamente. O nosso grupo Glad (grupo interno de apoio a profissionais LGBT) participa da consultoria Mais Diversidade, da Out & Equal (organização sem fins lucrativos de igualdade no local de trabalho). Eu faço parte do grupo de CEOs. Porque acho que nós temos um papel importante em mudar a sociedade também. 

A minha discussão com esse grupo de presidentes é que a Dow e as outras empresas fazem parte de uma grande parte do PIB do País, então alguém tem que ouvir o que nós falamos. E, infelizmente, nos últimos dois anos que estou morando no Brasil, eu ouvi muita coisa ruim da parte governamental. E nós temos que reagir. Não podemos ficar de boca fechada com essa situação. Quando temos uma falta de respeito que é pública, as empresas têm que dizer: isso é inaceitável.

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O mais importante é gerar aliados, por isso eu peço ao meu time de liderança que fique envolvido em todas as atividades, mas não apenas para cumprir uma tarefa, mas porque autenticamente eles querem, porque fazendo parte de um grupo de inclusão, especialmente do LGBT, você aprende. É trazer aliados que ajudam a todo o resto da organização a validar as coisas que você está falando.

Na pesquisa da Mais Diversidade vimos que para 54% dos respondentes ter mais referências LGBT entre executivos e executivas é muito importante no ambiente de trabalho. Você teve essas referências? 

Eu tenho tido a sorte de ter boas referências dentro da empresa. O líder mais alto para quem eu tinha falado, há muitos anos, sobre ser gay é atualmente o meu colega, o presidente da Dow na América do Norte, Louis Vega. Depois, em 2012, o nosso CEO - Jim Fitterling - falou que ele era gay abertamente em uma videoconferência com 55 mil empregados. 

Então, você tem uma mostra de coragem por parte dele - que naquela época ainda era COO - que falou que já havia passado por duas operações de câncer, então achava que tinham coisas muito mais importantes para cuidar do que ser gay.

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Com essas referências, ficou mais fácil. Na minha carreira, eu ouvi muitas piadas sobre os gays e eu tinha que ficar de boca fechada, então é muito difícil quando você passa muito tempo assim, para ter a coragem de falar. A primeira vez é superdifícil, mas depois é muito mais normal. 

Você percebe alguma mudança nesse sentido de geração para geração?

Muda completamente e felizmente. As novas gerações são muito mais abertas. É raro achar alguém que não queira falar sobre sua orientação sexual e que não veja isso de forma totalmente natural. 

Quando começamos com o Glad, só 15% das pessoas LGBTI da empresa tinham vontade de falar de suas orientações sexuais e identidade de gênero - 85% não tinham coragem ou não ficavam à vontade para falar. 

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Hoje, o número de quem fala abertamente subiu para 95%. Então, faz diferença ter uma política, falar do assunto com naturalidade, demonstrar que a liderança está comprometida. 

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