Na última semana, milhares de especialistas renomados do mundo do trabalho se reuniram no South by Southwest (SXSW) para discutir as tendências do mercado nos próximos anos. O festival de inovação, música e cinema aconteceu entre os dias 7 e 15 de março em Austin, nos EUA. Mas como essas previsões podem impactar a cultura de trabalho no Brasil?
Para entender o que realmente pode transformar o mercado brasileiro, o Estadão ouviu especialistas que participaram do evento e acompanharam as discussões. Na edição passada, segundo as especialistas, a inteligência artificial dominou os debates. Este ano, o tema continuou em alta, mas com um olhar mais amplo e novas perspectivas.
Veja quais são as previsões de especialistas brasileiras:
Conexão humana e crise da solidão
Segundo Maíra Blasi, especialista em futuro do trabalho, a conexão humana, a crise da solidão e a valorização das relações sociais serão uma forte tendência para os próximos anos.
Um exemplo foi o discurso feito por Scott Galloway, no SXSW. Ele alertou sobre o aumento da solidão masculina como uma das maiores ameaças sociais. Autor conhecido por suas análises sobre tecnologia, economia e sociedade, afirmou que esse fenômeno leva a uma alienação masculina em massa.
Para as empresas, a crise de solidão e a alienação geram um mercado de consumo radicalizado, com impactos negativos nas decisões sociais e políticas. Além disso, Galloway criticou a IA, ao dizer que sua maior ameaça não está na tecnologia, mas em como diminui a autonomia humana e a capacidade de tomada de decisões.

Quando pensamos no futuro do trabalho, às vezes temos a ilusão de que as tendências seguem um caminho linear. Na verdade, tendências e contra tendências coexistem. O que mais me marcou no SXSW foi a noção de que vivemos um tempo de incertezas, e isso não é necessariamente ruim.
Maíra Blasi, especialista em futuro do trabalho
Diante das incertezas globais, a especialista ressalta que o principal recado do SXSW é que aqueles que souberem navegar por esse cenário, sem buscar respostas definitivas, estarão mais preparados para o futuro.
“Não é porque alguém disse que a inteligência artificial vai dominar tudo que isso será a única realidade. Da mesma forma, não é porque se fala na substituição por robôs que esse é o destino inevitável”, afirma.
Para Blasi, um dos maiores insights do SXSW é de que tendências e contra tendências vão seguir caminhando juntas.
Se olharmos apenas para as tendências, o futuro será mais tecnologia, mais IA, mais automação. Mas as contra tendências mostram um movimento igualmente forte: a busca pela humanidade, saúde mental, conexões sociais e qualidade de vida.
Maíra Blasi
Qual é o futuro da Diversidade, Equidade e Inclusão nas empresas?
Segundo Renata Rivetti, especialista em felicidade corporativa e liderança positiva, as discussões que envolveram D&I partiram do ponto de enxergar a diversidade como um fator estratégico para inovação e crescimento sustentável nas empresas.
Ela cita o painel apresentado pelo trio de executivos: Megha Bansal Rizoli, senior director da Jobs for the Future, Michael Bush, CEO do Great Place to Work e Ellen Mcgirt, editor-in-chief da Design Observer.
“Com base nas experiências dos painelistas do SXSW, a retirada de iniciativas de DEI pode comprometer engajamento, inovação e o crescimento financeiro”, afirma a especialista.
O papel das lideranças foi outro ponto abordado nas palestras, segundo Rivetti. Ela afirma que a conclusão das discussões leva a confirmar que lideranças bem-sucedidas “não são aqueles que cobram metas e resultados insistentemente. Os líderes precisam criar segurança psicológica, gerar e passar confiança para seus times e agir com transparência.”
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Fofoca no trabalho: bom ou ruim?
A fofoca no trabalho foi abordada como um termômetro organizacional no SXSW. Renata Rivetti citou Amy Gallo, especialista em dinâmicas organizacionais e autora de best-sellers, que revelou que 96% das pessoas fofocam no ambiente de trabalho, e isso não é necessariamente negativo.
Durante a palestra, Gallo explicou que 72% dessas fofocas são uma mistura de positivas e negativas, e que, como seres humanos, é impossível eliminar a fofoca do ambiente corporativo.
A fofoca pode ser até boa, pois ela cria conexões sociais, senso de pertencimento, gera momentos de descontração e muito mais. Só não vale “fazer fofoca” para falar mal de uma pessoa, comentar e espalhar aspectos sobre a vida pessoal de um colega, e/ou ferir ou excluir alguém no trabalho.
Renata Rivetti
Futuro do trabalho e a inteligência artificial
Segundo Renata Rivetti, alguns painéis do evento ofereceram uma nova perspectiva sobre a IA. Angela Guzman, do Zoom, e Silvia Oviedo Lopez, do Canva, destacaram que a IA não deve ser vista como uma ameaça, mas como uma aliada na criatividade, colaboração e produtividade.
O executivos destacaram que a adoção da IA pode reduzir até 8 horas de trabalho por semana, mas essa transformação exige experimentação contínua e aprendizado em equipe.
Renata Rivetti
Rivetti sugere que o futuro do trabalho apontado no SXSW será marcado pela combinação de IA + humano, e não pela oposição entre os dois.
Ela ainda aponta que o grande desafio para as empresas agora é garantir que a tecnologia seja uma ferramenta para “empoderar profissionais, e não apenas para acelerar o trabalho”.
A discussão sobre o uso da IA também envolveu o “Paradoxo da Produtividade”, em que a IA não se resume à eficiência, mas é também uma peça na reestruturação organizacional nas empresas.
Muitas pessoas medem a produtividade com base no tempo dedicado ao trabalho, e não nos resultados alcançados. Como consequência, acabam trabalhando longas horas sem priorizar tarefas. A IA deve ajudar a liberar tempo para a inovação.
Renata Rivetti
A especialista destaca que o evento deixou claro que a necessidade de redesenhar processos e estabelecer diretrizes claras para o uso da IA nas empresas.