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100% home office: CEOs e funcionários contam como é trabalhar em empresas que ficaram a distância

Após grandes organizações retornarem ao escritório, pequenas e médias empresas seguem modelo home office; empresários falam em produtividade, trabalhadores praticam esporte e conseguem morar no exterior

Foto do author Jayanne Rodrigues
Atualização:

Em algum momento da pandemia, trabalhadores de diversos setores viveram o auge do trabalho 100% remoto. Três anos depois, a realidade mudou. Segundo dados da consultoria PwC, atualmente somente 9% dos profissionais no País trabalham de forma totalmente remota. Apesar da redução e da onda crescente de empresas que regressam ao escritório, muitas organizações, especialmente pequenas e médias, decidem manter seus funcionários em casa.

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As razões são inúmeras: Desde flexibilidade e maior foco no horário de trabalho até corte de custos com espaços físicos. “A flexibilidade é um benefício importante. Para muitas pessoas, representa um tipo de remuneração, invisível, mas representa. Então, é uma atração de talentos”, pondera Sylvia Hartmann, pesquisadora e consultora de empresas na migração do formato de trabalho.

Para algumas empresas que surgiram com a filosofia de trabalhar de qualquer lugar do mundo, resistir ao movimento de retomada ao presencial não foi uma tarefa difícil.

É o caso da Oxygen, organização fundada em 2019 que produz conteúdo sobre inovação. Com 12 funcionárias distribuídas em diferentes regiões, como São Paulo, Vitória (ES) e até em Londres, a empresa argumenta que os resultados são alcançados sem a necessidade do presencial.

A avaliação é de que o modelo home office permite maior equilíbrio entre a vida pessoal e profissional das colaboradoras - todas são mulheres.

“Achamos que esse é o futuro do trabalho, muito mais leve e flexível, sem o peso das despesas de um escritório, nem as desvantagens da locomoção diária, e é melhor para o meio ambiente”, defende a CEO da Oxygen, Andrea Janér.

Equipe da Oxygen durante reunião remota.  Foto: Oxygen/Reprodução

Para compensar a ausência das conversas dos corredores, a equipe reserva as terças-feiras para se reunir em uma unidade da WeWork (companhia de espaços compartilhados). As funcionárias de outros locais participam a distância. “Guardamos para resolver nesse dia, aqueles projetos que precisam do pensamento focado e coletivo”, explica Janér.

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A empresa paga passeios culturais para toda a equipe a cada dois anos, além da viagem da funcionária de Londres ao Brasil pelo menos três vezes ao ano.

Recentemente, a Oxygen foi anunciada como participante do projeto-piloto da semana de 4 dias no Brasil, que agora se prepara para implementar a redução de jornada no negócio.

“Está no nosso DNA testar novas ideias e aprender com elas. Quando olhamos para as tendências, sabemos que a flexibilidade é um dos valores, não só para a geração jovem que está em busca de equilíbrio, mas para todos que acreditam que é possível ser mais feliz nos papéis que desempenhamos na vida”, afirma a CEO.

Modelo remoto trouxe ganho de produtividade

Embora existam muitas empresas que nasceram remotas, outras estabeleceram o formato somente após o teste forçado pela pandemia. A Cubos Academy, plataforma que oferece cursos online para profissionais de tecnologia, foi lançada poucos meses antes da crise sanitária.

Naquela época, o escritório, com sede em Salvador (BA), funcionou por cerca de três meses. Após o lockdown, os funcionários partiram para o remoto e, desde então, não retornaram à rotina presencial.

Com a mudança da forma de trabalhar, veio a necessidade de adotar ferramentas e novas estratégias para a gestão de tarefas.

Além das conhecidas reuniões online, passaram a utilizar a plataforma Slack (aplicativo de mensagens para empresas) para otimizar a comunicação.

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Segundo o CEO da Cubos, José Messias, a economia no deslocamento reverberou em ganho de produtividade. “Vivemos uma nova era. No online se aproveita muito mais, sobra mais tempo para sair, fazer atividade física.”

A constatação veio por meio de relatos dos próprios funcionários e de pesquisas trimestrais que medem os indicadores de estresse e engajamento - este último alcançou 85% em março deste ano.

Os mais de 100 colaboradores vivem em São Paulo, Paraná, Ceará, Portugal e Canadá. Messias não tem planos de propor um retorno híbrido ou presencial, mas vislumbra ter uma única sede física. “Nosso produto vai continuar sendo online porque funciona super bem assim”, afirma o CEO.

Flexibilidade permitiu mudança de Estado e até de país

A Proesc, plataforma de gestão escolar online fundada em 2009, experimentou remoto alguns meses antes da pandemia, no começo de 2020. A decisão teve a ver com a cultura da organização.

“Sempre tivemos a filosofia de abrir o notebook e trabalhar de qualquer lugar. Na pandemia, viramos a chave de vez. Então, estar no home office não foi difícil”, conta Lindomar Góes, cofundador da Proesc.

Mesmo que os investimentos da companhia tenham foco no remoto, o prédio em Macapá (AP) funciona normalmente para os funcionários que desejam em algum momento trabalhar presencialmente. O espaço conta com área de descompressão, restaurante com chefe de cozinha e uma espécie de mini-hotel.

A maioria dos mais de 90 colaboradores está concentrada no Amapá, e outros moram em Minas Gerais, Pará, São Paulo, Rio de Janeiro e no exterior.

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Um deles é o cientista aeronáutico Matheus Ferreira, 32, que atua há mais de um ano como head do setor de mídias pagas da Proesc.

Há um mês morando na Nova Zelândia para tocar um mestrado, ele encontrou dificuldade para se concentrar no trabalho em meio às distrações.

Matheus Ferreira, 32, da plataforma de gestão escolar Proesc, mora na Nova Zelândia e trabalha em horários adaptados conforme o fuso horário. Foto: Arquivo pessoal

“A parte mais complicada foi desenvolver o hábito e a disciplina na rotina. No início, foi muito complexo porque não estava acostumado com o modelo remoto. Depois consegui colocar na minha mente o que era local de trabalho e o que era local de lazer estando dentro de casa”, relembra.

Para alinhar a distância de 16 horas em relação ao horário brasileiro, Ferreira marca reuniões pela manhã na Nova Zelândia, período em que ainda é tarde no Brasil.

O resto do expediente é utilizado para atividades que podem ser tocadas apenas por ele. “Meu modus operandi é 100% remoto e espero que continue assim”, relata o profissional.

Quem também aproveitou a flexibilidade do remoto para mudar o CEP foi o publicitário Renan Franco, 30, gerente de marketing do Férias & Co, empresa de benefício de viagens.

Ele migrou da capital paulista para Natal (RN) sem data para voltar. Segundo Franco, não fosse o remoto, ele não teria a oportunidade de visitar outros lugares enquanto trabalhava para decidir onde desejaria morar.

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Por causa da flexibilidade do remoto, Renan Franco, da Férias & Co., conseguiu passar temporadas em algumas cidades em que gostaria de morar; em Natal (RN) há mais de dois anos, ele virou entusiasta do nado no mar. Foto: Arquivo pessoal

“Vim para um ambiente diferente, estou perto da praia. Consegui ficar muito mais ativo, principalmente na parte de exercícios físicos. Hoje tenho o hábito de nadar no mar, algo que não era possível no trabalho presencial. Então, fazer o que me faz bem e ser livre para ter minhas próprias escolhas me deixa totalmente motivado a seguir nesse modelo de trabalho”, afirma Franco.

Bruno Carone, CEO do Férias & Co, calcula que por mês são poupados cerca de R$ 10 mil em gastos que iriam para manutenção de escritório, água, luz, produtos de limpeza e outras despesas.

Segundo o CEO, o investimento é revertido nas áreas de auxílio home office e benefícios mensais de viagens para os 50 funcionários.

Vantagem competitiva

A economia no custo de operação dos escritórios dá brecha para empresas investirem em alguns benefícios, no resultado da empresa, no custo do produto, em inovação e capacitação dos colaboradores, afirma a pesquisadora e consultora Sylvia Hartmann.

Segundo Hartmann, as pequenas e médias empresas devem estar à frente do modelo remoto nos próximos anos. Esse protagonismo não acontece pela inviabilidade do formato nas organizações de porte maior, mas sim por um olhar superficial das empresas grandes.

“Uma empresa menor tem mais facilidade de mudar. Já as grandes empresas, escolhem o presencial porque estão acostumadas. Mas, se essas empresas avaliarem o horizonte, aprenderem a trabalhar de forma remota com seus times administrativos, vão ter inúmeras boas práticas que podem ser implementadas com todo o resto da equipe que carrega a empresa de forma operacional”, avalia.

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