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Uruguai tem custo de vida elevado, mas atrai brasileiros que buscam tranquilidade

Brasileiros elogiam segurança, educação e modo de vida mais tranquilo, mas reclamam de valor dos aluguéis, alimentação e itens de higiene

Foto do author Jayanne Rodrigues
Atualização:

A qualidade de vida no Uruguai, país mais caro da América do Sul, é uma das razões que motivaram a enfermeira Gabriela Garcia, 26, mudar-se de Goiânia para a capital, Montevidéu, no início deste ano. Sensação de segurança e bom funcionamento de setores como saúde e transporte público são vantagens apontadas pela brasileira.

O Uruguai todo tem 3,4 milhões de habitantes, o que corresponde a cerca de 28% da população da cidade de São Paulo.

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Segundo dados do Ministério de Relações Exteriores, o vizinho sul-americano tem 59 mil brasileiros residentes no país, ficando atrás apenas da Argentina, Paraguai e Guiana Francesa.

O Uruguai tem um dos maiores IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da região e uma condição de vida que se diferencia do resto da América Latina. Mas, com PIB pequeno e pouca diversidade produtiva, é uma nação cara, explica o economista João Victor Souza, professor de economia da Universidade Federal do Piauí.

“O brasileiro que vai para o Uruguai sabe o que é inflação e tem uma certa maturidade no mercado, mas quando chega lá depara-se com um cenário distinto. Por isso, mesmo os brasileiros que vivem lá, sentem dificuldade porque a previsibilidade de preços do Brasil é diferente”, ressalta.

No país vizinho, o salário mínimo atual é de 21.107 pesos uruguaios, equivalente a R$ 2.791,51, quase o dobro do valor no Brasil, que atualmente é R$ 1.412. A legislação uruguaia estabelece uma jornada de trabalho de 8 horas diárias e até 44 horas semanais, enquanto para o setor industrial, o limite é de 40 horas semanais.

Foco na carreira profissional e na qualidade de vida

A decisão de Gabriela Garcia veio alguns anos após o intercâmbio de um ano em Montevidéu, em 2017. Segundo a profissional, a partir dali o desejo de morar no país começou a fazer parte dos seus planos.

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Foi somente no ano passado, enquanto tentava equilibrar a rotina em dois empregos, que resolveu tirar os planos do papel. Naquele período, atuava em uma clínica de cirurgias plásticas e em uma academia como professora de dança (atividade secundária).

“O trabalho e a saúde financeira em Goiânia não estavam indo bem”, relembra.

Insatisfeita com a carreira no Brasil, em fevereiro deste ano, mudou-se de vez. Desde então, busca revalidar os estudos em enfermagem no país estrangeiro para atuar na área e iniciou o curso de medicina na Universidad de La República (Udelar).

Gabriela Garcia, 26, mora no Uruguai desde fevereiro deste ano. Foto: Arquivo pessoal

Na perspectiva da brasileira, a saúde pública, o transporte público, o aspecto da segurança, a hospitalidade das pessoas e o reconhecimento financeiro da profissão (enfermagem) são os principais motivos que a fazem planejar uma vida a longo prazo no Uruguai.

Entretanto, o alto custo de vida, o clima frio na maior parte do ano e a distância de familiares são pontos negativos.

Gabriela calcula que alimentação, aluguel e medicamento sejam os itens mais caros dentro dos gastos mensais. Em relação à moradia, paga em torno de R$ 4 mil por uma casa de dois quartos que divide com uma colega uruguaia.

A alta nos aluguéis apresenta duas particularidades, sugere o economista João Victor Souza. O primeiro fator é resultado da escassez de espaços disponíveis nos centros urbanos, intensificando a competição por território.

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O segundo, responsável pelo custo elevado dos imóveis e pela indexação ao dólar, é atribuído ao país ser um destino turístico para milionários de todo o mundo, com destaque para lugares como Punta Del Este. De acordo com o economista, certos tipos de imóveis têm aluguéis indexados ao dólar devido à sua localização em áreas turísticas.

Apesar dos preços elevados, Gabriela deseja seguir na capital uruguaia.

É um bom lugar para recomeçar se você gosta de uma vida mais tranquila e se não se importa de ter as estações do ano bem definidas. O Uruguai é para pessoas que acreditam que, por mais que seja caro, o conforto, a segurança e o acesso à saúde e educação de qualidade compensam.

Gabriela Garcia, enfermeira e professora de dança

No dia em que conversou com a reportagem - 2ª semana de maio de 2024 - Gabriela preparava-se para assumir uma vaga como professora de dança em uma academia de Montevidéu. Ela pretende trabalhar durante o período da manhã e da noite.

Situação financeira desanimou brasileira

Foi exatamente o alto custo de vida que motivou a estudante universitária Fernanda Silva, 35, a planejar uma mudança do Uruguai para o Canadá.

Ao lado do marido uruguaio Martín Moresco, 30, e da filha do casal, Amélie Tamar, 3, ela mora em uma quitinete que custa mais de R$ 3 mil em um bairro de classe média da cidade.

Mas a ideia de ir embora do Uruguai não veio de imediato. Ela mora no vizinho sul-americano desde 2013. Na época, os planos eram ficar apenas um ano por causa do intercâmbio estudantil, mas a curta temporada virou 11 anos.

Martín Moresco, 30, Amélie Tamar, 3, e Fernanda Silva, 35, vão para o Canadá porque o Uruguai está muito caro. Foto: Arquivo pessoal

A brasileira ficou encantada por três razões: a sensação de segurança, o acesso à educação e o estilo de vida mais tranquilo que a cidade oferecia. Fernanda teve quatro empregos diferentes (cassino online, empresa de seguros, aplicativo de entrega e uma agência de viagens) nos primeiros anos no vizinho sul-americano.

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A maioria desses empregos era em contratos temporários de três meses na área de call center para clientes brasileiros, pois Fernanda ainda não dominava o idioma espanhol nos primeiros anos.

Ela afirma que o não entendimento da língua é um empecilho para conseguir empregos com maior estabilidade. “Se não falar espanhol é muito difícil ser chamado para uma entrevista. Então, se a pessoa vier falando apenas português, vão ser atividades mais insalubres”, afirma.

Na agência de viagens, por exemplo, ela desenvolveu síndrome do pânico e recebeu indenização da empresa pelos episódios de assédio moral após denúncia no Ministério do Trabalho do Uruguai.

Tenho um pouco de arrependimento de não ter voltado para o Brasil. Porque comecei a trabalhar no Uruguai e não tive mais tempo de me dedicar na universidade.

Fernanda Silva

No Brasil, ela cursava ciências biológicas na Universidade Federal de Alfenas (MG). Atualmente, ainda tenta finalizar a graduação, agora na Universidad de La República (Udelar), mas não conseguiu por causa da dificuldade em balancear trabalho, maternidade e estudos.

Veja um dos vídeos do canal da brasileira no YouTube:

O emprego mais recente da brasileira foi na área de administração da faculdade em que estuda. A principal renda familiar é proveniente do marido, que atua na área de engenharia elétrica.

Segundo Fernanda, embora ele ganhe relativamente bem, em torno de R$ 16 mil, os impostos e gastos básicos (aluguel, alimentação e escola da filha) encolhem o poder de compra. “É quase impossível fazer uma reserva porque é tudo muito caro”, lamenta.

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Para Fernanda, os pontos positivos não compensam o quesito financeiro. Ela e a família devem migrar para o Canadá até o próximo ano.

“Indico o Uruguai para grandes empresários ou uma pessoa que venha com reserva financeira. Chegar com família também é mais complicado”, avalia.

Professor busca menos violência

O professor de espanhol Eduardo Oliveira, 31, concorda que o domínio do idioma seja essencial para galgar empregos com maior remuneração salarial e benefícios.

Ele costuma dizer que a sorte estava a seu favor quando decidiu migrar para o Uruguai. Chegou sem qualquer reserva financeira, mas três dias depois conseguiu uma entrevista em uma agência de marketing na qual passou os quatro anos na função de tradução e correção de textos.

Eduardo Oliveira, 31, mudou-se para Montevidéu em 2015. Foto: Arquivo pessoal

A escolha de sair do Brasil envolveu alguns fatores. Um deles foi a rotina exaustiva quando trabalhava em várias escolas de Fortaleza (CE) e o cenário de violência. “Então, decidi buscar um lugar mais tranquilo”, conta.

Há quatro anos, Eduardo trabalha em uma empresa de tecnologia como técnico de TI. Ele descreve o trabalho como tranquilo. O modelo é de home office, com direito a 20 dias úteis de férias por ano e um bônus salarial durante esse período.

Pontos positivos do Uruguai, segundo o profissional:

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  • Qualidade de vida
  • Educação gratuita no ensino superior sem a necessidade de prestar vestibular
  • Quem está empregado tem direito ao sistema de saúde privado do país
  • Segurança

“No começo, quando via pessoas correndo na rua, ficava preocupado. Depois esse medo desapareceu. Hoje posso ocupar a cidade. As praças e os parques estão sempre cheios, não tem tanta preocupação de violência”, relata Eduardo.

Assim como Gabriela e Fernanda, ele também reclama do valor de alguns itens básicos, especialmente produtos de higiene. O professor conta que um xampu de 400 ml pode custar R$ 60 e um creme dental básico, R$ 10. Aluguel também é citado por ele como uma despesa alta.

Custo de vida no Uruguai

O economista João Victor Souza contextualiza que as razões por trás do alto custo de vida no Uruguai podem ser atribuídas à economia aberta do país, que mantém uma forte exposição aos mercados internacionais, juntamente com uma capacidade de produção relativamente baixa.

O Uruguai depende de importações para consumo, e isso faz com que grande parte dos preços domésticos sejam pautados pela variação do dólar.

João Victor Souza, economista e professor de economia da Universidade Federal do Piauí

A oferta de serviços públicos (segurança, saúde e educação) é outro fator que explica o alto custo de vida.

Supondo que você more na cidade de São Paulo e receba R$ 14 mil por mês, para manter o mesmo padrão de vida em Montevidéu seria necessário ganhar cerca de R$ 19 mil, conforme cálculo do site Numbeo, especializado em custo de vida.

Os preços dos aluguéis na metrópole uruguaia são 4,5% mais altos do que na capital paulista, enquanto os gastos com alimentação no país vizinho são 43,4% superiores. No entanto, o poder de compra local em Montevidéu é 100,8% maior do que na cidade de São Paulo.

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Confira a tabela abaixo:

A estabilidade econômica do Uruguai dos últimos 50 anos levou a nação a uma atual fase de transição para uma renda média-alta, declara João Victor Souza. O economista observa que o enriquecimento da população cresce devagar, mas de forma linear.

Por isso, apesar do alto custo de vida, os uruguaios não sentem tanto os impactos dos altos preços como os turistas, porque o encarecimento ocorre gradualmente, acompanhando o crescimento econômico da população, pondera o economista.

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