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Voltar para o escritório? Estes trabalhadores preferiram pedir demissão

Conforme mais empresas proibem o trabalho remoto, funcionários estão recusando o retorno ao presencial com greves e pedidos de demissão

Por Danielle Abril

Quando Rowan Rosenthal ficou sabendo da exigência de retorno ao escritório do aplicativo de relacionamentos da comunidade LGBTQIA+ Grindr durante uma reunião virtual em agosto, começou a sentir ansiedade, desconforto e raiva.

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O chefe de design de produtos morava a uma distância de 25 minutos de bicicleta do escritório da empresa no Brooklyn, mas, em vez disso, se viu obrigado a mudar para Los Angeles, onde o departamento de Rosenthal foi alocado. Isso não fazia qualquer sentido e não tinha como virar realidade, pensou.

Mas virou. E duas semanas depois, Rosenthal percebeu que, apesar de amar o trabalho, a única opção que fazia sentido era pedir demissão. O mesmo aconteceu com cerca de 45% dos 178 funcionários da Grindr, segundo os trabalhadores.

“Honestamente, eu me senti traído”, disse Rosenthal, que trabalhou para a Grindr durante quase três anos. “Dediquei-me de corpo e alma na defesa do produto e dos usuários e é assim que tudo termina?”

Trabalhadores dizem que não querem voltar aos escritórios para não perder convívio com família e para não gastar com deslocamento Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

À medida que mais empresas impõem a exigência de retorno ao presencial, alguns profissionais estão escolhendo pedir demissão em vez de cumprir a determinação e voltar ao escritório.

Até mesmo algumas das primeiras empresas a adotarem o trabalho remoto durante a pandemia, como a Meta (controladora do Facebook), o Google, a Amazon e a Zoom, estão ficando mais rígidas em relação à retomada do trabalho presencial.

Elas dizem que os trabalhadores são mais produtivos, colaborativos e engajados no escritório. De fato, a porcentagem de trabalhadores remotos nos Estados Unidos está diminuindo – de 17,9%, em 2021, para 15,2%; em 2022, de acordo com os dados mais recentes do Censo.

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Os trabalhadores dizem que seus motivos para pedir demissão incluem tudo, desde a família até as despesas com o deslocamento e inclusive a necessidade de se mudar.

E muitos deles temem que profissionais com deficiência ou que são os principais cuidadores de alguém possam ficar para trás devido à sua incapacidade de trabalhar satisfatoriamente no escritório.

“É irritante ver isso acontecer... principalmente com a narrativa de que os trabalhadores são preguiçosos”, disse Rosenthal sobre as exigências de retorno ao presencial. “É tão fácil descobrir que muitas empresas com trabalho remoto conseguiram lucros recordes.”

Em uma carta aos funcionários, a Grindr disse que alocou cada departamento em um de seus cinco polos e que os funcionários deveriam retornar ao escritório de acordo com seu setor.

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Apesar do êxodo em massa, a empresa disse ao Washington Post que planeja seguir em frente com sua política de dois dias de trabalho presencial por semana a partir de outubro. Ela está oferecendo assistência à realocação dos funcionários que precisarem se mudar.

“Estamos ansiosos para voltar ao escritório em um esquema híbrido... e melhorar ainda mais a produtividade e a colaboração”, disse a empresa, que estava funcionando de modo remoto desde a pandemia, em um comunicado.

O CEO da Tesla e dono do Twitter, Elon Musk, foi um dos primeiros líderes do setor de tecnologia a adotar políticas rígidas de retorno ao escritório em 2022, mas desde então outros seguiram seu exemplo.

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Em junho, o Google atualizou suas regras para incluir o monitoramento do uso de crachás dos funcionários e adotar a presença no escritório como parte das avaliações de desempenho.

No mês passado, o CEO da Amazon, Andy Jassy, disse que provavelmente não terminaria bem para os funcionários se eles deixassem de seguir a exigência de trabalho presencial três dias por semana.

O CEO da Meta, Mark Zuckerberg, também ameaçou demitir os funcionários que não fossem ao escritório três vezes por semana.

E a Zoom, a queridinha da pandemia que possibilitou a milhões de pessoas trabalhar de forma remota, está pedindo aos funcionários que vivem perto de um escritório da empresa para frequentá-lo dois dias por semana.

Os trabalhadores estão rejeitando a ideia, escrevendo cartas para os executivos, organizando greves e pedindo demissão, apesar do mercado de trabalho restrito.

“Não estou nada surpreso”, disse Prithwiraj Choudhury, professor da Harvard Business School que estuda o futuro do trabalho, a respeito dos pedidos de demissão dos trabalhadores.

“Ao impor essas políticas rígidas, você está arriscando seus melhores desempenhos e sua diversidade. Simplesmente não faz sentido do ponto de vista econômico.”

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Choudhury disse que as empresas devem oferecer orientações gerais que permitam a cada um determinar como trabalha melhor após análises e feedback dos trabalhadores.

Isso é especialmente importante no caso das mulheres, que, segundo Choudhury, estão pedindo demissão em grande número – uma perspectiva corroborada por várias pesquisas.

Kisha Velazquez é uma dessas mulheres. A ex-diretora de marketing de conteúdo da empresa de software de recrutamento Joonko disse que as despesas para ter outra pessoa cuidando do filho dela eram simplesmente altas demais. Além disso, ela queria estar mais presente na vida dele.

Antes da pandemia, Kisha gastava 45 minutos para se deslocar de Nova Jersey até o escritório em Nova York. Enquanto isso, seu marido trabalhava de forma autônoma de casa e cuidava do filho deles.

Entretanto, durante a pandemia, os papéis se inverteram depois que o marido foi contratado para um emprego em tempo integral.

Kisha percebeu que não conseguiria seguir de forma adequada a política do trabalho precisando ir deixar e pegar o filho na escola e em outras atividades, o que a levou, no fim das contas, a pedir demissão.

“Fiquei numa saia justa, porque deveria impor uma política na qual não acreditava”, disse ela. “Para mim, a solução mais simples é dar às pessoas uma escolha. Nem todo mundo está na mesma situação.”

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Ter uma escolha teria feito uma grande diferença para Pamela Hayter, ex-gerente de projetos da Amazon. Depois que a empresa anunciou sua exigência de retorno ao escritório, Pamela criou um canal interno no Slack para conversar sobre as preocupações das pessoas.

O canal, que também incluía o CEO, alcançou 33 mil participantes em poucos meses e levou os profissionais a iniciarem uma petição e, por fim, a pedirem demissão por causa da nova política.

Pamela acabou saindo da empresa em agosto e disse na época que quase cem outros profissionais tinham sinalizado também ter planos de pedir demissão. Ela disse que se sentiu obrigada a deixar a empresa.

No entanto, as preocupações de Pamela em relação à política eram pessoais. Ela é mãe de dois filhos e se divorciou durante a pandemia.

Já não era mais possível para ela pagar os US$ 600 de pedágio todos os meses, fora a gasolina e o estacionamento, para ir trabalhar no escritório.

“Fiquei arrasada”, disse ela sobre o fim de sua carreira de oito anos na gigante da tecnologia. “Jurava que trabalharia para sempre na Amazon.”

A Amazon disse que permite aos funcionários solicitar pedidos de dispensa da regra e avalia cada solicitação caso a caso. A empresa também afirmou que certos cargos serão exceções à regra, mas que isso será uma minoria.

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(O fundador da Amazon, Jeff Bezos, é dono do Washington Post. A CEO interina Patty Stonesifer faz parte do conselho da Amazon.)

Para alguns profissionais que se mudaram ou foram contratados para trabalhar remotamente durante a pandemia, o deslocamento é uma tarefa quase impossível, segundo eles.

Christopher Lee, vive em San Diego e foi contratado para trabalhar remotamente como gerente sênior de estratégia de marketing da UCLA Health em 2020.

Mas, no final de 2021, os trabalhadores foram abruptamente solicitados a voltar para o escritório cinco dias por semana, disse ele.

Durante seis meses, ele ficou na casa dos pais em Orange County e se deslocou até Los Angeles enquanto procurava por um apartamento perto do escritório.

Mas passar no mínimo três horas para ir e voltar do trabalho acabou com ele, e o custo de vida alto com o qual precisaria arcar para viver perto do escritório o levou a pedir demissão.

“Foi libertador, mas também um pouco assustador”, disse ele. “Pelo menos agora sei o que devo fazer.”

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Outro ex-funcionário da Grindr, que pediu para permanecer anônimo por medo de retaliações, disse que também resolveu se demitir em vez de se mudar, pois foi contratado para trabalhar remotamente.

Ele se preocupa com o que acontecerá com o aplicativo de relacionamentos depois de 80% dos engenheiros e boa parte de outras equipes técnicas terem pedido demissão durante a primeira fase da política de retorno ao presencial.

A expectativa é que a segunda fase afete mais os cargos comerciais da empresa, disse.

Ele e os colegas acreditam que a mudança da empresa foi consequência da decisão dos trabalhadores de se sindicalizar.

Alguns profissionais dizem que simplesmente trabalham melhor de casa.

Elizabeth Bassett, vive em Houston e é ex-chefe global de marketing criativo da empresa de inteligência de mercados de commodities Argus Media.

Ela disse ter frequentado o escritório na cidade entre dois e três dias por semana durante dois meses antes de pedir demissão em maio de 2022.

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O departamento dela foi reestruturado várias vezes, deixando-a apenas com uma pessoa com quem trabalhar presencialmente e o restante em Cingapura e Londres, o que significava um grande desafio na hora de marcar compromissos.

Ela passava a maior parte do dia no Zoom e raramente se envolvia em atividades produtivas durante seu tempo na empresa. Também era difícil se concentrar no escritório, disse ela.

“Não parecia fazer qualquer sentido”, afirmou, acrescentando que tudo parecia ligeiramente uma encenação. “As pessoas com quem mais me importava e com quem mais trabalhava não estavam lá.”

No caso de Rosenthal, a saída da Grindr possibilitou uma nova oportunidade: um trabalho totalmente remoto em outro aplicativo.

“É como sair de um relacionamento”, disse Rosenthal. “É ruim, você se sente ferido. Então você se permite sofrer durante um tempo, encontra outra pessoa e fica feliz outra vez.” /TRADUÇÃO: ROMINA CÁCIA

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