A crise da pandemia de covid-19 acabou sendo favorável para o agronegócio brasileiro, avaliou o sócio-diretor da Scot Consultoria, Alcides Torres. “O Brasil se beneficiou, mas é bom dizer que estávamos ‘preparados’ para esta crise”, continuou. “Não que a gente esperava que esse abalo fosse ocorrer, mas para o agro foi favorável”, prosseguiu, mencionando sobretudo as exportações crescentes de alimentos.
Em painel sobre os reflexos da pandemia no setor agropecuário brasileiro durante o Summit Agro 2022, promovido pelo Estadão, Torres exemplificou que, no caso do setor de carnes, os grandes frigoríficos estavam preparados porque se tornaram “companhias exportadoras de alimentos, e não só de carnes”. “Os principais frigoríficos não exportam só carnes, eles trabalham também com laticínios e alimentos de maneira geral.”
Diversificação
Assim, para o consultor, mesmo com os problemas logísticos globais ocasionados pela pandemia de covid-19 e, depois, da guerra na Ucrânia, o agronegócio brasileiro “se deu bem”. Um dos motivos pelos quais os frigoríficos brasileiros sobressaíram foi a internacionalização dessas indústrias, com operações em vários países. “Isso permitiu fazer frente a uma crise como a da pandemia.”
Outro aspecto que provou que a pecuária brasileira estava “pronta” para enfrentar uma crise global de abastecimento e logística diz respeito ao uso intensivo de tecnologia, segundo Torres.
“Houve, ao longo dos anos, adoção de tecnologia, pesquisa e desenvolvimento, valorização da ciência”, citou. “Tudo isso fez com que o Brasil estivesse pronto. Nossos produtos duram mais na prateleira, temos uma carcaça bovina bem mais pesada do que há 40 anos, a produtividade de soja é maior.” Mas, para Torres, o que segue prejudicando a agropecuária brasileira é o protecionismo da União Europeia e dos Estados Unidos. “Sofremos com isso porque nossa agricultura é pouco subsidiada e a deles, muito subsidiada.”
No mesmo painel, o CEO da Crop Care – empresa da holding Lavoro que trabalha com adubos especiais e bioinsumos –, Marcelo Pessanha, avaliou que, embora o segmento de adubos convencionais tenha sofrido mais com a crise global na cadeia logística – já que sua formulação depende predominantemente de ingredientes importados –, os fertilizantes especiais e bioinsumos sofreram menos. “Esse segmento não precisa tanto de insumos importados”, explicou. “Assim, a parte que dependia de insumos internos conseguiu maior flexibilidade (para a sua produção)”, disse.
Receita caseira
Ele ressaltou que, com o explosivo aumento de custos dos fertilizantes NPK (nitrogênio, fósforo e potássio, importados), os adubos especiais “foram alternativa importante para o agricultor”. “Com isso, tivemos um aumento exponencial na venda e uso de fertilizantes especiais, seja por falta do fertilizante comum, seja por causa do aumento de preços.”
Pessanha ressaltou também o crescimento do segmento de bioinsumos – por exemplo, defensivos biológicos, à base de fungos e insetos. “Tudo o que está relacionado à covid-19 e a impactos da guerra na Ucrânia de certa forma acelerou a adoção de biotecnologia aqui.”
Tanto que, segundo ele, hoje há mais de 500 produtos biológicos registrados no Ministério da Agricultura. “E tudo isso puxado por grandes culturas.” O executivo garantiu que há defensivos biológicos que “funcionam tão bem quanto agroquímicos” e que passaram a ser usados em larga escala. A Crop Care, por exemplo, teve de dobrar a capacidade de produção no último ano para atender à demanda.
Investimento
No mesmo painel, o diretor regional da Syngenta Proteção de Cultivos na América Latina e no Brasil, Juan Pablo Llobet, mencionou que, amenizada a crise de covid-19 e ainda em meio à guerra na Ucrânia, as empresas que se deram melhor foram aquelas que conseguiram aplicar “tecnologia e inovação”.
Além disso, justamente por causa da crise logística global, a companhia agora vem trabalhando para reduzir a dependência externa na cadeia de insumos para a produção de seus agroquímicos, bioinsumos e sementes. “Fazemos isso trazendo investimentos para pesquisa e desenvolvimento, com parcerias da Syngenta com empresas locais”, citou.
Llobet destacou também que o setor necessita de um “marco econômico e regulatório” para garantir mais investimentos no futuro. “Vamos continuar investindo em pesquisa, inovação e logística no Brasil se o País tiver este marco”, afirmou.
Apesar da grande dependência da demanda chinesa, especialmente na exportação de grãos, o grande desafio do agronegócio brasileiro nos próximos anos também será produzir mais com menos recursos, acrescentou Llobet. “No curto prazo, o Brasil vem tendo uma relação muito boa com a China em exportação de grãos. Mas a necessidade de produzir mais com menos recursos vai continuar, independente dos chineses. Com as mudanças climáticas, a variabilidade em termos de produção ficará mais crítica nos próximos anos e se tornará essencial economizar recursos.”
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