Em meio a um agravamento da crise climática ainda mais acelerado do que o previsto, as metas de redução de emissões precisam ser mais ambiciosas e alcançadas em menor tempo. Nesse contexto, o Brasil tem grande potencial para liderar esse movimento no mundo, especialmente se chegar ao carbono zero até 2040, não 2050.
Essa atuação poderia ser traduzida por algumas palavras-chave, como adaptação, transição energética e economia circular, segundo os especialistas e representantes da Indústria que nesta quinta-feira, 26, participaram do primeiro painel do Estadão Summit ESG 2024, cuja temática foi o papel das empresas ante a proximidade da Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP-30), que será sediada em Belém, em novembro de 2025. A medição foi da jornalista Karla Spotorno, editora do Estadão/Broadcast.
“É um risco total”, alertou o climatologista Carlos Nobre — uma das principais referências internacionais na área — sobre uma possível manutenção de 2050 como o ano a se alcançar, enfim, a neutralização das emissões, o que está sendo pactuado desde o Acordo de Paris, de 2015.
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Espera-se que essas metas sejam revistas na COP brasileira, enquanto a edição deste ano, em Baku, no Azerbaijão, tende a ser centrada especialmente em financiamento climático. Por outro lado, o governo brasileiro tem sinalizado que pode anunciar metas próprias mais ambiciosas ainda em 2024.
“A COP 30 será a mais importante das 30. Vai ser a mais desafiadora e importante. E o Brasil tem todas as condições de ser o primeiro país a zerar as emissões”, destacou o climatologista. “Se a gente continuar e for zerar as emissões líquidas em 2050, vamos passar dos 2°C (de elevação da temperatura média global)”, completou ele, que ainda salientou a estimativa de que essa elevação poderia chegar até a 4°C se as emissões não forem suficientemente neutralizadas.
Como exemplo da importância, citou ainda o potencial de disseminação de doenças nas florestas tropicais se não forem restauradas, a exemplo do aumento de casos do vírus oropouche na Amazônia neste ano. “Se continuar degradando florestas tropicais, vai gerar uma ou duas pandemias por década.”
Indústria mais atuante no debate
O superintendente de Assuntos Legislativos da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Marcos Borges de Castro, afirmou que a entidade tem aumentado a participação e se preparado para que seja ainda maior nesta e na próxima COP, assim como nas subsequentes, com eventos preparatórios previstos para antes e depois das próximas edições.
“As empresas têm demonstrado mais interesse”, afirmou. Somente o evento pré-COP 29 deste ano terá 500 participantes, em outubro, de acordo com o representante da CNI. “Muitas entidades, não só da base industrial, mas de outros setores nos procuram para participar desse movimento”, destacou.
Também falou sobre a tramitação do projeto de lei de regulamentação do mercado de carbono no País, elogiando a versão atual, dizendo-se otimista para uma aprovação ainda neste ano. “O texto amadureceu, está muito mais razoável. Acho que, depois das eleições, ainda tem um pequeno espaço (antes da COP 29, que começa em 11 de novembro) para tentar ver esse texto ser aprovado”, disse.
Como exemplo, o vice-presidente e COO da Hydro Bauxita & Alumina, Carlos Neves, afirmou que a multinacional tem metas de zerar emissões até 2050, com uma discussão interna de antecipação para 2040. Também falou na importância de redução de passivos, como a reabilitação ambiental, buscando a chamada “natureza positiva”, com um reflorestamento até maior do que o gerado.
Especialista em Políticas Climáticas da ONG Imaflora, Renata Potenza destacou a necessidade de que uma possível nova meta climática brasileira aponte os caminhos para que seja alcançada. “O ponto para ficar de olho é sobre planos de implementação e ação. A palavra-chave é como vamos implementar essas metas”, salientou.
Ela defendeu que as soluções passam em grande parte pelo uso da terra, como a redução do desmatamento, a recuperação da cobertura florestal, a transição para sistemas agroalimentares mais sustentáveis e um melhor manejo de resíduos nas cidades. “Trabalhar depois as perdas e os danos será muito maior.”
Agravamento da emergência climática
No painel, Carlos Nobre destacou que o Brasil tem o perfil de emissão que facilita uma neutralização das emissões, das quais cerca de 18% são ligadas a combustíveis fósseis, enquanto o restante é advindo do desmatamento e dos setores agropecuários, majoritariamente.
Se a gente atingir 2,5°C, dispara o que a gente chama de pontos de não retorno negativos. Vamos perder a Amazônia, vamos descongelar grande parte do solo congelado da Sibéria e do norte do Canadá, mais de 500 bilhões de toneladas de gás do efeito estufa serão emitidas.
Carlos Nobre, climatologista
O climatologista destacou que a temperatura global segue 1,5°C acima da média calculada de 1850 a 1900 ao longo de cerca de 15 meses. Se seguir nesse patamar em 2025, significará possivelmente uma consolidação dessa elevação — não um fenômeno temporariamente intensificado pelo El Niño.
Ou seja, seria uma antecipação do que estava antes previsto para ocorrer entre 2028 e 2030. “A temperatura continua alta, os oceanos bateram recordes de temperaturas, o Atlântico Norte bateu todos os recordes da sua história, o mar de gelo próximo da Antártica acelerou muito nos últimos anos. Tudo isso está nos deixando uma preocupação grande”, explicou.
Também salientou os impactos ambientais e na intensificação de desastres por causa do aquecimento global. “A ciência vinha dizendo, mas talvez a população não tenha percebido: quando chega a 1.5°C, as ondas de calor, as secas, as inundações, o fogo, aumentariam exponencialmente. E foi o que aconteceu: batemos recordes em todo o mundo”, completou.
“Se atingir 1,5°C agora, com esse critério (meta global atual), talvez se chegue a 2050 com 2,5°C”, alertou. “Se a gente atingir 2,5°C, dispara o que a gente chama de pontos de não retorno negativos. Vamos perder a Amazônia, vamos descongelar grande parte do solo congelado da Sibéria e do norte do Canadá, mais de 500 bilhões de toneladas de gás do efeito estufa serão emitidas. E, se isso acontecer, corremos o risco de, no final deste século, chegar com 3°C, até 4°C (de aquecimento)”, afirmou.
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