Supersafra derruba valorização das terras agrícolas em 2023, depois de um ciclo de alta

Preço em queda das commodities afetou a rentabilidade dos produtores e travou os negócios com terras; valor médio de um hectare para agricultura subiu 3,2% em 2023, depois da alta de quase 60% nos últimos três anos

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Foto do author Márcia De Chiara
Atualização:

A combinação entre a supersafra de grãos, os juros ainda elevados e a queda na cotação das commodities no ano passado interrompeu um ciclo de supervalorização do preço da terra para cultivo agrícola, iniciado em 2020. Em três anos, entre 2020 e 2022, a valorização foi de 59,9%. No ano passado, no entanto, houve uma freada: o aumento real nas terras usadas para cultivo foi de 3,2%, descontada a inflação medida pelo Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) da Fundação Getulio Vargas. Os números constam de uma pesquisa da consultoria S&P Global Commodity Insights

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No caso das terras para pastagens, a situação foi um pouco diferente: o avanço, em termos reais, foi 12,9%. Nesse caso, entre 2020 e 2022, o crescimento havia sido de 42,7%.

Para especialistas, uma das principais explicações para isso é a rentabilidade da safra agrícola, que sofreu uma queda exatamente pela supersafra - que joga os preços para baixo. No caso da soja, o principal produto do agronegócio brasileiro, a rentabilidade em 2022/2023 ficou próxima dos níveis históricos, mas inferior às duas safras anteriores. O milho também teve rentabilidade baixa. Isso acabou pesando no preço das terras, de acordo com o relatório da consultoria, que pesquisou preços com a corretores e agentes de mercado em 133 regiões do País. Com perspectivas de menos ganhos, os produtores investem menos em terras, o que acaba derrubando os preços.

Na análise de especialistas, o comportamento modesto do mercado de terras no ano passado acabou sendo, na verdade, uma volta aos patamares históricos, isto é, de uma valorização anual entre 3% e 6%. “Não foi ruim, teve até um ganho real”, observa o gerente da consultoria Agro do Itaú BBA, o agrônomo Cesar Castro Alves.

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Queda no preço dos grãos afetou a saúde financeira dos produtores que reduziram os negócios com terras em 2023 Foto: Tiago Queiroz/Estadão

Nos últimos anos, a pandemia da covid-19, a guerra entre Rússia e Ucrânia, a quebra de safra na Argentina e os efeitos do evento climático La Niña levaram a uma forte valorização dos grãos. Isso proporcionou excelentes resultados para os produtores, que acabaram expandindo áreas e turbinando as cotações da terra.

“Aquele foi um momento fora da curva e esses fatores ajudaram os preços das terras a subirem muito naquele período”, diz Alves. Ele ressalta que o mercado de terras é consequência direta do que acontece com as finanças do produtor.

No entanto, no ano passado, o mercado virou. Segundo cálculos do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Esalq/USP, os preços dos produtos agropecuários caíram, em média, 16,4% em 2023.

Houve uma retração de 22,5% nos grãos – com recuos na soja (-22,2%), milho (-25,0%), trigo (-26,4%) e algodão (-34,0%) –, além de queda de 11,1% nas cotações dos produtos da pecuária. O preço da arroba do boi gordo recuou 20,5%, o frango teve queda de 14,4% e o leite registrou retração de 7,6%.

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Mudança de governo

Para o corretor e dono da imobiliária Terras Gold, João Terras, de Cuiabá (MT), que atua em todo o Estado do Mato Grosso por meio de 150 parcerias, houve também um componente político que ajudou no desempenho fraco no ano passado. “Teve muito boato de que o governo faria a reintegração de posse de algumas propriedades.”

Atuando nesse mercado desde 2016, ele conta que em 2023 vendeu em terras a metade do que normalmente comercializava em anos anteriores, cerca de R$ 50 milhões. “Foi o pior ano desde 2016.” Entre os poucos negócios fechados, a totalidade foi de terras para pecuária.

Pesquisa da S&P mostra que, no ano passado, terras para pastagem tiveram uma valorização quatro vezes maior que a média registrada em áreas para agricultura. O resultado pode parecer contraditório em um ano no qual o preço da arroba do boi gordo caiu 20,5%, em média, segundo o Cepea.

Especialistas apontam razões para esse movimento aparentemente contraditório. Uma delas é que áreas para agricultura valem mais do que as de pastagem e, portanto, têm menos margem para valorização.

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Valorização do hectare para pastagem foi superior à alta da terra para agricultura no último ano Foto: José Maria Tomazela/Estadão

Além disso, nos últimos tempos vem ocorrendo um movimento de conversão de pastagens degradas para terras destinadas à agricultura. E isso, segundo especialistas, teria impulsionado o preço das pastagens, embora a cotação da arroba esteja muito distante do pico atingido no passado recente.

Onde estão as terras mais valorizadas?

Num ano em que o preço médio das terras para o agronegócio no País perdeu o forte impulso de alta, algumas regiões foram na contramão e registraram forte crescimento. A maioria dos municípios com maiores valorizações de terras para grãos e pecuária está localizada nas regiões Centro-Oeste e Norte.

São José do Xingu, por exemplo, que fica no Estado do Mato Grosso, registrou a maior alta de terras para grãos do País em 2023, segundo a pesquisa. O preço do hectare de terra plana subiu 55% em um ano. Custava, em média, R$14,5 mil no final de 2022 e encerrou o ano passado cotado a R$ 22,5 mil.





O produtor Egídio da Silva Abreu, que há sete anos planta soja e milho em 2.700 hectares próprios em São José do Xingu (MT), diz que o clima e a produtividade do solo, além da topografia plana que permite o uso de máquinas agrícolas, explicam a liderança do município no ranking das maiores valorizações das terras para grãos no País.

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“O clima da região é excelente, chove bem”, diz ele. A qualidade do solo é outro fator importante, porque alavanca a produtividade. Segundo o produtor, é normal encontrar no município áreas com 30% a 40% de argila no solo. “Tem áreas com até 70%.”

O resultados dessa combinação de clima regular com alta qualidade da terra é o aumento de produtividade. Abreu conta que no ano passado tirou, por hectare, 74 sacas de soja e 144 sacas de milho. “Aqui não temos safra e safrinha: temos duas safras cheias de soja e de milho e no inverno jogamos um capinzinho para cobrir o solo.”

A vice-liderança das maiores valorizações de terras para grãos no ano passado ficou com Santana do Araguaia, na região de Redenção, no Pará. Ali, o hectare em dezembro do ano passado estava cotado, em média, em R$ 13,5 mil, com alta de 40,26% ante dezembro de 2022.

Em pastagem, as terras mais valorizadas no ano passado estão nos municípios de Breves, no Pará, e de Pirapora, Minas Gerais. Em ambos a valorização em um ano foi de 63%. Em Breves, porém, o preço do hectare é muito baixo: fechou 2023 em R$ 380. Em Pirapora, fechou em R$ 11 mil.

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Paraná e São Paulo têm o hectare mais caro

Paraná é o Estado com a terra mais cara para grãos em 2023. De acordo com a pesquisa, o hectare para grãos valia, em média, R$106,8 mil, quase o dobro da média do País (R$ 55,7 mil). Em seguida, vem o Estado de São Paulo, com áreas consolidadas para grãos que custam R$ 74,9 mil o hectare, e o Rio Grande do Sul (R$ 64,1 mil).

Para pastagem, São Paulo tem também o hectare mais valioso do Brasil, cotado, em média, em R$ 33,9 mil em dezembro de 2023. É mais que o dobro da média do País (R$ 15,2 mil). Na sequência, estão Paraná (R$ 31,2 mil) e Santa Catarina (R$ 27,2 mil).

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