A combinação entre a supersafra de grãos, os juros ainda elevados e a queda na cotação das commodities no ano passado interrompeu um ciclo de supervalorização do preço da terra para cultivo agrícola, iniciado em 2020. Em três anos, entre 2020 e 2022, a valorização foi de 59,9%. No ano passado, no entanto, houve uma freada: o aumento real nas terras usadas para cultivo foi de 3,2%, descontada a inflação medida pelo Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI) da Fundação Getulio Vargas. Os números constam de uma pesquisa da consultoria S&P Global Commodity Insights
No caso das terras para pastagens, a situação foi um pouco diferente: o avanço, em termos reais, foi 12,9%. Nesse caso, entre 2020 e 2022, o crescimento havia sido de 42,7%.
Para especialistas, uma das principais explicações para isso é a rentabilidade da safra agrícola, que sofreu uma queda exatamente pela supersafra - que joga os preços para baixo. No caso da soja, o principal produto do agronegócio brasileiro, a rentabilidade em 2022/2023 ficou próxima dos níveis históricos, mas inferior às duas safras anteriores. O milho também teve rentabilidade baixa. Isso acabou pesando no preço das terras, de acordo com o relatório da consultoria, que pesquisou preços com a corretores e agentes de mercado em 133 regiões do País. Com perspectivas de menos ganhos, os produtores investem menos em terras, o que acaba derrubando os preços.
Na análise de especialistas, o comportamento modesto do mercado de terras no ano passado acabou sendo, na verdade, uma volta aos patamares históricos, isto é, de uma valorização anual entre 3% e 6%. “Não foi ruim, teve até um ganho real”, observa o gerente da consultoria Agro do Itaú BBA, o agrônomo Cesar Castro Alves.
Nos últimos anos, a pandemia da covid-19, a guerra entre Rússia e Ucrânia, a quebra de safra na Argentina e os efeitos do evento climático La Niña levaram a uma forte valorização dos grãos. Isso proporcionou excelentes resultados para os produtores, que acabaram expandindo áreas e turbinando as cotações da terra.
“Aquele foi um momento fora da curva e esses fatores ajudaram os preços das terras a subirem muito naquele período”, diz Alves. Ele ressalta que o mercado de terras é consequência direta do que acontece com as finanças do produtor.
No entanto, no ano passado, o mercado virou. Segundo cálculos do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Esalq/USP, os preços dos produtos agropecuários caíram, em média, 16,4% em 2023.
Houve uma retração de 22,5% nos grãos – com recuos na soja (-22,2%), milho (-25,0%), trigo (-26,4%) e algodão (-34,0%) –, além de queda de 11,1% nas cotações dos produtos da pecuária. O preço da arroba do boi gordo recuou 20,5%, o frango teve queda de 14,4% e o leite registrou retração de 7,6%.
Mudança de governo
Para o corretor e dono da imobiliária Terras Gold, João Terras, de Cuiabá (MT), que atua em todo o Estado do Mato Grosso por meio de 150 parcerias, houve também um componente político que ajudou no desempenho fraco no ano passado. “Teve muito boato de que o governo faria a reintegração de posse de algumas propriedades.”
Atuando nesse mercado desde 2016, ele conta que em 2023 vendeu em terras a metade do que normalmente comercializava em anos anteriores, cerca de R$ 50 milhões. “Foi o pior ano desde 2016.” Entre os poucos negócios fechados, a totalidade foi de terras para pecuária.
Pesquisa da S&P mostra que, no ano passado, terras para pastagem tiveram uma valorização quatro vezes maior que a média registrada em áreas para agricultura. O resultado pode parecer contraditório em um ano no qual o preço da arroba do boi gordo caiu 20,5%, em média, segundo o Cepea.
Especialistas apontam razões para esse movimento aparentemente contraditório. Uma delas é que áreas para agricultura valem mais do que as de pastagem e, portanto, têm menos margem para valorização.
Além disso, nos últimos tempos vem ocorrendo um movimento de conversão de pastagens degradas para terras destinadas à agricultura. E isso, segundo especialistas, teria impulsionado o preço das pastagens, embora a cotação da arroba esteja muito distante do pico atingido no passado recente.
Onde estão as terras mais valorizadas?
Num ano em que o preço médio das terras para o agronegócio no País perdeu o forte impulso de alta, algumas regiões foram na contramão e registraram forte crescimento. A maioria dos municípios com maiores valorizações de terras para grãos e pecuária está localizada nas regiões Centro-Oeste e Norte.
São José do Xingu, por exemplo, que fica no Estado do Mato Grosso, registrou a maior alta de terras para grãos do País em 2023, segundo a pesquisa. O preço do hectare de terra plana subiu 55% em um ano. Custava, em média, R$14,5 mil no final de 2022 e encerrou o ano passado cotado a R$ 22,5 mil.
O produtor Egídio da Silva Abreu, que há sete anos planta soja e milho em 2.700 hectares próprios em São José do Xingu (MT), diz que o clima e a produtividade do solo, além da topografia plana que permite o uso de máquinas agrícolas, explicam a liderança do município no ranking das maiores valorizações das terras para grãos no País.
“O clima da região é excelente, chove bem”, diz ele. A qualidade do solo é outro fator importante, porque alavanca a produtividade. Segundo o produtor, é normal encontrar no município áreas com 30% a 40% de argila no solo. “Tem áreas com até 70%.”
O resultados dessa combinação de clima regular com alta qualidade da terra é o aumento de produtividade. Abreu conta que no ano passado tirou, por hectare, 74 sacas de soja e 144 sacas de milho. “Aqui não temos safra e safrinha: temos duas safras cheias de soja e de milho e no inverno jogamos um capinzinho para cobrir o solo.”
A vice-liderança das maiores valorizações de terras para grãos no ano passado ficou com Santana do Araguaia, na região de Redenção, no Pará. Ali, o hectare em dezembro do ano passado estava cotado, em média, em R$ 13,5 mil, com alta de 40,26% ante dezembro de 2022.
Leia também
Em pastagem, as terras mais valorizadas no ano passado estão nos municípios de Breves, no Pará, e de Pirapora, Minas Gerais. Em ambos a valorização em um ano foi de 63%. Em Breves, porém, o preço do hectare é muito baixo: fechou 2023 em R$ 380. Em Pirapora, fechou em R$ 11 mil.
Paraná e São Paulo têm o hectare mais caro
Paraná é o Estado com a terra mais cara para grãos em 2023. De acordo com a pesquisa, o hectare para grãos valia, em média, R$106,8 mil, quase o dobro da média do País (R$ 55,7 mil). Em seguida, vem o Estado de São Paulo, com áreas consolidadas para grãos que custam R$ 74,9 mil o hectare, e o Rio Grande do Sul (R$ 64,1 mil).
Para pastagem, São Paulo tem também o hectare mais valioso do Brasil, cotado, em média, em R$ 33,9 mil em dezembro de 2023. É mais que o dobro da média do País (R$ 15,2 mil). Na sequência, estão Paraná (R$ 31,2 mil) e Santa Catarina (R$ 27,2 mil).
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.