O andamento do projeto do túnel para ligar Santos e Guarujá, em São Paulo, já começa a ser marcado por uma disputa entre os governos federal e estadual pela autoria do empreendimento. Tanto a gestão paulista de Tarcísio de Freitas (Republicanos) como o governo Lula, na figura do ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França (PSB), dizem que farão a obra. E, até o momento, os planos não estão coordenados.
Conforme antecipou o Estadão/Broadcast, na terça-feira, 28, o ex-ministro de Jair Bolsonaro qualificou o projeto do túnel na primeira reunião do Programa de Parcerias de Investimento (PPI) de SP. Segundo o governo estadual, há um projeto executivo pronto e licença prévia para implantação da obra.
O plano é construir o túnel em formato de PPP (parceria público-privada), ou seja, com injeção de recursos públicos combinado a uma concessão à iniciativa privada. O Estado já abriu conversas com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para estruturar o projeto e, inclusive, pediu apoio do governo Lula para ajudar a custear o aporte público que será feito na obra, cobrada há décadas pela população da região.
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O Ministério comandado por Márcio França, que já governou São Paulo e tem ligação muito próxima da baixada santista, apontou, contudo, que tem outros planos para o empreendimento. Ao Estadão/Broadcast, a pasta de Portos e Aeroportos afirmou que, num primeiro momento, analisa a possibilidade de o projeto ser executado com recursos da União e do Porto de Santos, sem necessidade de uma PPP ou de um financiamento cruzado com o governo estadual. “Portanto, uma obra pública com recursos do governo federal”, respondeu o Ministério.
A reportagem havia questionado a pasta sobre os planos de Tarcísio, e se o governo federal tinha alguma posição definida sobre eventualmente compartilhar a estruturação e o financiamento da obra com a gestão estadual.
A discussão da paternidade do túnel seco parte de uma disputa maior entre os governos Lula e Tarcísio, relativa à privatização do Porto de Santos. Quando era ministro da Infraestrutura de Bolsonaro, Tarcísio previu que a ligação seca seria construída por quem arrematasse em leilão a administração do porto. Márcio França, contudo, insiste que o governo federal não vai dar continuidade ao certame de Santos, o que fez o governador de São Paulo seguir com seu ‘plano B’ para tirar o túnel do papel.
Atualmente, uma das alternativas para a travessia entre Santos e Guarujá é pela balsa. Durante esse deslocamento, a atividade do porto precisa ser interrompida. Outra opção é o caminho ser percorrido por estrada, em um trecho de 43 quilômetros de extensão.
Segundo o Sindicato dos Engenheiros do Estado de SP, há planos para a construção de uma ligação seca entre as duas cidades ao menos desde 1927, quando se cogitava a escavação de um túnel para a passagem de um bonde elétrico. Em 1948, a proposta era fazer uma ponte levadiça no local. Já em 1970, a alternativa discutida previa uma ponte com acesso helicoidal, que permitia a passagem de navios.
O Broadcast/Estadão mostrou em janeiro que, diante das sinalizações de Lula durante a campanha sobre o programa de desestatizações, Tarcísio passou a pensar numa PPP para viabilizar a ligação seca. O projeto envolve a injeção de cerca de R$ 3,5 bilhões em recursos públicos, e o governador chegou a dizer a interlocutores que estaria disposto a desembolsar esse montante do Tesouro Estadual.
O empreendimento tem VPL negativo - ou seja, por isso, não daria retorno financeiro ao privado sem aporte do governo. Tarcísio e Márcio França conversaram sobre o assunto recentemente, durante visita do governador a Brasília. O ex-ministro da Infraestrutura havia sinalizado que não teria resistência política em compartilhar com o governo federal o financiamento da obra. Como Lula pediu aos governadores para listarem obras prioritárias que poderiam receber o apoio federal, o túnel Santos-Guarujá entrou na lista de São Paulo, junto da Linha 2 do Metrô e do Trem Intercidades.
Neste fim de semana, contudo, França mostrou que tem outros planos para a ligação seca. Ao comentar no Twitter sobre um acidente registrado na balsa, o ministro disse ser necessário ter o túnel “este ano”, e que, portanto, Lula iria autorizar a obra. “Lula vai autorizar e vamos fazer! O Porto Público de Santos vai ajudar a custear. Travessia de balsa no meio do maior Porto do Hemisfério Sul é atraso!”, afirmou nas redes sociais.
Recursos
De acordo com o Ministério de Portos e Aeroportos, a ideia de usar recursos da autoridade pública do Porto de Santos para bancar parte da obra busca aproveitar o “bom momento financeiro” da estatal. “Sem a necessidade de uma parceria Público-Privada (PPP) ou um financiamento cruzado com o governo estadual”, disse a pasta à reportagem.
O governo federal ainda não tem definido quanto de dinheiro público seria investido no empreendimento, nem como será a operação do túnel depois de construído. A intenção, por ora, é atualizar para valores atuais o projeto desenvolvido pela gestão do ministro e vice-presidente da República Geraldo Alckmin no governo de São Paulo, quando a obra foi modelada pela Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S.A.). “Já a definição da exploração - por concessão, desestatização ou parceria público-privada - será definida após a execução da obra”, afirmou o Ministério.
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