GENEBRA, SUIÇA - Maior afetada pela barreira imposta pelos EUA ao aço, a Europa indica claramente que quer usar os próximos quinze dias para negociar uma isenção para os exportadores do bloco ao mercado americano. Mas o anúncio da Casa Branca de que abriria brechas para uma negociação com “verdadeiros aliados” levou a Europa a ver um racha em seus membros, com o Reino Unido sendo o primeiro a anunciar que buscaria uma solução bilateral com os americanos.
Na quinta-feira, o governo de Donald Trump anunciou sobretaxas ao aço e alumínio importado, sob o argumento de que os produtos estrangeiros estavam ameaçando a segurança nacional dos EUA. Mas ele deixou uma brecha para que governos possam negociar com a Casa Branca.
O aceno foi interpretado por diplomatas estrangeiros como “chantagem” e uma ameaça às regras internacionais. Washington apontou que poderia isentar um país de taxas caso ele contribua mais com a aliança militar na OTAN ou que reduza tarifas de outros produtos americanos.
Temendo perder bilhões de euros, governos de todo o mundo já se colocaram à disposição para conversar.
“Estamos inquietos com a medida”, disse a chanceler alemã, Angela Merkel. “O melhor seria que fossemos isentados. Estamos prontos para agir. Mas ninguém ganharia com isso e é por esse motivo que buscamos um diálogo””, afirmou nesta sexta-feira.Segundo a chanceler, a Europa está em contato com seus principais parceiros comerciais também afetados pela medida, como a China.
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A principal negociadora do bloco e comissária de Comércio da UE, Cecilia Malmström, confirmou que o “diálogo” é a “primeira opção”. “Não podemos ser uma ameaça para a segurança nacional dos EUA. Portanto, contamos em ser isentados das medidas anunciadas”, disse.
Nos próximos dias, Malmstrom indicou que vai esperar maiores esclarecimentos por parte dos americanos sobre como essa negociação ocorreria. “Esperamos conseguir a confirmação de que a Europa está excluída dos países afetados”, disse a comissária, apontando para sua reunião no fim de semana em Bruxelas com Robert Lighthizer, o emissário de Comércio de Trump.
O vice-presidente do bloco, Jyrki Katainen, também insistiu que o diálogo será o caminho. “Prioridade é o dialogo e resolver sem danos colaterais. Queremos ainda entender quais serão os critérios para que um país não seja afetado”, disse. “Mas pensamos que a Europa não é uma fonte de ameaça e devemos ser excluídos”, insistiu. Apesar de insistir na via pacífica, a Europa alerta que não está disposta a fazer concessões, nem no setor comercial e nem na aliança militar. “Não vamos fazer concessões no comércio, mesmo que isso tenha sido apontado como um problema”, disse. “Isso não é uma negociação comercial. É uma ação unilateral”, afirmou. A relação entre a barreira e a contribuição da Europa na OTAN também foi rejeitada por Bruxelas. “São duas coisas separadas”, insistiu o vice-presidente. “Isso é um problema comercial, que precisa ser resolvido. Depois, se a questão da OTAN quiser ser tratada, é um outro assunto”, disse.
Racha na União Europeia. Mas a oferta americana por um diálogo abriu um racha perigoso dentro da Europa. Nesta sexta-feira, o governo do Reino Unido, próximo a Trump, indicou que iria buscar uma solução bilateral para o problema, irritando Bruxelas e os demais governos europeus.
Liam Fox, secretário de Comércio britânico, informou que viajará para Washington para tratar do assunto com os americanos, sem a presença do restante dos europeus.
Apesar de sua proximidade com a Casa Branca e de estar em um processo de divórcio da Europa, Londres continua a fazer parte da UE. “Não podemos aceitar que a Europa seja dividida. Temos de tratar o assunto como um bloco”, afirmou o vice-presidente. “Não queremos divisões entre nossos membros”, disse.
O temor de Bruxelas é de que, caso o Reino Unido ganhe um acesso preferencial, a concorrência dentro da Europa será desequilibrada.
“Nossa reação apenas pode ser coletiva”, insistiu Bruno Le Maire, ministro da Economia da França, que indicou que uma reunião está sendo convocada para segunda-feira entre todos os atores do aço europeu.
Mas a divisão do continente também levantou nos corredores de Bruxelas uma pergunta: quem é de fato considerado como aliado dos EUA? “Sempre seremos um aliado e não uma ameaça. Somos os aliados mais naturais dos EUA”, disse Katainen.
Retaliação. Entre os governos europeus, a percepção é de que a negociação precisa ser acompanhada por um trabalho para adotar retaliações, se o processo fracassar. “Esperamos que não sejamos forçados a usar. Mas estaremos preparados para usa-las se for necessário”, disse.
A Europa vende em média 5,5 milhões de toneladas de aço aos EUA e uma barreira poderia custar mais de US$ 2,5 bilhões por ano.Jean-Yves Le Drian, ministro de Relações Exteriores da França, insistiu que a Europa precisa agir de forma “firme”. “A Europa precisa mostrar seu poder e soberania”, disse. Para ele, é a influência americana que será afetada por contas das barreiras.
Katainen confirmou que, se as negociações fracassarem, a UE já está em conversas com outros governos para levar um caso conjunto à OMC contra os EUA. “Queremos a lei do mais forte ou as leis internacionais?”, alertou, apontando para o caráter protecionista de Trump.
Apesar do sinal de diálogo dos europeus, o setor siderúrgico do continente insiste numa resposta. Em nome da EUROFER, a entidade siderúrgica do continente, Axel Eggert alertou que o argumento de segurança nacional de Trumo é “um absurdo”. Sua preocupação é de que o volume extra de aço no mercado internacional acabe chegando ao bloco, inundando o mercado.“Isso tudo poderá custar milhares de empregos na Europa”, disse.
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