Desde que assumiu o comando dos Estados Unidos, em 20 de janeiro deste ano, o presidente Donald Trump tem provocado grande instabilidade no mercado com o vaivém de suas tarifas de importação. Mas foi na quarta-feira, 2, que ele deu sua tacada mais agressiva, impondo taxas que variam de 10% a 49% a quase todos os países do mundo e desencadeando reações fortes de nações que sempre foram parceiras.
A tarifa mínima, de 10%, entra em vigor neste sábado, 5, e as individualizadas, com porcentual mais alto, na próxima quarta-feira, 9. O anúncio, feito nos jardins da Casa Branca, tem todo o potencial para intensificar uma guerra comercial global, provocar inflação e a desaceleração da economia mundial, além de desorganizar as cadeias de produção.
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A obsessão do presidente americano com as tarifas sobre importações não é nova. Em sua primeira passagem pela Casa Branca, era um tema constante. Naquela época, porém, havia nomes importantes dentro de sua equipe — como Gary Cohn, então diretor do Conselho Econômico Nacional, e Steven Mnuchin, secretário do Tesouro Nacional —, que conseguiam restringir o alcance dessa agenda tarifária. Hoje, não há dissidência dentro da equipe econômica.
O caminho para o “tarifaço” anunciado na quarta-feira começou a ser aberto praticamente desde a posse de Trump. Em fevereiro, ele anunciou taxação de 10% sobre os produtos da China e de 25% sobre produtos do Canadá e do México, com o argumento de que esses países estavam fazendo pouco ou quase nada para deter o fluxo de drogas e de migração nos Estados Unidos — embora depois tenha voltado atrás em algumas das decisões sobre o México e o Canadá.
Antes das tarifas recíprocas desta semana, ele também já havia dobrado a taxa de importação da China de 10% para 20%; colocado tarifas de 25% sobre aço e alumínio importado; e taxado carros e peças importadas em 25%. Entenda nos pontos a seguir o que significa para a economia global o anúncio feito pelo presidente americano.
1. O que são as tarifas anunciadas por Trump
Na quarta-feira, 2, batizada de “Dia da Libertação”, Donald Trump anunciou que todos os produtos importados pelos Estados Unidos pagariam uma tarifa mínima de 10%. Alguns países, com os quais os Estados Unidos têm déficit comercial, pagariam tarifas ainda maiores — chegando a 46%, no caso do Vietnã, e a 49%, no caso do Camboja.
Parceiros comerciais importantes dos Estados Unidos — e alguns aliados de longa data — passarão a pagar essa tarifa maior do que 10%. No caso da União Europeia, será de 20%. O Japão pagará 24%, e a China, que já havia recebido este ano uma taxação de 20%, terá mais 34%.
Veja na tabela abaixo as tarifas impostas a cada país.
2. Por que o presidente americano tem essa ‘obsessão’ por tarifas
No anúncio das medidas, Trump afirmou que as novas tarifas vão corrigir anos de comércio “injusto”, em que outros países têm “roubado” a América. “Durante anos, os cidadãos americanos que trabalham duro foram forçados a ficar de fora, enquanto outras nações enriqueciam e se tornavam poderosas, em grande parte às nossas custas”, disse. ”Agora é a nossa vez de prosperar.”
O argumento principal do presidente para esse movimento é “reindustrializar” os Estados Unidos. Ele tem dito que, para as empresas fugirem das tarifas, bastaria começar a fabricar seus produtos em solo americano. “O que eles precisam fazer, francamente, é construir suas fábricas de automóveis e outras coisas nos Estados Unidos, caso em que não terão tarifas”, disse, no início do mês passado.
De acordo com o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, a meta do presidente é “reequilibrar o sistema econômico internacional”. O comércio global, segundo ele, é distorcido por países como a China, que suprimem a demanda do consumidor e dependem das vendas de exportação para manter suas fábricas ocupadas.
As fábricas chinesas subsidiadas fazem produtos a preços que os produtores americanos muitas vezes não conseguem igualar, o que leva a um déficit comercial gigantesco nos EUA e faz com que as fábricas americanas fiquem sem pedidos e empregos, argumentou, em um discurso feito em 6 de março.
3. Quais foram os efeitos do anúncio das tarifas para os mercados
O ‘tarifaço’ de Trump provocou uma grande turbulência nos mercados globais. As principais Bolsas de todo o mundo tiveram perdas gigantescas após o anúncio, na quarta-feira. Nos Estados Unidos, por exemplo, as perdas passaram dos 10% em apenas dois dias. O índice Dow Jones, da Bolsa de Nova York, caiu 4,84% na quinta-feira, 3, e mais 5,50% na sexta-feira, 4. Já o índice Nasdaq, que tem uma influência maior das empresas de tecnologia, caiu respectivamente 5,97% e 5,82%.
Nos últimos dois pregões, o valor de mercado das empresas listadas nos Estados Unidos encolheu em US$ 6,08 trilhões, intensificando uma tendência negativa que já vinha se desenhando desde o início do ano. Desde 20 de janeiro de 2025 — data da posse do presidente Donald Trump —, a destruição de valor já chega a US$ 9,81 trilhões, segundo dados levantados por Einar Rivero, CEO da consultoria Elos Ayta.

As perdas não se limitaram aos Estados Unidos. Na Europa, a Bolsa de Frankfurt caiu 3,08% na quinta-feira, 3, e 4,95% na sexta-feira, 4. A Bolsa de Londres, por sua vez, caiu respectivamente 1,55% e 4,95%. Na Ásia, uma das regiões mais afetadas, a Bolsa de Tóquio recuou 2,77% e 2,75%. A Bolsa de Pequim teve um efeito menor — caiu 0,24% na quinta-feira, mas não operou na sexta-feira, por conta de um feriado local.
4. Quais as reações dos países atingidos
Na sexta-feira, 4, a China se tornou o primeiro país a responder, na prática, às tarifas globais anunciadas por Trump. O governo de Xi Jinping impôs uma tarifa de 34% sobre os produtos dos EUA, exatamente o mesmo nível da tarifa americana. Além disso, o Ministério do Comércio da China disse ter adicionado 11 empresas americanas à sua lista de “entidades não confiáveis”, impedindo-as de fazer negócios na China ou com empresas chinesas.
O Ministério das Finanças da China emitiu declaração criticando fortemente as tarifas de Trump. “Essa prática dos EUA não está de acordo com as regras do comércio internacional, prejudica seriamente os direitos e interesses legítimos da China e é uma prática típica de intimidação unilateral”, disse o ministério.
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O presidente americano reagiu dizendo que a China “jogou errado” ao retaliar as tarifas. “Eles entraram em pânico”, escreveu em seu perfil na rede Truth Social. Segundo Trump, entrar em pânico e retaliar os EUA era “a única coisa que eles não podem se dar ao luxo de fazer”.
Os outros países atingidos reagiram em geral com perplexidade ao “tarifaço”, mas têm preferido aguardar um pouco antes de tomar alguma decisão. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, por exemplo, afirmou que o anúncio foi um “grande golpe para a economia global”.
“As consequências serão terríveis para milhões de pessoas em todo o mundo”, disse ela, na quinta-feira, 3. “Alimentos, transporte e medicamentos custarão mais caro, e isso vai prejudicar, em especial, os cidadãos mais vulneráveis”. No entanto, Von der Leyen não anunciou nenhuma nova medida de retaliação e enfatizou que a União Europeia estava pronta para negociar com os EUA.
5. Como o Brasil foi atingido
O Brasil tem um comércio deficitário com os Estados Unidos — importa mais do que exporta — e acabou ficando no grupo menos atingido pelas tarifas de Trump. Os produtos brasileiros pagarão a taxa mínima estabelecida pelo governo americano, de 10%.
A notícia foi recebida com um certo alívio no País, já que a expectativa era bem pior. “Podemos dizer que estamos aliviados, porque, na verdade, o porcentual veio menor do que a gente imaginava, ainda que maior do que seria adequado”, disse José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB).
Segundo Castro, diante das tarifas mais altas a concorrentes, é possível que o “tarifaço” de Trump melhore a competitividade dos produtos brasileiros no mercado americano.
Porém, alguns especialistas apontam também que, no longo prazo, toda essa mudança no comércio internacional provocada por uma guerra tarifária pode acabar sendo prejudicial ao País.
Os impactos das tarifas anunciadas por Trump

Em vídeo, Lucas Ferraz, da FGV, analisa os efeitos do tarifaço dos EUA para o Brasil e para a economia global
“Está se criando uma nova dinâmica irônica, com um grande desafio para a indústria brasileira”, disse Matias Spektor, fundador da escola de relações internacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV). “Quando a China faz dumping, ela subsidia um setor, e ataca um mercado e alguns países com produtos baratos. O pneu de caminhão chinês acabado, por exemplo, é mais barato que o preço da matéria-prima no Brasil.”
Para ele, o próximo capítulo desta novela será o Brasil criando um mecanismo para conseguir se defender da enxurrada de produtos. Poderá haver uma redução de preços em dólares de insumos, e até reduzir a inflação, com produtos mais baratos. “Mas alguns setores da indústria brasileira poderão ser varridos do mapa.”
6. O que o ‘tarifaço’ pode provocar na economia global
No mundo, a implementação das tarifas pode representar uma redução no crescimento global e até recessão em alguns países, de acordo com especialistas. O risco inflacionário também está no radar, assim como uma desorganização das cadeias globais.
Desde a década de 90, as cadeias de produção foram pulverizadas pelo mundo. A produção de um carro ou celular, por exemplo, recebe peças de vários países até ser fabricado inteiramente. Ou seja, o mundo está todo interligado e as tarifas de Trump vão desorganizar esse mundo.
A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, disse, em um comunicado, que as medidas “representam claramente um risco significativo para as perspectivas globais em um momento de crescimento lento.” Segundo ela, “é importante evitar medidas que possam prejudicar ainda mais a economia mundial”. A dirigente apelou para que os Estados Unidos e seus parceiros comerciais trabalhem de forma construtiva para resolver as tensões comerciais e reduzir a incerteza.

Inflação e crescimento menor nos Estados Unidos também estão no radar do Federal Reserve (Fed, o Banco Central americano). Nesta sexta-feira, 4, o presidente do Fed, Jerome Powell, fez um alerta de que as tarifas anunciadas pelo presidente Donald Trump correm o risco de provocar uma inflação ainda mais alta e um crescimento mais lento do que o inicialmente esperado.
“Embora a incerteza continue elevada, agora está ficando claro que os aumentos de tarifas serão significativamente maiores do que o esperado”, disse. “É provável que o mesmo aconteça com os efeitos econômicos, que incluirão inflação mais alta e crescimento mais lento.”