Análise | Tarifas de Trump sobre pinguins negam legado da Paz de Westfália

Princípios incorporados em 1948 pelo Acordo Geral de Tarifas e Comércio, precursor da Organização Internacional do Comércio, hoje são desprezados por nacionalistas autoritários

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Foto do author Rolf Kuntz
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Liquide-se o mundo velho de Westfália e se implante o mundo novo, o império de Donald Trump, clamam os seguidores do líder capitalista. A Paz de Westfália, conjunto de acordos assinados entre 1648 e 1659, iniciou a construção de um sistema de Estados soberanos e juridicamente iguais, consagrado em 1945 na Carta das Nações Unidas.

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Em 1948, os princípios do sistema foram incorporados pelo Acordo Geral de Tarifas e Comércio, precursor da Organização Internacional do Comércio (OIC), hoje desprezada por nacionalistas com vocação autoritária. Um líder desse grupo, presidente dos Estados Unidos, impôs tributos comerciais pesados à Europa, à Índia, à China e a outros territórios, incluídas duas ilhas controladas pela Austrália e habitadas por pinguins e focas.

Ao Brasil, um concorrente mais aberto do que outros e menos perigoso para o equilíbrio comercial americano, foram reservadas tarifas de 10%, bem menores do que as aplicadas a vários outros países.

Operadores da Bolsa de Valores de Nova York (NYSE) na abertura do pregão nesta quinta-feira, 3, no dia seguinte ao anúncio de tarifaço global no jardim da Casa Branca Foto: Charly Triballeau/AFP

Efeitos desastrosos da política trumpista foram logo identificados. Bilhões de dólares serão perdidos por economias exportadoras, mas também os Estados Unidos serão prejudicados. Indústrias americanas pagarão mais caro por matérias-primas e insumos industriais, preços locais deverão subir e trabalhadores poderão ficar desempregados. Algumas empresas, como indicou Trump, talvez migrem para o território americano, mas transferências desse tipo são demoradas e caras.

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Para todos os lados, no entanto, os maiores custos poderão ocorrer de outra forma. Ações de retaliação poderão resultar em guerra comercial, com perdas para todos. Os dirigentes das maiores economias da Europa e de outros continentes são capazes de avaliar esses custos e riscos. No entanto, aceitar sem resposta a agressão trumpista talvez seja, além de politicamente custoso, interpretado como estímulo a novos desmandos do governo americano ou dos líderes de outras potências.

Estimular desmandos é facilitar agressões à ordem econômica mundial, ou, num quadro mais conflituoso, solapar as condições de cooperação e de convivência entre nações e grupos de países. O enfraquecimento do Conselho de Segurança da ONU e do Tribunal Penal Internacional é indisfarçável. Igualmente inegável é o desprezo manifestado pelo presidente americano, em mais de uma ocasião, a organizações internacionais.

Não há como encarar separadamente o desprezo de Trump a essas entidades e seu desdém às normas de convivência entre países. Canadá e México, fronteiriços dos Estados Unidos, já conheceram, na prática, a antidiplomacia trumpista.

Essa antidiplomacia torna mais inteligível sua preferência, claramente expressa na proximidade com Putin, pelo relacionamento direto entre os controladores do poder. Sistemas de regras internacionais são obviamente mais adequados, quando se considera o estilo trumpista, a questões de menor importância para as potências líderes. Dessa perspectiva, importante mesmo, no sistema de Westfália, foi a presença das grandes potências, construtoras dos fundamentos da diplomacia moderna. As outras aparecem nessa história como figurantes.

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Análise por Rolf Kuntz

Jornalista

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