BRASÍLIA – O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) criticou a iniciativa da Câmara de aprovar um afrouxamento na Lei das Estatais. O tucano, que relatou o texto que originou a lei que dificulta o loteamento político das empresas, classificou como “burrice” o fato de o PT ter apoiado a iniciativa, declarou que a mudança deixa a “porta aberta para todo tipo de coisas não republicanas” e reclamou que “é um retrocesso histórico na vida das estatais brasileiras rumo à República das Bananas”.
A Lei das Estatais foi sancionada pelo ex-presidente Michel Temer após investigações comprovarem o uso político de empresas públicas em administrações anteriores, em especial dos governos petistas. Os principais pontos da nova norma dizem respeito a mecanismos para blindar as estatais de ingerência política.
Leia mais sobre a transição de governos na área econômica
A mudança nesse arcabouço legal foi aprovada pela Câmara dos Deputados poucas horas depois de o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ter confirmado o ex-ministro Aloizio Mercadante na presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Para Tasso, Mercadante não precisava da mudança na lei para exercer o cargo. “É uma burrice porque o Aloizio Mercadante, no caso, se foi feito para beneficiá-lo, acho que prejudicou. Como o Aloizio é doutor em economia, tem toda a credencial, não tinha mandato, não fazia parte do diretório do PT, não participava de eleições há muito tempo, ele tinha toda uma narrativa para o conselho do banco apreciar. Não é assim que se vai, não precisava disso, foi um tiro no pé dele”, afirmou o senador. Quase toda a bancada do PT votou favorável ao texto. Apenas o deputado Marcon (PT-RS) votou contra.
Em nota, a assessoria do futuro presidente do BNDES negou que o caso dele se enquadraria na atual lei das estatais. “Mercadante não exerceu qualquer função remunerada na campanha vitoriosa do Presidente Lula, não tendo sido vinculado a qualquer atividade de organização, estruturação ou realização da campanha”, afirmou.
Tasso criticou não só o fato do projeto aprovado ontem diminuir de três anos para 30 dias a quarentena que indicados que tenham participado de campanhas políticas tem de submeter, como também alertou para o trecho que aumenta de 0,5% para 2% da receita operacional o limite das despesas com publicidade e patrocínio de empresa pública e de sociedade de economia mista. Contratos de publicidade com estatais são recorrentemente vistos em casos de corrupção envolvendo apadrinhados políticos.
Leia a entrevista:
O que o senhor achou de a Câmara ter aprovado a mudança na Lei das Estatais?
É um retrocesso histórico na vida das estatais brasileiras rumo à República das Bananas. Do outro lado, é uma burrice porque o Aloizio Mercadante, no caso, se foi feito para beneficiá-lo, acho que prejudicou. Como o Aloizio é doutor em economia, tem toda a credencial, não tinha mandato, não fazia parte do diretório do PT, não participava de eleições há muito tempo, ele tinha toda uma narrativa para o conselho do banco apreciar. Não é assim que se vai, não precisava disso, foi um tiro no pé dele.
Quais alterações mais o preocupam?
Tem outra coisa mais séria ainda, que é a liberação dos recursos de propaganda das estatais. Essa liberação é porta aberta para todo tipo de coisas não republicanas, estranhíssimo ter entrado nesse momento. É absolutamente surpreendente que a gente possa ter um retrocesso desse tamanho. Não é só a questão da vinculação do Aloizio, tem outra mais grave, que é liberação da publicidade. Não é um jabuti, é um elefante colocado e pendurado na árvore.
A medida atendeu a interesses de quem?
Evidentemente que todos os partidos, principalmente os mais fisiológicos, adoram isso. Sempre quiseram mudar a Lei das Estatais. Foi preciso uma ocasião muito especial para a gente aprovar (em 2016), foi logo em cima da Lava Jato, a gente tinha todo um clima em que esses partidos se retraíram. De lá para cá, existe todo um sonho para acabar com essa legislação, que é um ganho da sociedade brasileira.
O projeto foi aprovado logo depois de Lula confirmar Mercadante e, no mesmo dia, o presidente eleito se reuniu com o presidente da Câmara, Arthur Lira. Vê possibilidade de o governo eleito ter articulado isso?
Não posso dizer. Claro que teve muita articulação para ser feito de maneira tão rápida e de surpresa, tudo foi não republicano. Não acompanhei de perto o que aconteceu, mas como ninguém esperava essa votação, foi tudo feito na noite de surpresa e muito bem articulado.
Há chance de o Senado barrar a mudança?
Se for seguir pela Câmara, só o PSDB e o Novo votaram contra. Você vê que há uma articulação bem feita e um interesse maior nisso aí. Por isso que não acredito que foi para o Aloizio, porque eu acho ele foi até prejudicado. Ele tinha uma discussão aberta para fazer, com muito bons argumentos. Quando acaba com esses dois pontos (quarentena e publicidade), é tiro no pé.
Como vê a aliança de Lula com o Centrão?
Isso é uma aliança que está sendo montada e que tem se repetido no Brasil. Quanto mais tiver orçamento secreto, mais vai se repetir.
E o senhor considera isso ruim?
Ruim não, é péssimo.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.